Excelentíssimo Senhor Doutor Geraldo Alckmin, Digníssimo Governador do Estado de São Paulo
Palácio dos Bandeirantes
Av. Morumbi, 4500
CEP: 05650-000
São Paulo – SP
Brasil
Excelentíssimo Senhor Doutor Márcio Fernando Elias Rosa, Digníssimo Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo
Rua Riachuelo, 115
CEP: 01007-904
São Paulo – SP
Brasil
Excelentíssimos Senhores,
Escrevemos para compartilhar as nossas preocupações em relação aos obstáculos existentes para a responsabilização de policiais que cometem execuções extrajudiciais no Estado de São Paulo. No relatório de 2009, “Força Letal: Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo”, a Human Rights Watch constatou como os esforços legítimos para inibir a criminalidade foram prejudicados por policiais que forjavam “resistências seguidas de morte” e alteravam as cenas dos crimes para minar o trabalho de perícia.
Desde então, examinamos minuciosamente a documentação de uma série de casos de mortes causadas por ação policial no Estado e realizamos entrevistas com autoridades estaduais, promotores de justiça, policiais, especialistas em segurança pública, representantes de organizações da sociedade civil e familiares de vítimas. Analisamos também estatísticas relevantes, bem como o teor e a implementação de medidas tomadas pelo governo do Estado de São Paulo para impedir abusos policiais.
É digno de mérito notar que as estatísticas oficiais do Estado apontam para uma redução na taxa de homicídios de 63% no Estado e 80% na capital desde 2000.[1]Observamos, ainda, uma redução de aproximadamente 34% nas mortes causadas por ação policial durante os primeiros seis meses de 2013 em comparação com o mesmo período em 2012.[2]Entretanto, a média de mortes por policiais no Estado no primeiro semestre de 2013 permaneceu elevada: seis mortes por semana.[3]
Outrossim, reconhecemos que o governo do Estado tem tomado providências relevantes para conter execuções extrajudiciais e o seu acobertamento por policiais como, por exemplo, a nova medida de janeiro de 2013 determinando que policiais envolvidos em confrontos acionem imediatamente a equipe do resgate SAMU ou o serviço local de emergência, em vez de eles próprios transportarem as vítimas para hospitais. Saudamos, também, as reiteradas declarações de autoridades estaduais condenando abusos policiais e assegurando a punição dos oficiais que os cometem.
Considerando que policiais corriqueiramente enfrentam sérias ameaças de violência, há, incontestavelmente, um certo número de mortes decorrentes de intervenção policial resultantes do uso legítimo da força. De acordo com o direito interno e internacional, agentes de segurança somente podem intencionalmente fazer uso da força letal em casos de legítima defesa própria ou de terceiros, quando estritamente necessário para proteger a vida.[4]No entanto, as informações analisadas pela Human Rights Watch sugerem que apesar da queda no total de mortes causadas por ação policial no Estado e de iniciativas importantes implementadas pelo governo, falsos registros de ocorrências policiais e outras formas de acobertamento são problemas sérios no Estado.
Se as novas medidas adotadas pelo governo do Estado forem rigorosamente implementadas em sua totalidade e complementadas por processos criminais efetivos em casos de execução extrajudicial, acreditamos que poderão refrear o abuso policial. E isso, por sua vez, contribuirá para a profissionalização das forças policiais e para a segurança pública no Estado.
Resistências Forjadas
Execuções extrajudiciais registradas como mortes resultantes do uso legítimo da força permanecem um problema grave, de acordo com diversos agentes do sistema de justiça. Desde julho de 2012, a Human Rights Watch examinou 22 casos de morte em decorrência de intervenção policial entre 2010 e 2012 nos quais as provas disponíveis lançam sérias dúvidas sobre o uso legítimo da força letal. Ao estudar esses casos, entrevistamos promotores, defensores públicos e familiares de vítimas, e analisamos inquéritos policiais, laudos necroscópicos e registros hospitalares.
Em novembro de 2011, por exemplo, a polícia relatou ter atirado contra dois menores de idade, Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, em legítima defesa, em São Bernardo do Campo. Contudo, três testemunhasinformaram em depoimentos formais à Ouvidoria da Polícia do Estado que os menores não estavam armados e que os policiais atiraram contra os meninos sem que tivessem sido provocados. Em seguida, de acordo com uma das testemunhas, policiais “jogaram” os menores dentro de uma viatura policial, enquanto um deles implorava por sua vida. Outra testemunha que depôs no Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), relatou que quando ele chegou à cena do crime, Silva pediu para que “ligasse para sua mãe e para o pessoal da vila dizendo que [policiais] iriam matá-lo”. O laudo necroscópicode Silva mostra cinco ferimentos de arma de fogo, inclusive uma bala nas costas que lesionou o seu pulmão esquerdo. O inquérito policial sobre as mortes ainda não foi concluído.
Mais recentemente, em julho de 2012, César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva foram mortos a tiros em São Paulo por policiais que registraram duas “resistências seguida de morte” e os levaram para o Hospital Municipal Antônio Giglio. Testemunhas, entretanto, deram depoimentos de que não houve troca de tiros e um policial disparou tiros no ar enquanto chamava o Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM). Uma das testemunhas declarou que Oliveira foi colocado numa viatura policial ferido na perna e suplicando por sua vida. Quando ele chegou ao hospital, tinha sido alvejado por dois tiros no peito, segundo o seu laudo necroscópico.
As mortes causadas pelo 1oBatalhão da Tropa de Choque, Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA) suscitam uma particular preocupação.[5]Em 2010, 2011 e 2012, a ROTA matou 247 pessoas e feriu outras 12 em resistências seguidas de morte ou de lesão corporal no Estado.[6]O número elevado de pessoas mortas e o fato que nenhum soldado da ROTA em serviço foi morto nesses episódios, lançam dúvidas sobre o uso efetivo de armas não letais por seus soldados e a real necessidade do uso de força letal em todos as instancias.
Em um caso, a ROTA relatou seis resistências seguidas de morte após uma “intensa troca de tiros” em um supermercado em Taipas, em agosto de 2011. Entretanto, um vídeo de uma câmera de segurança do supermercado apontada para o depósito onde o suposto tiroteio ocorreu foi desviada pelos policiais. Fotografias dos seis suspeitos mortos indicam que a maior parte dos tiros atingiu as suas cabeças, costas e pescoços, de acordo com o jornal Folha de São Paulo.[7]
Em outro episódio, um policial da ROTA relatou ter atirado em Caio Bruno Paiva numa ocorrência de resistência no Itaim Paulista, em novembro de 2011. Novamente uma testemunha declarou em depoimento formal à Ouvidoria da Polícia que o policial atirou em Paiva à queima-roupa enquanto ele declarava sua inocência. Outras testemunhas disseram à imprensa que o policial atirou no ar enquanto chamava o COPOM, outro exemplo no qual as evidências sugerem que um policial teria forjado um tiroteio.
Falsos Socorros e Outras Formas de Acobertamento Policial
Além de indícios de falsos relatos de resistência, há também indicações que policiais por vezes participam de outras formas de acobertamento, de acordo com agentes do sistema de justiça e os casos analisados recentemente pela Human Rights Watch.
Uma técnica de acobertamento de homicídios cometidos por policiais é o falso socorro: policiais levariam os cadáveres de suas vítimas a hospitais sob o falso pretexto de resgatá-las, destruindo provas essenciais e prejudicando a perícia. Em 20 dos 22 casos de resistência analisados pela Human Rights Watch, as provas estudadas sugerem que policiais removeram as vítimas das cenas do crime e as levaram a hospitais alegadamente para socorrê-las. Nenhuma dessas vítimas sobreviveu. Além disso, as roupas das vítimas não foram preservadas em alguns casos, o que pode ter prejudicado a perícia.
Um caso relevante envolveu a morte de Dileone Aquino no cemitério em Ferraz de Vasconcelos, em março de 2011. A polícia alegou que Aquino era suspeito de ter roubado um carro, foi ferido num tiroteio após uma perseguição e que os policiais o levaram ao hospital para que recebesse primeiros socorros. Contudo, uma testemunha relatou ao COPOM que viu o policial arrastar Aquino de uma viatura policial e atirar nele à queima-roupa. Quando essa testemunha perguntou a um dos policiais se ele havia atirado em Aquino, o policial alegou que estava “socorrendo o rapaz”. O Boletim de Ocorrência declara que Aquino “foi prontamente atendido mas não resistiu” e “não se vislumbrou qualquer irregularidade no ato, não restando qualquer dúvida quanto a ação ter sido legal.” Os dois policiais envolvidos foram absolvidos das acusações de homicídio qualificado no dia 23 de maio de 2013, mas o Promotor de Justiça informou que pretende recorrer.
A Human Rights Watch obteve os registros hospitalares e laudos necroscópicos das vítimas em 12 das 22 mortes em decorrência de intervenção policial recentemente analisadas. Em 11 casos, as roupas das vítimas haviam sido removidas e descartadas antes de seus corpos serem levados ao Instituto Médico Legal (IML) para análise. Com base nesses registros, não é possível determinar se as roupas foram descartadas antes do corpo da vítima ser levado ao hospital, durante o transporte ou após a sua chegada ao estabelecimento de saúde (talvez pelo próprio staff). Não obstante, a falha em preservar as roupas das vítimas priva os peritos de provas potencialmente importantes.
Peritos e delegados informaram a Human Rights Watch que os resíduos de pólvora nas roupas de pessoas atingidas por projéteis de armas de fogo podem indicar se os tiros foram dados à queima-roupa (de uma distância inferior a 50 centímetros). Eles também relataram desconhecer um protocolo ou diretriz para assegurar que hospitais e o Instituto Médico Legal preservem as vestes de vítimas de confronto policial para a perícia. De fato, em uma carta de setembro de 2012 para o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, um Diretor Técnico do Instituto Médico Legal relatou que embora nem sempre o cadáver chegue às dependências do Instituto Médico Legal com roupas, “as vestimentas que acompanham os corpos são descritas pelo médico legista no corpo do laudo necroscópico, e após isso são descartadas, pois encontram-se sujas ou já deterioradas.”[8]
Além disso, a Human Rights Watch analisou relatos sugerindo que policiais teriam introduzido armas nas cenas do crime após execuções extrajudiciais.No exemplo mencionado acima, de dois menores mortos pela polícia em São Bernardo do Campo em novembro de 2011, uma testemunha relatouem depoimento formal à Ouvidoria da Polícia que viu um policial “colocar uma luva cirúrgica e retirar do porta-malas da Blazer duas armas de fogo”, e que policiais que compareceram ao local “recolheram as cápsulas” da rua. No caso de César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, mortos a tiros por policiais em 1 de julho de 2012, o Promotor de Justiça constatou que os policiais “inseriram três armas de fogo [na cena do crime], que teriam sido utilizadas pelas vítimas.”
Avanços
O ex-Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Fernando Grella Vieira (atual Secretário da Segurança Pública do Estado), implantou uma medida importante em junho de 2010 quando ampliou o mandato do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo das Atividades Policiais (GECEP) do Ministério Público, para incluir, entre outras atividades, receber informações sobre supostos abusos praticados por policiais militares, e “proceder ao registro no banco de dados da Instituição e à análise das ocorrências sobre possível prática de delitos por agentes do Estado.”[9]Antes, a norma constitutiva do GECEP somente previa a sua atuação em casos de irregularidades ou infrações penais praticadas pela polícia judiciária. A criação de tais grupos no Ministério Público do Estado para analisar sistematicamente e liderar investigações sobre casos de resistência foi uma das recomendações centrais do nosso relatório de 2009, Força Letal.
Os promotores do GECEP têm colaborado com delegados de polícia para garantir que todas as delegacias da capital tenham infraestrutura adequada e equipe suficiente. E, de fato, em muitos casos de suspeita de abusos, o GECEP garantiu que inquéritos fossem instaurados e que provas importantes fossem preservadas. O grupo também elaborou diretrizes detalhadas para a investigação adequada de casos de resistência seguida de morte.[10]Por exemplo, de acordo com as diretrizes, delegados devem priorizar os registros de vídeo das áreas onde ocorreram as trocas de tiro, bem como os registros de áudio das chamadas de telefones celulares e viaturas dos policiais envolvidos.
Contudo, os promotores do GECEP não podem atuar em juízo em casos de abuso policial sem a anuência do promotor natural e a designação do Procurador-Geral de Justiça, e carecem de recursos e pessoal para investigar integralmente todos os homicídios supostamente cometidos por policias na capital. O grupo não conta com investigadores e assessores suficientes para conduzir pesquisa e análise de campo essenciais. Além disso, embora o Ato Normativo No. 324 de 2003 que o instituiu tenha originalmente estabelecido a designação de seis promotores, o GECEP atualmente conta com apenas três. Até o momento, o GECEP não processou criminalmente nenhum policial por homicídio ou fraude processual.[11]
Além disso, problemas na notificação de mortes por policiais no Estado minam a capacidade do Ministério Publico de acompanhar minuciosamente as investigações. A lei prevê o livre ingresso de procuradores e promotores às delegacias de polícia e o acesso a quaisquer documentos relacionados às atividades policiais, incluindo investigações de casos de mortes decorrentes de intervenções policiais.[12]Contudo, promotores estaduais em São Paulo geralmente são notificados de mortes decorrentes de ação policial somente após o prazo de 30 dias estabelecido pelo Código Penal Brasileiro.[13]Segundo vários promotores entrevistados pela Human Rights Watch, na esmagadora maioria dos casos eles somente tomam conhecimento de mortes por policiais semanas depois dos fatos, quando provas importantes já se perderam ou foram comprometidas. Como consequência, os promotores geralmente dependem totalmente das investigações realizadas pela polícia judiciária, por vezes frágeis.
Numa iniciativa importante, o ex-Ouvidor da Polícia do Estado estabeleceu uma parceria com a Procuradoria-Geral de Justiça em 2008, pela qual o Ouvidor fornecia avisos a respeito de resistências seguidas de morte suspeitas e o Procurador-Geral encaminhava esses casos a promotores para investigação e acompanhamento imediato.[14]Enquanto vigente, essa parceria reduziu os atrasos nas notificações em alguns episódios, porém a grande maioria de promotores estaduais continuou tomando conhecimento sobre possíveis abusos policiais tarde demais para direcionar as investigações. A parceria foi encerrada em fevereiro deste ano, não havendo até o momento sinais de que será renovada, de acordo com um servidor da Ouvidoria.
Em outro avanço, a Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo editou uma nova medida que trata também de confrontos policiais no dia 7 de janeiro de 2013. A Resolução SSP-05 estabelece que nas ocorrências policiais relativas a homicídio, inclusive as decorrentes de intervenção policial, os policiais que primeiro atenderem a ocorrência deverão acionar, imediatamente, a equipe do resgate SAMU ou serviço local de emergência; comunicar, de pronto, ao COPOM ou Centro de Comunicações e Operações da Policia Civil (CEPOL), conforme o caso; e preservar o local até a chegada da perícia, isolando-o e zelando para que nada seja alterado, especialmente, os cadáveres.[15]Por sua vez, assim que a Superintendência da Polícia Técnico-Cientifica tomar conhecimento de mortes por policiais, peritos deverão se dirigir imediatamente ao local, e autoridades policiais deverão utilizar o termo “morte decorrente de intervenção policial” em vez de “resistência seguida de morte” ou “auto de resistência”.
Nos dias seguintes à adoção da Resolução, alguns críticos argumentaram que policiais têm o dever de prestar assistência a pessoas baleadas, e que o não cumprimento desse dever caracterizaria uma omissão de socorro criminosa. Entretanto, de acordo com os promotores e especialistas de segurança pública entrevistados pela Human Rights Watch, o policial que acionar imediatamente o SAMU ou outro serviço de emergência estará cumprindo seu dever e não poderá ser punido. Além disso, a nova medida está em conformidade com a prática em casos de acidentes de trânsito: policiais fornecem, no máximo, os primeiros socorros em casos de ferimentos graves, porém não removem as vítimas dos locais antes da chegada de profissionais médicos.
Críticos da Resolução também alegaram que os policiais estariam em melhores condições de transportar rapidamente as vítimas de confronto policial para o hospital a fim de salvar vidas. Entretanto, o histórico da corporação em salvar a vida de pessoas atingidas em confrontos em 2012 deixou a desejar. A Human Rights Watch analisou todos os boletins de ocorrência do DHPP relativos a resistências seguidas de morte registradas na capital no ano de 2012.[16]Em 317 ocorrências de resistência entre 02 de janeiro e 31 de dezembro de 2012, envolvendo policiais civis e militares, em serviço ou de folga, a polícia transportou 379 pessoas para os hospitais. Entre elas, 360 (ou aproximadamente 95%) foram a óbito.
Em 14 de maio de 2013, um juiz de primeiro grau do Estado de São Paulo em decisão liminar suspendeu parcialmente os efeitos concretos da Resolução, argumentando que a preservação do local, com vistas à investigação criminal, é “valor secundário relativamente ao direito à vida.”[17]No entanto, no dia seguinte, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu os efeitos da liminar concedida, para garantir a implementação integral da Resolução enquanto perdurasse o questionamento judicial. A decisão do Tribunal ressaltou que a Resolução não proíbe a polícia de resgatar as vítimas quando não estiverem disponíveis os serviços de emergência médica, e destacou a redução da letalidade nas ocorrências do Estado a partir da sua entrada em vigor.
Em 16 de maio de 2013, o comando da Polícia Militar de São Paulo revisou o Procedimento Operacional Padrão (POP) que regulamentou a Resolução, para determinar que policiais podem remover as vítimas de confrontos da cena do crime em duas circunstâncias: na ausência de serviços de saúde de emergência e com a autorização expressa do COPOM nos casos em que o tempo previsto de resposta dos serviços de emergência “não for adequado para a situação”. O Procedimento também ressalta que a polícia não deve remover as vítimas da cena do crime se houver “sinais de morte evidentes” e deve tomar todas as medidas necessárias para preservar as provas forenses.
O juiz de primeiro grau que inicialmente suspendeu a aplicação de parte da Resolução arquivou o caso no dia 4 de junho de 2013. Como resultado, a Resolução está em pleno vigor.
Recomendações
Uma das formas mais eficazes de se tratar o sério problema dos falsos registros de ocorrência e impedir futuras violações é assegurar a responsabilização de policiais infratores. E um elemento central para a responsabilização é a condução de investigações céleres e imparciais. Para tanto, instamos o governo e o Ministério Público do Estado de São Paulo a tomarem as seguintes medidas concretas:
Polícia Militar
- Garantir que policiais militares envolvidos em confrontos preservem adequadamente os locais e notifiquem imediatamente as autoridades indicadas, conforme a Resolução SSP-05 e com o Procedimento Operacional Padrão (POP) de 16 de maio de 2013. Policiais que desobedecerem a Resolução SSP-05 e removerem as vítimas em circunstâncias não explicitamente previstas devem ser devidamente punidos.
Polícia Judiciária
- Assegurar que delegados investiguem integralmente suspeitas de homicídios cometidos por policiais com observância das diretrizes do Grupo de Atuação Especial de Controle Externo das Atividades Policiais (GECEP) do Ministério Público do Estado de São Paulo.
- Colaborar com o Ministério Público do Estado para criar um sistema de notificação formal e que abranja todo o Estado, pelo qual todos os promotores, incluindo os promotores do GECEP, sejam notificados imediatamente de mortes decorrentes de intervenção policial em sua jurisdição imediatamente após sua ocorrência.
Polícia Científica e Autoridades de Saúde Pública
- Editar protocolo para que hospitais e o Instituto Médico Legal assegurem a salvaguarda e a análise de roupas de vítimas de confrontos policiais. Equipes médicas devem ser treinadas para preservar provas para perícia.
Ministério Público Estadual
- Estimular promotores estaduais a monitorarem rigorosamente as investigações realizadas pela polícia judiciáriade mortes causadas em decorrência de intervenção policialimediatamente após a sua ocorrência.
- Equipar o GECEP com pessoal e recursos suficientes para que seja possível o monitoramento minucioso dos inquéritos sobre mortes decorrentes de intervenção policial e a análise dos padrões de abuso (em especial, a identificação dos batalhões com antecedentes de violações dos direitos humanos).
- Criar uma equipe especial de investigadores que respondam exclusivamente aos promotores do GECEP, e que, juntamente com os promotores, tenha acesso irrestrito a inquéritos policiais sobre mortes decorrentes de intervenção policial.
- Assegurar que denúncias sejam efetivamente apresentadas nos casos em que as investigações conduzidas ou monitoradas pelo GECEP levantem provas suficientes de ilegalidade na conduta policial.
Mais uma vez, reiteramos o apoio da Human Rights Watch aos esforços do governo e do Ministério Publico do Estado de São Paulo para melhorar o desempenho das forças policiais paulistas. Acreditamos que a implementação das medidas mencionadas acima, a fim de garantir que policiais que cometam crimes sejam responsabilizados, contribuirão para a profissionalização das polícias do Estado e a melhoria da segurança pública.
Receba nossos votos de mais alta estima e consideração e nos colocamos a disposição para o que estiver ao nosso alcance.
Atenciosamente,
José Miguel Vivanco
Com cópia para:
Fernando Grella Vieira, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo
Fernando Haddad, Prefeito da Cidade de São Paulo
Giovanni Guido Cerri, Secretário de Saúde do Estado de São Paulo
José de Filippi Junior, Secretário de Saúde da Cidade de São Paulo
Luiz Maurício Souza Blazeck, Delegado-Geral da Polícia Civil do Estado de São Paulo
Nestor Sampaio Penteado Filho, Corregedor da Polícia Civil do Estado de São Paulo
Roberto Meira, Comandante Geral da Polícia Militar de São Paulo
Rogério Sottili, Secretário de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo
Rui Conegundes de Souza, Corregedor da Polícia Militar do Estado de São Paulo
[1]“Mapa da Violência 2012: Os Novos Padrões da Violência Homicida no Brasil”, Instituto Sangari, http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_web.pdf(acesso em 24 de julho de 2013).
[2]“Estatísticas Trimestrais,” Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/trimestrais.aspx(acesso em 25 de abril de 2013).
[3]Idem.
[4]Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, em Havana, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990, U.N. Doc.A/CONF.144/28/Rev.1 at 112 (1990); Código de Conduta das Nações Unidas para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado em 17 de dezembro de 1979, G.A. res. 34/169, anexo, 34 U.N. GAOR Supp. (No. 46) at 186, U.N. Doc. A/34/46 (1979); Portaria Interministerial No. 4.226, Ministério da Justiça e Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 31 de dezembro de 2010; Resolução 8/2012, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, 20 de dezembro de 2012. O Brasil tem a obrigação de evitar e punir as execuções extrajudiciais praticadas por sua força policial e as mortes produzidas pelo uso excessivo da força. A Força utilizada pelos policiais é considerada excessiva quando contravém os princípios da necessidade ou proporcionalidade absoluta.
[5]O Comando de Policiamento de Choque, uma divisão operacional especial da Polícia Militar do Estado, engloba as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA), responsável pelo policiamento motorizado em áreas de alto risco e ações de controle de distúrbios civis.
[6] "Monitoramento das Operações Letais Envolvendo Policiais Militares do Comando de Policiamento de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo", Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, 2 de janeiro de 2013. Cópia nos arquivos da Human Rights Watch.
[7]“ROTA é suspeita de emboscada para dar ‘recado’ a ladrões em SP”,Folha de São Paulo, 23 de agosto de 2011, http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/963926-rota-e-suspeita-de-emboscada-para-dar-recado-a-ladroes-em-sp.shtml(acesso em 22 de abril de 2013).
[8]Instituto Medico Legal, Ofício DTD. IML No. 1051/2012 para o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, 17 de setembro de 2012. Cópia nos arquivos da Human Rights Watch.
[9]Ato Normativo 650/2010-PGJ-CPJ, Ministério Público do Estado de São Paulo, 18 de junho de 2010 http://biblioteca.mp.sp.gov.br/PHL_IMG/Atos/650.pdf(acesso em 22 de abril de 2013).
[10] Comissão de Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial – Grupo de Trabalho: Combate a Grupos de Extermínio, Autos de Resistência e Execuções Sumárias, "13 pontos que toda investigação de auto de resistência deve ter,” 27 de maio de 2012, http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/Fotos/13%20pontos%20-%20cnmp.pdf(acesso em 12 de abril de 2013). Os 13 pontos são: “1) identificação completa de todos os envolvidos com CPF e telefones celulares; 2) localização e oitiva de familiares da vítima; 3) fotografias do cadáver pelo IML; é recomendável a realização de Procedimento Operacional Padrão do Ministério Público com IC e IML visando a melhoria da qualidade dos laudos; 4) juntada de FA de todos os envolvidos na ocorrência; 5) cópia ou certidão do HARDCOPY(Policial Militar - programa de registro das ocorrências - COPOM) ; 6) comprovação de consulta à Sistema de Processamento de Dados (para o agente operador do Copom) com relação a nome ou RG do morto, mencionando qual senha foi utilizada; 7) certidão do oficial armeiro sobre carga da arma; 8) oficio à DPC sobre registro de arma ao RG (arma particular) ou Certidão do Prontuário no Batalhão se existe menção de arma particular; 9) identificação de telefones celulares e telefones/rádio NEXTEL usados pelos Policiais envolvidos na ação, registrados em seu nome junto ao Batalhão;10) cópia do relatório Comando de Força Patrulha – “CFP” e Cópia do relatório Comando de Grupo Patrulha – ”CGP”; 11) Cópia do RSM – Relatório do Serviço Motorizado; 12) em casos de “confronto” deverá da Autoridade Investigante providenciar dentro do prazo de trinta dias da data da ocorrência do fato investigado a juntada nos autos do registro de áudio das comunicações feitas entre as viaturas participantes da ação (entre si) e entre o órgão que as despacha ao local (COPOM e CEPOL); 13) O Promotor de Justiça do Controle Externo da Atividade Policial buscará a comprovação da existência da ocorrência policial de forma rápida, preferencialmente por meio eletrônico, agilizando o início da colheita da prova.”
[11]A Human Rights Watch verificou que os promotores do GECEP apresentaram 36 denúncias entre 2004 e 2011 pelos crimes de formação de quadrilha, extorsão, estelionato, abuso de autoridade, escuta ilegal, invasão de domicilio, e corrupção, entre outros. A pesquisa foi realizada no Fórum Criminal Mario Guimaraes em São Paulo em dezembro de 2012.
[12]Lei Complementar No. 75, Art. 9, Presidência da República, 20 de maio de 1993, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm(acesso em 15 de julho de 2013); Lei Complementar No. 734, Art. 103, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 26 de novembro de 1993, http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/estrutura/734.htm(acesso em 15 de julho de 2013).
[13]Código de Processo Penal (Lei 3.689), Presidência da República, 3 de outubro de 1941, http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm(acesso em 1 de abril de 2013). De acordo com o Artigo 10 do Código de Processo Penal, os investigadores de polícia devem concluir suas investigações e enviá-las ao promotor designado dentro de 10 dias nos casos em que os policiais envolvidos nos assassinatos foram detidos em caráter preventivo. Se os policiais envolvidos nos assassinatos não foram detidos, os investigadores têm o prazo de 30 dias, por lei, para concluir suas investigações e enviar um relatório final ao promotor designado.
[14]Termo de Cooperação entre a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e a Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, Procuradoria-Geral de Justiça e Ouvidoria da Policia, 26 de fevereiro de 2008. Cópia nos arquivos da Human Rights Watch.
[15]Resolução SSP-05/2013, Ministério Público do Estado de São Paulo, 7 de janeiro de 2013, http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2013/janeiro_2013/2013%2001%2016%20Resolu%C3%A7%C3%A3o%205%202013%20D.O.E_0.doc (acesso em 29 de fevereiro de 2013).
[16]A Human Rights Watch obteve os Boletins de Ocorrência do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP) de resistências seguidas de morte ocorridas na capital em 2012 por meio do repórter do Diário de São Paulo, Álvaro Magalhaes.
[17]Processo 0015107-71.2013.8.26.0053, 4aVara de Fazenda Publica, 14 de maio de 2013. A decisão do juiz Marco Pimentel Tamassia suspendeu o Artigo I, parágrafo 3 da Resolução SSP-05.