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(Nova Iorque) – Os governos de todo o mundo devem implementar imediatamente uma nova recomendação da Organização Mundial da Saúde das Nações Unidas (OMS) para pôr fim aos "testes de virgindade" degradantes, discriminatórios e sem base científica a que são submetidas mulheres e meninas, declarou hoje a Human Rights Watch.

A recomendação, incluída num manual da OMS de novembro de 2014, intitulado "Cuidados com a saúde de mulheres submetidas à violência pelo parceiro íntimo ou violência sexual", declara que os profissionais de saúde jamais devem aplicar "testes de virgindade". O manual enfatiza o respeito pelo conforto e pelos direitos das mulheres, deixando claro que qualquer exame físico só deve ser conduzido com o consentimento esclarecido da paciente, e deve ser focado em determinar a natureza dos cuidados médicos necessários. A recomendação conclui que os invasivos e degradantes "testes de virgindade" ou "teste dos dois dedos" - ainda em uso em alguns países com o fim de "provar" que uma mulher ou menina é virgem - não possuem "nenhuma validade científica".

"O manual da OMS reforça a visão amplamente aceita pela comunidade médica de que os 'testes de virgindade' são inúteis", disse Liesl Gerntholtz, diretora para os direitos das mulheres na Human Rights Watch. “As autoridades de saúde em todo o mundo devem pôr fim à prática dos 'testes de virgindade' em todas as ocasiões, além de proibir que profissionais de saúde de perpetuem esta prática discriminatória e degradante.”

Embora o manual da OMS trate dos cuidados médicos necessários após a violência sexual e violência doméstica, ele possui relevância mais ampla em outras instâncias nas quais os "testes de virgindade" são usados, disse a Human Rights Watch. Entre elas estão a discriminação durante a contratação profissional e processos legais contra a prática do sexo consensual entre adultos, fora do matrimônio.

O uso dos "testes de virgindade" tem sido documentado em vários países em todo o mundo, declarou a Human Rights Watch. No Afeganistão, por exemplo, autoridades rotineiramente submetem mulheres e meninas acusadas de “crimes morais” como “fugir de casa”, zina (sexo consensual fora do matrimônio) e tentativa de zina, a “testes de virgindade”. Mulheres acusadas destes crimes estão normalmente fugindo da violência doméstica, incluindo o casamento forçado.

Este procedimento inaceitável pode ainda ser conduzido por duas ou três vezes na mesma mulher por conta de políticas ou erros burocráticos, sendo em alguns casos imposto sobre mulheres acusadas de outros crimes, como roubos e assaltos. Os resultados desses "testes de virgindade" podem ter grande influência junto aos juízes, contribuindo para muitas condenações equivocadas. Sobreviventes de estupros frequentemente escolhem não denunciar o crime ou buscar ajuda por conta do risco de serem processadas por zina, uma acusação que algumas autoridades acreditam poder ser corroborada por meio dos "testes de virgindade".

"Os 'testes de virgindade' são uma forma de violência e discriminação de gênero", disse Gerntholtz. "As autoridades aplicam este 'teste' degradante e sem base científica ainda que o histórico sexual de uma mulher não tenha absolutamente nenhuma influência sobre suas qualificações para um emprego ou para determinar se ela foi estuprada".

No Oriente Médio e no norte da África, as mulheres podem ser submetidas aos "testes de virgindade" em várias circunstâncias, incluindo a pedido de suas famílias. Ao final de 2011, no Egito, várias manifestantes que haviam sido detidas testemunharam que um médico militar as submeteu a um "teste de virgindade". Uma corte administrativa egípcia determinou que conduzir testes de virgindade em mulheres detidas era "um ato ilegal, uma violação dos direitos das mulheres e um atentado à sua dignidade". No entanto, em março de 2012, o único oficial militar processado no julgamento dos "testes de virgindade" foi absolvido. Apesar da determinação da corte, a prática ilegal ainda é usada em instalações de detenção egípcias. A Líbia e a Jordânia também têm usado esses “testes”.

Na Indonésia, a polícia nacional incorpora os "testes de virgindade" como parte dos procedimentos de recrutamento de candidatas, apesar de policiais mais graduadas terem questionado e exigido que o teste seja banido. Projetos para aplicar "testes de virgindade" à meninas em idade escolar na Indonésia também têm sido repetidamente propostos.

Em 2014, o Ministério da Saúde indiano emitiu um novo protocolo de cuidados médicos pós-estupro, clarificando que os profissionais de saúde que tratam ou examinam sobreviventes de estupros não devem conduzir o teste dos dois dedos. No entanto, o protocolo ainda não foi colocado em prática, sistematicamente, em todo o país.

Os "testes de virgindade" têm sido internacionalmente reconhecidos como uma violação dos direitos humanos, em particular sob a proibição contra "tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes", descrita no artigo 7 da Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e no artigo 16 da Convenção contra a Tortura, ambas ratificadas por muitos países.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU, o órgão especializado internacional que monitora a conformidade com o pacto, declarou em um Comentário Geral que o objetivo do artigo 7 é "proteger a tanto a dignidade quanto a integridade física e mental dos indivíduos". O artigo 7 se refere não apenas a atos que causam dor física, mas também a atos que causem sofrimento mental à vítima. Os "testes de virgindade" forçados comprometem a dignidade das mulheres e violam sua integridade física e mental.

A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e outros tratados de direitos humanos proíbem a discriminação contra as mulheres. Os "testes de virgindade" constituem discriminação contra as mulheres, uma vez que têm o efeito ou propósito de negar às mulheres seus direitos de igualdade em relação aos homens.

"Preconceitos e estereótipos negativos contra mulheres e meninas são enganosamente identificados como medicina científica por muitos médicos que acreditam erroneamente poder determinar a virgindade de uma mulher", disse Gerntholtz. "Os governos e médicos devem seguir o manual da OMS para garantir que sua conduta seja ética, respeitando a privacidade e dignidade das mulheres, e adotando medidas para educar seus pares a acabar com os lastimáveis 'testes de virgindade'".

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