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(Santo Domingo) – Dezenas de milhares de dominicanos de ascendência haitiana permanecem em um limbo jurídico, incapazes de exercer seus direitos básicos, declarou a Human Rights Watch em um relatório publicado hoje. A situação permanece sem solução, apesar dos esforços do governo em remediá-la.

O relatório de 43 páginas, intitulado “Somos Dominicanos: a Arbitrária Privação de Nacionalidade na República Dominicana” (em espanhol, “Somos dominicanos: Privación arbitraria de la nacionalidad en la República Dominicana”), documenta centenas de casos, ocorridos em 13 províncias em todo o país. A Human Rights Watch verificou que os dominicanos descendentes de haitianos ainda não conseguem acessar serviços públicos e exercer direitos básicos como o registro de nascimento, matrículas em escolas e universidades, participar da economia formal ou viajar pelo país sem risco de expulsão.

"A República Dominicana está negando o direito à nacionalidade a dezenas de milhares de cidadãos e, apesar de sinais confusos por parte do governo, as pessoas estão sendo detidas e despejadas do outro lado da fronteira", disse José Miguel Vivanco, diretor da Human Rights Watch para as Américas. "O governo precisa parar imediatamente de expulsar dominicanos de ascendência haitiana e passar a garantir-lhes direitos".

A Human Rights Watch conduziu pesquisas na República Dominicana entre os meses de fevereiro e maio de 2015, entrevistando mais de 100 vítimas, líderes comunitários, especialistas na legislação, autoridades do governo e representantes de organizações locais de defesa dos direitos humanos. Documentou mais de 60 casos nos quais dominicanos descendentes de haitianos foram arbitrariamente detidos. Alguns deles foram, inclusive, levados à força para o Haiti, apesar de possuírem documentos dominicanos válidos. A Human Rights Watch também verificou centenas de casos nos quais dominicanos de ascendência haitiana são impedidos de exercer plenamente seus direitos como cidadãos dominicanos.

 
A República Dominicana está negando o direito à nacionalidade a dezenas de milhares de cidadãos e, apesar de sinais confusos por parte do governo, as pessoas estão sendo detidas e despejadas do outro lado da fronteira. O governo precisa parar imediatamente de expulsar dominicanos de ascendência haitiana e passar a garantir-lhes direitos.
José Miguel Vivanco, diretor para as Américas

Em 2013, o Tribunal Constitucional Dominicano, a mais alta corte do país em matéria constitucional, revogou sumariamente a nacionalidade de dezenas de milhares de dominicanos, baseando-se em uma reinterpretação retroativa da lei de nacionalidade do país. A corte decidiu que, embora a Constituição garanta que a cidadania dominicana é um direito de todos os nascidos no país entre 1929 e 2010, filhos de pessoas que se encontravam na República Dominicana na condição de imigrantes sem documentação à data de seu nascimento não estariam cobertos por esta proteção constitucional, não sendo, portanto, considerados cidadãos. Esta decisão violou direito internacional e colocou milhares de pessoas sob risco de expulsão.

Em 2014, o governo do presidente Danilo Medina tentou mitigar os efeitos da decisão da corte por meio de uma "Lei de Naturalização", com o objetivo de remediar a situação. No entanto, a lei trazia diversos problemas intrínsecos de elaboração e implementação que acabaram por prejudicar o processo de renacionalização.

No caso dos dominicanos descendentes de haitianos cuja cidadania já havia sido inclusive reconhecida pelo governo, a Human Rights Watch verificou que as agências governamentais responsáveis pelos registros civis têm se recusado devolver-lhes seus documentos originais de nacionalidade. Em vez disso, os funcionários começaram a separar os casos de pessoas afetadas pela decisão de 2013 em registros civis completamente novos. Este processo, que está sendo chamado de transcrição, é desnecessário, cria uma enorme quantidade de trabalho extra para as autoridades governamentais e está causando atrasos que impedem milhares de pessoas de exercerem plenamente seus direitos como cidadãos.

Além disso, autoridades militares e de imigração têm repetidamente identificado, detido e expulsado cidadãos dominicanos de ascendência haitiana, mesmo quando os mesmos possuem documentos dominicanos válidos.

No caso dos dominicanos que não puderam ainda obter seu registro junto ao governo, a Human Rights Watch apurou que muitos, a maioria crianças, estão sendo forçados a se registrarem como "estrangeiros" para então se naturalizarem dominicanos, em uma violação de seus direitos. Exigências documentais onerosas fizeram com que muitos fossem sumariamente impedidos de se registrarem, especialmente levando-se em conta o curto prazo de 180 dias dado para adequação à nova lei.

Este processo parece haver afetado, de forma desproporcional, crianças cujas mães não possuem documentos de identidade e que não conseguiram obtê-los antes do prazo final em fevereiro. Além disso, autoridades militares e de imigração têm perseguido, detido e expulsado pessoas que tentavam obter a documentação.

Para complicar ainda mais o cumprimento da Lei de Naturalização, desde 2014 o governo dominicano tem conduzido um plano de "regularização" para imigrantes haitianos sem documentos, que foram à República Dominicana para trabalhar. O governo dominicano ofereceu aos imigrantes uma oportunidade para que eles obtenham vistos temporários de trabalho. Embora tal esforço seja louvável, o processo também foi prejudicado por muitas falhas de estrutura e execução.

O governo dominicano deve restaurar imediatamente a plena cidadania de todos os afetados pela decisão de 2013, além de garantir sua proteção contra expulsões para o Haiti. O governo também deve desenvolver procedimentos de deportação consistentes com os padrões internacionais, examinando e julgando individualmente o caso de cada indivíduo sujeito a ser legalmente deportado, preservando a unidade familiar.

"Durante o último ano, o governo do presidente Medina tem tomado algumas medidas para solucionar a situação das dezenas de milhares de dominicanos de ascendência haitiana", disse Vivanco. "Apesar dos esforços de naturalização do governo terem sido positivos, a administração precisa interromper as expulsões em massa e as ameaças enquanto o processo é regularizado".

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