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Rio chega ao caos

Recuperar a confiança da comunidade é crucial para reverter o ciclo de violência. Operações que deixam rastro de sangue e lágrimas são contraproducentes.

Publicado em: O Globo

As estatísticas de homicídios no Rio de Janeiro parecem de zonas de guerra. De janeiro a setembro, 4.482 pessoas morreram de forma violenta, 635 delas nas mãos da polícia. Vinte e seis policiais morreram em serviço e muitos outros de folga.

No domingo, moradores da Cidade de Deus encontraram os corpos de seis homens e um adolescente de 17 anos. Seus parentes acreditam que a polícia os matou em represália à queda de um helicóptero, que matou quatro policiais. As evidências até agora apontam para um problema mecânico.

Há apenas quatro anos a situação era muito diferente. A letalidade violenta caíra quase pela metade da taxa da década anterior. Mesmo no Complexo do Alemão, considerado a base de uma das facções criminosas mais poderosas do Rio, o clima era otimista após a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). “Foram dois anos sem um tiro”, me disse uma moradora e ativista. Agora, tiroteios são uma realidade diária.

Um policial militar limpa o entorno da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela da Mangueira em 14 de janeiro de 2016. A UPP é feita com contêineres de metal. © 2016 César Muñoz Acebes/Human Rights Watch

O que aconteceu?

O declínio das UPPs foi um fator-chave. O objetivo do projeto era tirar o controle das favelas dos traficantes e permitir ao Estado fornecer serviços de saúde e educação. Mas o Estado não correspondeu.

“O Estado nunca apareceu, só a polícia”, disse um tenente da Polícia Militar que entrevistei no ano passado na UPP Mangueira, e que cresceu no Complexo do Alemão. “Criou-se a expectativa no morador, que acabou não vendo esse resultado e joga a culpa na polícia.”

O próprio tenente ficou desiludido, como muitos outros policiais que entrevistei em várias UPPs. Eles se sentiam abandonados, sem o apoio material e psicológico adequado para trabalhar em um ambiente cada vez mais hostil.

Alguns policiais disseram que execuções extrajudiciais e abusos por parte de colegas colocavam todos em perigo ao romper a confiança da comunidade. “Casos de violência e corrupção fazem você perder a credibilidade”, me disse no ano passado Robson Rodrigues, então chefe do Estado Maior da Polícia Militar.

Mas a resposta a esses casos, pelas polícias Militar e Civil e o Ministério Público, tem sido decepcionante. Policiais envolvidos em execuções raramente são levados à Justiça, segundo pesquisa da Human Rights Watch e outras organizações. Os traficantes têm aproveitado as falhas do Estado, do Judiciário e da própria polícia para retomarem o território.

Recuperar a confiança da comunidade é crucial para reverter o ciclo de violência no Rio. Operações policiais que deixam rastro de sangue e lágrimas são contraproducentes. Para combater o crime, o Estado precisa convencer os moradores a denunciarem atividades criminosas e deporem como testemunhas.

Um passo essencial para mostrar seriedade na defesa do estado de direito é conduzir investigações sérias sobre mortes de policiais e também sobre denúncias de abusos. Processar os que cometem abusos ajudaria as comunidades a confiarem na força policial e facilitaria o trabalho dos bons policiais.

 

César Muñoz Acebes é pesquisador da Human Rights Watch para o Brasil

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