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Má idéia para a sociedade

Ser julgado como um adulto tão somente, sem mesmo levar em conta o efeito do encarceramento, já pode gerar efeitos negativos profundos para adolescentes

Publicado em: O Globo

Luiz é um dos adolescentes que seriam julgados como adultos se estivesse hoje em vigor a emenda constitucional que pretende reduzir a maioridade penal, a ser votada hoje na Câmara dos Deputados. Cresceu em um orfanato onde sua mãe o abandonou, em uma cidade perto de São Paulo. Morava na rua quando foi preso em janeiro por tráfico de drogas. Luiz, que tem 17 anos, disse que iniciou seu vício em maconha logo no primeiro “trago”. “Fui usando, usando, aí as mágoas que tinha dentro de mim foram saindo cada vez mais”, ele me disse.

Ele tem dificuldade em articular e expressar seus pensamentos. Funcionários do centro socioeducativo onde está internado acreditam que Luiz tenha uma deficiência intelectual. Lá, Frequenta aulas de educação especial.

Até o momento, o Brasil tem respeitado as normas internacionais de direitos humanos incluídas em diversos tratados que ratificou, exigindo que adolescentes como Luiz sejam responsabilizados por violar a lei, mas sob um regime de regras especiais para crianças e adolescentes. A norma internacional estabelece que menores de 18 anos não devem ser julgados como adultos. Vários organismos de direitos humanos da ONU e a Corte Interamericana de Direitos Humanos têm reafirmado essa norma internacional, com base no melhor interesse da criança.

Mas a evidência mostra que a adesão a esta norma é também no melhor interesse da sociedade como um todo.

Respeitar o direito de Luiz de ser julgado como o adolescente que é, e não como adulto, é o caminho mais provável para afastá-lo do crime. Os Estados Unidos oferecem dados sobre esta questão, porque lá cada estado tem práticas diferentes, cujos resultados podem ser comparados. Vários estudos mostram que adolescentes julgados como adultos são mais propensos a cometer crimes depois que liberados. Os especialistas concluem que tratar adolescentes como adultos é contraproducente como estratégia para reduzir a criminalidade.

A emenda diz que os jovens de 16 e 17 anos condenados por tráfico de droga e crimes graves seriam mantidos “em estabelecimentos separados” de adultos, mas não esclarece se eles estariam em alas especiais dentro de prisões ou de centros socioeducativos, ou em novos centros de detenção. Uma vez que completarem 18 anos, adolescentes seriam encarcerados com a população geral da prisão. Atualmente, as pessoas que infringem a lei antes de completar 18 anos podem permanecer em centros socioeducativos até os 21 anos.

A experiência de ser julgado como um adulto tão somente, sem mesmo levar em conta o efeito do encarceramento, já pode gerar efeitos negativos profundos para adolescentes, e também para a sociedade. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que a reincidência é maior entre os adolescentes processados como adultos, mesmo nas situações em que não houve condenação.

No Brasil, em flagrante violação das normas internacionais, detentos adultos rotineiramente esperam meses para ver um juiz pela primeira vez após a sua detenção. Alguns nem mesmo conhecem o defensor público que supostamente lhes defende e milhares permanecem atrás das grades após cumprir a pena. Este é o sistema penal no qual os adolescentes seriam jogados.

As unidades socioeducativas têm muitas falhas, mas elas potencialmente oferecem uma melhor chance de reabilitação que as prisões. As unidades são obrigadas a fornecer programas educativos e tratamento para dependência química para todos os adolescentes internados. A grande maioria dos detentos nos presídios não tem acesso a este tipo de programa.

Luiz disse que gosta do centro socioeducativo onde ele está internado porque tem comida. Ainda assim, ele quer ser liberado para viver com um irmão. “Eu agora penso em sair dessa vida, e dar valor às minhas família (sic) que eu tenho”.

 

Cesar Muñoz Acebes é pesquisador sênior da Human Rights Watch no Brasil

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