(Nova Iorque) - As eleições legislativas de 5 de Setembro de 2008, cuja vitória é atribuída ao MPLA, partido no poder, foram realizadas sob numerosas irregularidades, disse hoje a Human Rights Watch. Os resultados preliminares indicam que o MPLA venceu as eleições, as primeiras desde 1992, com mais de 80 por cento dos votos.
Os principais problemas identificados pela Human Rights Watch incluem a obstrução, pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), do credenciamento dos observadores nacionais; a sua falta de resposta à parcialidade dos órgãos de informação a favor do partido no poder; e, a longa demora, por parte do governo angolano, em conceder os financiamentos devidos aos partidos políticos da oposição. As provas obtidas pela Human Rights Watch, sobre esses três principais problemas - observadores, parcialidade dos mídia e financiamento por parte do Estado - sugerem que o pleito eleitoral não respeitou, em áreas fundamentais, os Princípios e Directrizes Reguladores de Eleições Democráticas da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
Os principais problemas identificados pela Human Rights Watch incluem a obstrução, pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), do credenciamento dos observadores nacionais; a sua falta de resposta à parcialidade dos órgãos de informação a favor do partido no poder; e, a longa demora, por parte do governo angolano, em conceder os financiamentos devidos aos partidos políticos da oposição. As provas obtidas pela Human Rights Watch, sobre esses três principais problemas - observadores, parcialidade dos mídia e financiamento por parte do Estado - sugerem que o pleito eleitoral não respeitou, em áreas fundamentais, os Princípios e Directrizes Reguladores de Eleições Democráticas da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
"Com a realização das eleições presidenciais, previstas para 2009, Angola precisa de reformar a Comissão Nacional Eleitoral, de modo a que esta não seja dominada pelo partido no poder e possa efectivamente responder aos problemas eleitorais", afirmou a directora para África da Human Rights Watch, Georgette Gagnon. "Caso a CNE não seja reformada, poderá acentuar-se o risco dos angolanos e dos parceiros internacionais perderem a confiança no incipiente processo democrático que o país experimenta".
A Human Rights Watch e os observadores eleitorais internacionais constataram que o dia da votação e o período da campanha eleitoral decorreram, de um modo geral, em ambiente pacífico. Todos os partidos políticos afirmam ter tido protecção efectiva da Polícia Nacional, na realização dos seus comícios. Todavia, em Cabinda, a província rica em petróleo onde um movimento separatista continua activo, os observadores internacionais informaram a Human Rights Watch que a situação de segurança frágil os impediu de estender a sua missão em toda a extensão da província. Também se registaram alguns incidentes nos antigos bastiões do principal partido da oposição, a UNITA, nas áreas rurais do Huambo e Benguela.
"A provisão de segurança adequada para os partidos políticos é apenas um dos critérios para a realização de eleições livres, justas e transparentes", disse Gagnon. Segundo a directora para África da Human Rights Watch, "a liberdade de expressão, o acesso igual aos mídia, o financiamento transparente dos partidos políticos, e a sua monitoria independente são igualmente fundamentais".
Credenciamento aos observadores nacionais recusado
A Human Rights Watch tomou nota da obstrução oficial ao credenciamento dos observadores eleitorais nacionais. A Plataforma Eleitoral da Sociedade Civil, uma coligação de organizações da sociedade civil, havia treinado 2,640 observadores em todo o país, mas apenas 1,300 foram credenciados para cobertura nacional. Para cobertura em Luanda, a CNE apenas credenciou 28 observadores da Plataforma Eleitoral da Sociedade Civil, quando esta havia solicitado o credenciamento de 370. A decisão de credenciar um número tão reduzido foi anunciado na televisão estatal (TPA), apenas 12 horas antes do início oficial da votação. Esses observadores nacionais teriam um conhecimento melhor do contexto local em relação aos observadores internacionais, que chegaram ao país pouco tempo antes do dia das eleições.
Por sua vez, associações da sociedade civil, patrocinadas pelo governo, receberam os seus credenciamentos sem problemas de maior. Com excepção da Ordem dos Advogados de Angola, nenhuma destas organizações emitiu algum criticismo, nas suas declarações públicas, sobre a conduta das eleições.
De acordo com a lei e os regulamentos de observação eleitoral, o processo de credenciamento é da responsabilidade das Comissões Provinciais Eleitorais. Contudo, em Luanda, essa missão foi transferida, à última hora, para a Comissão Nacional Eleitoral, tendo esta, por sua vez, remetido o processo a uma estrutura até então desconhecida, o Gabinete de Observação, ligada ao Ministério das Relações Exteriores.
Os órgãos de comunicação social estatais reportaram que a maioria dos pedidos de acreditação da Plataforma Eleitoral em Luanda foram recusados porque 95 por cento dos documentos que apresentava, para acompanhamento do expediente, eram "falsos".
A Plataforma refutou tal acusação e numa declaração emitida no dia das eleições manifestou "a sua profunda preocupação que a Comissão [Nacional Eleitoral] deliberadamente limitou os candidatos na província de Luanda, que reúne cerca de um terço de todos os eleitores Angolanos, impedindo a verificação imparcial e independente do processo e minando a confiança no mesmo."
Um dos líderes da Plataforma Eleitoral garantiu, à Human Rights Watch, ter havido "indicações de interferência política durante a última semana antecedente à votação. A CNE perdeu o controlo administrativo, logístico, legal e político do processo eleitoral. Essas falhas minaram a credibilidade da CNE." A Human Rights Watch já havia manifestado previamente a sua preocupação face ao facto de oito dos 11 membros da CNE serem, efectivamente, nomeados pelo MPLA.
"As irregularidades no processo de acreditação levantam sérias preocupações sobre se o governo, de forma intencional, obstruiu a observação independente das eleições em Luanda", disse Gagnon.
Caos no dia de voto
As assembleias de voto, em Luanda, registaram problemas graves com a distribuição tardia de boletins de voto, o que obrigou a CNE a estender a votação para o dia seguinte. A CNE admitiu que 320 assembleias de voto em Luanda não foram abertas no dia 5 de Setembro, porque não tinham boletins de voto. Os observadores da União Europeia (UE) constataram que, contrário às indicações da CNE, apenas 22 das referidas assembleias de voto funcionaram no dia seguinte. Isso causou maior confusão e preveniu um grande número de eleitores de exercer o seu direito de voto. Os observadores da União Europeia notaram que "a aderência aos procedimentos não melhorou".
Um observador da Ordem dos Advogados de Angola referiu à Human Rights Watch que "a questão é determinar se a desorganização evidenciada em Luanda - e em menor grau, também noutras partes do país - foi resultado de força maior, se foi negligência ou simplesmente intencional".
À data, não tem sido possível determinar quantas pessoas foram impedidas de votar. Um dos muitos eleitores que enviou mensagens de texto à Rádio Ecclésia, a 5 de Setembro, reportou "a desorganização total aqui no Golfe II [um bairro de Luanda]. As assembleias de voto não têm boletins de voto desde o meio dia".
Os observadores da UE e do Parlamento Pan-Africano também notaram que os registos eleitorais nem sempre estavam disponíveis nas assembleias de voto, e que quando estes estivessem, os agentes eleitorais não os usavam para conferir os nomes dos eleitores, conforme exigências da lei eleitoral. Isso comprometeu um dos requerimentos legais destinados a garantir que as pessoas não votem mais de uma vez.
"O governo deve estabelecer um inquérito independente para investigar porquê faltaram boletins de voto, quantas pessoas foram prevenidas de votar e porquê os registos eleitorais não se encontravam disponíveis no dia da votação", disse Gagnon. Os obstáculos reais vividos pelos eleitores em Luanda realçam as consequências resultantes da existência de um órgão eleitoral dominado pelo partido no poder".
Atrasos no financiamento do Estado e abuso dos fundos públicos
De acordo com a Lei Eleitoral de Angola, todos os partidos políticos certificados para concorrer às eleições devem receber fundos do estado, para a sua campanha eleitoral, a partir de 90 dias antes do dia da votação. Na realidade, os partidos políticos apenas receberam os fundos após o início da campanha eleitoral, a 5 de Agosto. Um activista da oposição na província da Huíla, disse à Human Rights Watch: "O dinheiro tem sido um problema sério. Estamos a tentar gerir graças ao entusiasmo dos nossos apoiantes".
Em contraste, o MPLA apresentou-se com fundos ilimitados à sua disposição. A Human Rights Watch acompanhou os noticiários da televisão pública (TPA) que regularmente mostrava actos do MPLA nos quais esse partido oferecia motorizadas, televisores, geleiras aos sobas, bem como materiais agrícolas e sacos de sementes aos aldeães. A Human Rights Watch viu camiões de distribuição de água - um bem caro em Angola - e de sementes a exibir bandeiras do MPLA. Em Cabinda, Human Rights Watch soube que o governo provincial distribuiu carros aos líderes sindicais, reconhecidos como apoiantes do MPLA, assim como ofereceu dinheiro às igrejas em troca da realização de eventos de campanha nos locais de culto.
Ao mesmo tempo, vários actos patrocinados pelo governo foram usados como propaganda partidária. Quando o Presidente da República, José Eduardo dos Santos - que acumula as funções de presidente do MPLA com as de chefe de Estado - visitou várias capitais provinciais para inaugurar projectos de desenvolvimento urbano, esses eventos foram transformados em comícios do MPLA. Os partidos da oposição e organizações não-governamentais criticaram o abuso do MPLA, na apropriação de recursos do estado para financiar a sua campanha, mas a CNE não respondeu a tais críticas.
"O financiamento oficial dos partidos políticos deveria ter garantido maior equidade na concorrência, mas os atrasos resultaram em sérias dificuldades para a oposição", disse Gagnon. "O governo deve tomar medidas para assegurar que os fundos do Estado, devidos aos partidos, seja pago a tempo antes das eleições de 2009".
Controlo dos mídia estatais pelo partido no poder
A exigência da Lei Eleitoral referente à provisão de igual tempo de antena a cada partido político, para promoção das suas campanhas, antes dos noticiários principais na televisão pública e rádio nacional (RNA) foi respeitado. Por sua vez, os órgãos estatais cobriram as campanhas de todos os partidos políticos. Contudo, a Human Rights Watch e outros observadores notaram o tempo de antena disproporcional dedicado à campanha do MPLA, durante os noticiários. Por exemplo, em diversas ocasiões, a Televisão Pública de Angola (TPA) elogiou o governo pela reconstrução das infrastruturas do país, ao mesmo tempo atribuindo a destruição das mesmas ao principal partido da oposição, a UNITA, durante os 26 anos de guerra civil em Angola.
A 3 de Setembro, no último dia da campanha eleitoral, a TPA emitiu imagens de uma mulher a chorar, enquanto lembrava quanto sofreu por causa da UNITA durante a guerra. A mulher também acusou o actual presidente da UNITA, Isaías Samakuva, de mentiroso por este afirmar que a UNITA havia mudado desde o fim da guerra. Essa peça não tinha qualquer relação evidente com as notícias actuais e parecem ter sido transmitida com o propósito expresso de desacreditar a UNITA.
Um jornalista da TPA disse à Human Rights Watch que "o MPLA, de facto, tomou de assalto a mídia estatal. Isso já nada tem a ver com comunicação social".
"A provisão de igual tempo de antena a todos os partidos políticos tornou-se irrelevante devido ao claro favorecimento dedicado ao partido no poder, nos noticiários da rádio e televisão públicas", afirmou Gagnon. No entanto, continuou, "A CNE não interveio no sentido de pôr termo ao tratamento preferencial reservado ao MPLA pela mídia estatal".
Violência política e intimidação
A Human Rights Watch documentou um clima de intimidação nos meses antecedentes ao início da campanha eleitoral. Durante a campanha, os esforços da Polícia Nacional em garantir maior segurança aos partidos da oposição, e a presença dos observadores internacionais contribuiram para a diminuição do número de incidentes violentos. No entanto, a Human Rights Watch mantém a sua preocupação sobre alguns incidentes decorridos menos de três semanas antes das eleições.
Um responsável da UNITA disse à Human Rights Watch que, a 13 de Agosto, um grupo de homens usou paus e pedras para atacar os membros do seu partido, durante um encontro público em Kipeio (município do Ekunha), na província do Huambo. Uma mulher teve de ser hospitalizada, enquanto outros sofreram lesões menos graves. Fontes credíveis reafirmaram à Human Rights Watch que os atacantes prometeram mais retaliações: "Se a UNITA regressar, atacaremos novamente".
Os responsáveis da UNITA informaram à Human Rights Watch que, embora a polícia tenha intervindo prontamente, até ao momento, nem a Polícia Nacional nem as autoridades judiciais tomaram quaisquer medidas no sentido de levar os perpretadores à justiça.
Na província de Benguela, representantes da UNITA relataram como um grupo de jovens apedrejou membros da UNITA, a 23 de Agosto. Na aldeia de Chico da Waiti (comuna de Macambombolo, município do Balombo), um grupo considerável de jovens lançou pedras contra uma delegação de 40 membros da UNITA, que incluía dois deputados à Assembleia Nacional e um vice-governador provincial, ferindo oito pessoas e tendo danificado várias viaturas. A polícia, encarregue de escoltar a delegação, tinha removido troncos de árvores que bloqueavam a estrada para impedir a sua entrada na aldeia.
O comandante provincial da Polícia Nacional explicou a um jornalista local que não foi possível prender ninguém porque "era difícil identificar os perpetradores neste motim". Numa entrevista concedida ao jornalista cinco dias após o incidente e relatada à Human Rights Watch, o administrador comunal de Macambombolo disse: "Aqui não há intolerância política. As pessoas apenas estão contra a UNITA... Eu garanto a segurança dos observadores eleitorais da UNITA, mas não para a campanha eleitoral da UNITA". O jornalista indicou à Human Rights Watch, que se sentiu intimidado devido à apertada vigilância dos agentes da segurança de Estado, durante o seu trabalho.
"O governo angolano deve investigar todos os incidentes violentos relacionados com a campanha eleitoral e encaminhar os seus responsáveis à justiça", afirmou Gagnon. "Assegurar que não há impunidade para tais ataques é essencial para a realização de eleições presidenciais mais justas, no próximo ano".