Em uma tarde quente de janeiro no estado do Rio Grande do Sul, Sandra, uma produtora de tabaco de 40 anos, puxa uma cadeira até seu jardim e sugere que eu me sente. Ela tem um rosto arredondado, e seu cabelo loiro está preso em um rabo-de-cavalo um tanto desarrumado, enquanto sua pele mostra as marcas dos anos de trabalho sob o sol.
"Plantamos fumo aqui desde que tínhamos doze ou treze anos", disse ela, enquanto seu marido sentava-se ao seu lado. "Nossos pais também plantavam tabaco".
Era meu segundo dia de trabalho em uma missão de um mês para investigar o emprego de trabalho infantil nas lavouras de tabaco no Brasil - país que, em 2008, proibiu que crianças e adolescentes trabalhassem na colheita. Eu já havia passado dois anos pesquisando o assunto nos Estados Unidos, onde crianças podem legalmente ser contratadas para trabalhar em fazendas de tabaco a partir dos doze anos.
"Nossa filha ajudava no trabalho quando morava aqui", me contou Sandra. "Ela fazia de tudo, do plantio à colheita. Ela começou quando tinha uns quatorze anos". Já Matheus diz não trabalhar muito na plantação. "Eu ajudo um pouquinho, mas fico na internet a maior parte do tempo", diz ele sorrindo.
Eu não estava convencida. Eu entendia que seria difícil que os agricultores falassem sobre trabalho infantil para uma estrangeira que chegara sem aviso e falava por meio de um intérprete. Mas depois do que havia visto em minhas pesquisas nos EUA, me custava acreditar que aquele garoto forte e de porte atlético ficava confortavelmente em casa, no computador, enquanto seus pais trabalhavam duro na lavoura.
A família, no entanto, insistia que conhecia a nova lei. Sandra disse saber dos riscos de penalidades caso seu filho fosse flagrado no cultivo, embora não estivesse segura sobre quais seriam elas. "Eles podem te levar para o juiz", disse ela. "A empresa diz que crianças não podem trabalhar no cultivo do tabaco de jeito nenhum". Sandra e seu marido contratam alguns ajudantes adultos durante a temporada de colheita.
Descobri que Matheus, que é aluno do ensino médio em uma escola local e sonha estudar microeletrônica, ajuda no trabalho durante o verão, mas nem de longe tem de se esforçar tanto quanto sua irmã mais velha teve. Ele leva água para seus pais na plantação. Empilha as folhas secas e quebradiças de tabaco em caixas de madeira, formando fardos que pesam mais de 60 kg. De vez em quando, ele ajuda seus pais na colheita, coletando as folhas verdes mais grossas com a mão e segurando-as debaixo do braço. "Eu não deixo ele trabalhar quando as folhas estão molhadas", disse-me Sandra. "Isso pode dar uma doença nele."
Um ano e meio antes, em uma manhã de julho, entrevistei uma garota de quatorze anos. O tempo estava úmido, e ela se preparava para mais um dia de trabalho em uma plantação de tabaco na Carolina do Norte. Era sua primeira semana no emprego e ela ficara doente.
"Minha cabeça começou a doer, e senti ânsia de vômito", ela me disse. Os pés de tabaco estavam molhados do orvalho e da chuva, e suas roupas ficavam encharcadas enquanto ela trabalhava na plantação. "Vou pra casa com as roupas molhadas mesmo", disse.
Seus sintomas são consistentes com os de intoxicação por nicotina, um risco ocupacional específico do cultivo de tabaco. Quando as folhas estão molhadas, e especialmente quando o tempo está quente e úmido, a nicotina se dissolve na água que se encontra na superfície da folha, podendo ser absorvida pela pele. Sintomas comuns incluem náuseas, vômitos, dores de cabeça e tonturas, e crianças são afetadas de modo mais severo que adultos.
Em nossa pesquisa nos EUA, eu e uma colega entrevistamos mais de 140 crianças que trabalhavam em plantações de tabaco, a maioria tendo começado aos doze ou treze anos. Dois terços relataram sintomas de intoxicação por nicotina. A maior parte nunca havia sido informada sobre este mal por seus empregadores, embora algumas soubessem que seus sintomas estavam ligados ao trabalho em condições úmidas.
Sandra, porém, sabia sobre a intoxicação por nicotina, ou "doença da folha verde", como é chamada no Brasil. Um instrutor de uma empresa de tabaco foi à fazenda e deu à família informações de saúde e segurança relativas à exposição a nicotina e pesticidas, assim como sobre a proibição brasileira ao trabalho infantil. Ele os alertou para não que colhessem as folhas quando estivessem molhadas, e para que usassem os EPIs (equipamentos de proteção individual), oferecidos pela empresa a um determinado custo. Esses equipamentos – calças impermeáveis e uma jaqueta de manga longa com aberturas para ventilação nas costas – são quentes e desconfortáveis, de acordo com ela, mas ajudam a mantê-la seca quando a plantação está molhada.
As crianças que entrevistei nos EUA não recebiam nenhum EPI. A maioria trazia de casa sacos plásticos de lixo, fazendo buracos neles para passar a cabeça e os braços, vestindo-os em uma tentativa – muitas vezes mal-sucedida – de manterem suas roupas secas.
Sandra e seu marido também receberam um equipamento para a aplicação de pesticidas, o que incluía uma máscara. A produção de tabaco no Brasil – assim como nos EUA – envolve a utilização de uma série de produtos químicos tóxicos em vários estágios da plantação. O marido de Sandra participou de um curso para aplicação segura de pesticidas, oferecido por uma empresa, dois anos atrás. "O curso me ajudou a perceber o que eu estava fazendo errado", disse ele. Ao serem perguntados se alguém da família havia ficado doente após trabalhar com pesticidas, todos acenaram negativamente.
As crianças que entrevistei nos EUA não haviam recebido qualquer treinamento para aplicação segura de pesticidas, e mais da metade relatou ter visto tratores espalhando esses produtos químicos nos campos a curta distância de onde trabalhavam. Elas relataram sentir o vapor e o gosto do produto que era pulverizado perto delas. Disseram, ainda, sentir queimação nos olhos e na pele, tonturas e vômitos, além de dificuldades para respirar.
As crianças são particularmente vulneráveis aos efeitos nocivos de pesticidas, pois seus corpos e cérebros ainda estão em desenvolvimento. Os efeitos de longo prazo da exposição a pesticidas durante a infância podem incluir câncer, problemas cognitivos e de aprendizado, além de males no sistema reprodutivo.
Ao longo das três semanas seguintes, entrevistei quase oitenta famílias de agricultores nos três estados com maior cultivo de tabaco do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Assim como Sandra e seu marido, eles eram pequenos agricultores, que vendiam sua produção para uma - ou várias - empresas de tabaco brasileiras ou multinacionais. Todos me recebiam com a mesma calorosa hospitalidade, trazendo cadeiras para o jardim e oferecendo chimarrão. Embora esses agricultores vendessem para uma dúzia de empresas de tabaco diferentes, suas experiências eram notavelmente similares.
Todos sabiam que crianças e adolescentes são proibidas de trabalhar no cultivo do tabaco. A maioria disse que suas propriedades não tinham sido fiscalizadas por agentes governamentais, e muitos não sabiam descrever as consequências específicas de violar a proibição, mas temiam as penalidades mesmo assim.
"Se alguém da empresa chegar e nosso filho de quatorze anos estiver na plantação, isso dá o maior problema", disse uma senhora agricultora, já de cinquenta anos de idade, que conheci no Rio Grande do Sul.
Os servidores do Ministério do Trabalho e Emprego que entrevistei admitiram que falta pessoal; eles não possuem fiscais suficientes para garantir o cumprimento das leis trabalhistas de modo consistente e eficaz. No entanto, as famílias com quem falei viam a ameaça de punição como um risco real, e isto as impelia a mudarem a forma como seus filhos trabalham nas fazendas.
Alguns pais também compreendiam que o cultivo de tabaco possui impactos sobre a saúde, e não queriam que seus filhos se expusessem a essa atividade. Beatriz, uma agricultora de cinquenta e dois anos do Paraná, andava de forma irregular e sofria de dores crônicas nas costas e pernas, além de problemas nos rins, males que ela atribuía aos anos de trabalho nas lavouras. Ela diz sofrer com tonturas e alucinações durante a colheita do tabaco.
"Dizem que é efeito da nicotina que passa pela pele", me contou Beatriz. Embora ela fosse uma das agricultoras mais pobres que conheci, ela preferia contratar ajudantes em vez de mandar sua filha de dezessete anos para a lavoura. "Eu não deixo não. Eu cresci trabalhando no tabaco, e hoje tenho problemas de saúde". Muitas outras famílias disseram contratar ajudantes durante a colheita, ou se revezar nos dias de colheita ajudando e contando com a ajuda de vizinhos e familiares de outras plantações, em vez de arriscar seus próprios filhos.
Vários agricultores me mostraram os contratos que assinaram com as empresas de tabaco, que incluíam cláusulas sobre a proibição do trabalho infantil. Algumas famílias disseram que representantes das empresas verificavam a frequencia escolar das crianças junto a professores e diretores. Eles também me mostraram os mesmos trajes impermeáveis e equipamentos de proteção para a aplicação de pesticidas que encontrei com a família de Sandra, além dos mesmos manuais coloridos com ilustrações de agricultores de tabaco sorrindo, alegremente colhendo folhas verdes e aplicando pesticidas, enquanto vestiam os equipamentos de proteção fornecidos pelas empresas. A uniformidade nos três estados era impressionante, tanto nas famílias que viviam perto de áreas urbanas quanto naquelas em vilarejos remotos.
Nos EUA, entrevistei dezenas de crianças que trabalhavam cinquenta ou sessenta horas por semana como funcionários contratados para trabalho nas plantações de tabaco e vi como elas se encharcavam ao trabalharem em meio as folhas de tabaco molhadas, vestindo nada além de sacos plásticos de lixo para protegê-las da nicotina e dos resíduos dos pesticidas que invadiam sua pele. Elas relatavam terríveis dores de cabeça, vômitos repentinos e tonturas que duravam toda a noite.
O flagrante contraste entre o Brasil e os EUA era gritante, além de intrigante.
O trabalho infantil não foi completamente eliminado da produção de tabaco no Brasil. As crianças ainda trabalham nos campos, motivadas por dificuldades econômicas, assim como acontece nos EUA.
A pobreza continua sendo um problema em muitas zonas rurais do Brasil, e muitos defensores dos direitos dos agricultores se preocupam com o que veem como práticas injustas por parte das grandes empresas de tabaco. As famílias não possuem rendimentos mínimos garantidos. As empresas determinam tanto o preço dos insumos agrícolas - sementes, pesticidas e outros suprimentos, os quais precisam ser obrigatoriamente comprados dessas empresas pelos agricultores - quanto o preço e classificação da folha de tabaco depois da colheita. Pequenos agricultores possuem pouco controle ou espaço para negociação.
"Todo ano é uma luta", contou um agricultor de trinta e dois anos de Santa Catarina. Muitos assumem dívidas com as empresas ao longo da safra, pagando após a colheita. Mesmo assim, algumas vezes ficam no vermelho.
No entanto, há progressos no auxílio às famílias para que entendam os riscos à saúde trazidos por esse tipo de trabalho, especialmente para as crianças. Mas esse avanço não aconteceu da noite para o dia. Alguns pais ainda se queixam e dizem que filhos nunca aprenderão a trabalhar se não puderem ir para as lavouras até completarem dezoito anos.
Amélia, uma avó de sessenta e três anos do Paraná, resumiu esse pensamento em uma pergunta: "Você sabe o que acontece com crianças que não trabalham? Viram bêbados". Um senhor, na casa dos sessenta anos, de Santa Catarina, apontou para sua filha de trinta e oito anos e seu marido, de trinta e cinco, ambos os quais trabalharam quando crianças, e disse: "Olhe aí! Está vendo? Eles não morreram. Ainda estão aqui.".
Em última análise, porém, as rígidas leis e penalidades levaram as pessoas a eliminar ou limitar o trabalho de seus filhos nas fazendas. Nenhuma restrição parecida está mantendo as crianças fora das lavouras de tabaco nos EUA. No país, o Fair Labor Standards Act ("Lei de Condições Dignas de Trabalho", em tradução livre) – uma lei federal que rege o emprego de crianças – trata o trabalho agrícola de modo diferente do trabalho nos outros setores.
Crianças de todas as idades podem trabalhar em pequenas plantações, com autorização dos pais. Crianças podem ser contratadas a partir dos doze anos para trabalho em plantações de qualquer porte, sem limite de horas fora do período escolar – dia ou noite – desde que haja permissão por escrito dos pais, ou que trabalhem em uma fazenda onde um dos pais também está empregado.
Em todos os outros setores, dezesseis anos é a idade mínima para a maioria dos empregos, e crianças e adolescentes mais jovens só podem trabalhar em certos tipos de trabalho e por períodos limitados. Aos dezesseis anos, os adolescentes que trabalham na agricultura podem desempenhar tarefas consideradas pela Secretaria de Trabalho dos EUA "particularmente perigosas", enquanto adolescentes em todos os outros setores precisam completar dezoito anos antes de estarem aptos a realizarem trabalhos perigosos.
Durante anos, meus colegas da Human Rights Watch e outros defensores dos direitos das crianças nos EUA pressionaram pela aprovação de um projeto de lei no Congresso que garantisse às crianças e adolescentes do setor agrícola as mesmas proteções dos outros setores, mas o projeto nunca chegou a ser votado.
Em 2011, o Departamento do Trabalho dos EUA estabeleceu regras que atualizariam a lista de ocupações perigosas proibidas para os adolescentes menores de dezesseis anos que trabalham na agricultura – lista esta que já está há décadas sem alterações – incluindo a proibição de qualquer trabalho no cultivo do tabaco. A proposta foi retirada depois de atrair a oposição de grupos influentes do setor agrícola.
Proibir que adolescentes menores de dezoito anos trabalhem em um cultivo tão tóxico quanto o de tabaco pode não parecer uma ideia radical. Na maior parte do país, é necessário ser maior de dezoito para comprar um maço de cigarros legalmente; a Califórnia e a cidade de Nova Iorque aumentaram esta idade para vinte e um anos.
Ainda assim, no mesmo dia em que publicamos nosso relatório, em maio de 2014, o porta-voz de uma empresa de tabaco foi citado pela Associated Press por sua declaração de que proibir crianças de trabalharem no cultivo do tabaco "iria realmente contra muitas práticas atuais nos EUA, e contrariaria comunidades onde a agricultura familiar é um modo de vida".
Desde a publicação de nosso relatório, algumas empresas e associações de produtores de tabaco têm adotado novas políticas quanto ao emprego de trabalho infantil, ou reforçado aquelas já existentes. Hoje, a maioria das grandes empresas da indústria de tabaco nos EUA concordam que adolescentes menores de dezesseis anos não devem trabalhar no cultivo do tabaco. Este é um passo importante, mas jovens de dezesseis e dezessete anos continuam realizando tarefas que podem prejudicar sua saúde.
O governo americano tem se mostrado relutante em rever a questão da regulamentação. Em abril, projetos de lei foram apresentados no Senado e na Câmara sobre a proibição de adolescentes menores de dezoito anos de executarem trabalhos perigosos nas plantações de tabaco dos EUA. No entanto, as perspectivas de mudança legislativa no atual Congresso não são muito animadoras.
Com apenas mudanças incrementais sendo feitas rumo à eliminação do trabalho infantil no cultivo do tabaco nos EUA, é promissor ver que produtores de tabaco no Brasil – que cresceram trabalhando no cultivo – já pensam diferente a respeito do trabalho infantil. Os EUA deveriam considerar o exemplo de seu vizinho do sul.