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Christine Lagarde
Diretora-Geral [Para outros destinatários: Diretor(a) Executivo(a)]
Fundo Monetário Internacional
700 19th Street, NW
Washington, D.C. 20431

Com respeito a: Reunião de 28 de março do Conselho de Administração sobre Angola

Exma. Sra. Dra. Christine Lagarde,

Escrevemos-lhe em nome da Human Rights Watch e do Revenue Watch Institute para exortar o Conselho de Administração do Fundo Monetário Internacional (FMI) a reter os últimos 130 milhões de dólares desembolsados ao governo de Angola ao abrigo do Acordo Stand-By de 2009 até que as importantes questões pendentes relacionadas com transparência e a utilização dos fundos possam ser devidamente abordadas.Acreditamos firmemente que, à luz das atuais circunstâncias, o desembolso da última tranche enviaria a mensagem de que o FMI está disposto a conceder um financiamento substancial ao governo de Angola apesar de este não ter prestado as devidas contas por dezenas de milhares de milhões de dólares em fundos públicos.

A Human Rights Watch e o Revenue Watch Institute estão profundamente preocupados com a divulgação, incluída no relatório de dezembro de 2011 do FMI, de uma discrepância de 32 mil milhões de dólares nas contas públicas angolanas entre 2007 e 2010, equivalente a um quarto do produto interno bruto nacional.Chamamos a atenção para o facto de o Acordo Stand-By do FMI com o governo de Angola para o financiamento de 1,4 mil milhões de dólares coincidiu, em parte, com o período em que o governo foi incapaz de fazer o devido rastreio dos fundos públicos.

A incapacidade ou falta de vontade do governo de Angola para prestar as devidas contas sobre estes fundos, e para fazê-lo de forma totalmente transparente, requer uma resposta firme da parte do FMI.Urgimos o FMI a adiar o seu último desembolso ao abrigo desse acordo até que seja possível comprovar que o governo angolano:

  • Divulgou de forma clara e adequada e com um grau de pormenor significativo, tanto ao FMI como à população angolana, como e para que fim utilizou os 32 mil milhões de dólares em questão;
  • Explicou por que razão aparentemente contornou os devidos processos de supervisão financeira quando gastou estes fundos e demonstrou que, mesmo assim, as despesas eram apropriadas e no interesse público; e
  • Implementou salvaguardas fundamentais para combater a corrupção e a má gestão, nomeadamente pondo termo a todas as “operações parafiscais” (receitas e despesas extraorçamentais) da empresa petrolífera estatal, a Sonangol, e fornecendo um relato abrangente e retroativo das suas atividades financeiras e operacionais extraorçamentais, bem como reforçando e impondo de forma eficiente medidas destinadas a proibir conflitos de interesse entre funcionários do governo;

A avaliação do desempenho de Angola realizada pelos funcionários do FMI identificou vários motivos de preocupação.Além da recém descoberta discrepância de 32 mil milhões de dólares, há vários anos que os relatórios do FMI sublinham a existência de graves problemas ao nível das práticas contabilísticas do governo angolano, as amplas operações parafiscais da Sonangol, os gastos reduzidos com despesas de carácter social e os indicadores de desenvolvimento extremamente baixos deste país rico em petróleo.Estes problemas fundamentais persistem ano após ano, mesmo tendo havido progressos da parte do governo em outras áreas.

Apesar de o governo angolano auferir elevadas receitas do petróleo, os indicadores de desenvolvimento continuam extremamente baixos e o acesso a serviços de carácter social é limitado. O país ocupa a 148ª posição entre 187 nações no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas e a 168ª posição em 182 países no Índice de Perceção da Corrupção de 2011 da Transparência Internacional.

Estamos cientes de que, nos últimos anos, o governo angolano adotou variadas medidas destinadas a melhorar a transparência e a gestão do seu sector petrolífero, muitas das quais impingidas pelo programa do FMI. Reconhecemos que a lacuna de 32 mil milhões de dólares na contabilidade foi detetada graças à monitorização melhorada da Sonangol, possibilitada pela reforma legal de 2010, e que o governo de Angola está a investigar ativamente esta discrepância.Também valorizamos o facto de o governo ter abordado esta questão publicamente em janeiro de 2012, após repetidos pedidos para que o fizesse.No entanto, as explicações que apresentou até à data não explicam devidamente a discrepância e não comprovam que as práticas de gestão das finanças públicas angolanas tenham definitivamente e irreversivelmente mudado para melhor.

Em particular, as explicações provisórias apresentadas pelo governo de Angola para a discrepância de 32 mil milhões de dólares nas contas públicas, divulgadas pelo FMI no relatório de dezembro de 2011, não são convincentes.Por exemplo:

  • Subdeclaração de receitas.Uma explicação é a Sonangol não ter revelado a totalidade dos fundos que recebe, que já é uma preocupação de longa data.Para abordar (embora de forma parcial) esta questão, o governo de Angola comprometeu-se a entregar um relatório ao FMI que cruzaria informação orçamental com dados sobre os fundos recebidos da Sonangol até à altura da sexta avaliação, prestes a ter lugar.Este documento ainda não foi tornado público e, por isso, não nos encontramos em posição de tecer comentários sobre o mesmo.No entanto, gostaríamos de salientar que as auditorias publicadas da Sonangol incluíam uma declaração de exoneração de responsabilidade do auditor sobre a qualidade dos dados.
  • Transferências para contas no estrangeiro.Outra explicação dada pelo governo de Angola é que vários milhares de milhões de dólares foram transferidos para contas de garantia no estrangeiro, criadas para ajudar a garantir empréstimos externos, que são pagos com fundos petrolíferos da Sonangol.No entanto, os fundos transferidos para o estrangeiro excediam largamente o valor total dos pagamentos devidos pelo governo de Angola.O governo não explicou por que razão estas transferências para o estrangeiro foram superiores ao valor em dívida.
  • Operações parafiscais.O governo de Angola realçou que a Sonangol levou a cabo despesas consideráveis em nome do governo que não foram devidamente documentadas nas contas orçamentais.Disse, por exemplo, que um projeto de habitação social de grande dimensão foi financiado pela Sonangol utilizando receitas petrolíferas.A maioria das operações parafiscais da Sonangol deve ser eliminada gradualmente até ao final deste ano, de acordo com um decreto governamental recente, mas o FMI ainda não comprovou até que ponto este decreto está a ser implementado na prática.

Além disso, face ao potencial que as operações extraorçamentais têm de alimentar a corrupção, sublinhamos que as despesas por documentar da Sonangol relacionadas com um grande complexo habitacional estiveram associadas a uma controvérsia pública sobre o possível envolvimento de conflitos de interesse.Relatos recentes, em particular os artigos do respeitado jornalista de investigação angolano Rafael Marques de Morais e a newsletter mensal “Africa-Asia Confidential”, alegam que o então Presidente do Conselho de Administração da Sonangol e atual Ministro de Estado e da Coordenação Económica, Manuel Vicente, possa ter feito negócio consigo mesmo (self-dealing).De acordo com estes relatos, a Sonangol superintende um complexo habitacional de grande dimensãotendo contratado uma empresa de que Manuel Vicente é alegadamente coproprietário para vender os apartamentos.(As alegações de que altos funcionários do governo angolano celebraram negócios privados em áreas ligadas às suas obrigações públicas também atraiu a atenção das autoridades norte-americanas, que estão a investigar a alegada ligação de uma empresa norte-americana a Manuel Vicente e a outros funcionários do governo de Angola através de uma parceria local num contrato petrolífero.)

À luz das importantes questões que rodeiam a utilização dos fundos públicos angolanos e da falta de explicações públicas adequadas da parte do governo, exortamos vivamente o conselho de administração a adiar o desembolso de mais fundos a Angola na sua reunião de 28 de março. Esta decisão enviaria a importante mensagem ao governo de Angola de que não pode esperar receber 130 milhões de dólares do FMI sem ter prestado as devidas contas sobre como gastou milhares de milhões de dólares de fundos públicos. 

Muito obrigado pela sua consideração.

Os melhores cumprimentos,
Arvind Ganesan
Diretor
Programa de Negócios e Direitos Humanos
Human Rights Watch

Karin Lissakers
Presidente
The Revenue Watch Institute

Cc:       Sr. Naoyuki Shinohara, Subdirector-Geral
            Sr. Mauro Mecagni, Chefe da Missão do FMI em Angola 

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