A União Africana, as Nações Unidas e governos chave devem apoiar imediatamente as forças internacionais em Darfur e aumentar a pressão para que o Sudão interrompa o crescente número de ataques de milícias a civis em Darfur e no Chade, disse a Human Rights Watch hoje. Nos dias 16 e 18 de novembro, membros do Conselho de Segurança da ONU, países chave da União Africana e oficiais da ONU se encontrarão em Adis Abeba, na Etiópia, para discutir a deteriorante situação regional, além de propostas para apoiar a missão da União Africana em Darfur.
Desde o fim de outubro, a Human Rights Watch documentou diversos incidentes de bombardeamento aéreo indiscriminado contra civis no noroeste de Darfur e no Chade por forças do governo sudanês. A Human Rights Watch também coletou dezenas de testemunhos de sobreviventes de uma onda de ataques de milícias no Chade nas últimas semanas. Vítimas dos ataques de milícia no sudeste do Chade coerentemente afirmam que grupos de árabes nômades chadianos se armaram recentemente e são responsáveis por muitos dos ataques, que já mataram e feriram centenas de civis.
“Estamos vendo uma guerra regional contra civis, com grupos armados em ambos os lados da fronteira ativamente apoiados ou tolerados pelos governos sudanês e chadiano”, disse Peter Takirambudde, diretor da Divisão da África da Human Rights Watch. “Os encontros de alto nível na Etiópia devem produzir um plano claro de envio de tropas internacionais para proteger civis em Darfur e no Chade oriental. A força também deve monitorar e reforçar o embargo de armas em Darfur.”
Grupos de milícia chadianos atacaram dezenas de vilas no sudeste do Chade nos últimos 10 dias, matando várias centenas de civis, ferindo diversas pessoas e expulsando ao menos 10.000 pessoas de suas casas. Em uma onda de violência que está devastando áreas rurais, aldeões estão se defendendo com lanças e flechas envenenadas contra grupos de milícia de árabes nômades armados com armas automáticas. Há um padrão claro em que grupos de milícia árabe chadianos estão atacando aldeões não-árabes no sudeste do Chade.
Grupos de milícia atacaram 60 vilas chadianas separadas por centenas de quilômetros de terreno irregular em 4 e 5 de novembro e na semana seguinte. As milícias então saquearam as vilas, que foram esvaziadas de civis.
Em algumas ocasiões, as vilas são atacadas ou destruídas, mas não saqueadas, o que sugere que o motivo não é roubo, e que o nível de brutalidade está crescendo. A Human Rights Watch documentou diversos ataques em que membros de milícias mutilaram homens em sua custódia e deliberadamente queimaram mulheres até a morte.
“Incursões políticas e militares de Darfur estão inflamando tensões étnicas latentes no Chade,” disse Peter Takirambudde. “Os ataques generalizados no Chade sugerem que essas não são meras ocasiões de conflito espontâneo e localizado, mas podem ser parte de uma campanha coordenada por milícias chadianas para remover civis de áreas chave.”
As relações entre Chade e Sudão deterioraram drasticamente no último ano desde que o governo sudanês aumentou o apoio a grupos rebeldes chadianos baseados em Darfur. Rebeldes darfurianos também continuam a manter presença no Chade oriental, apesar de diversos acordos assinados por ambos os governos para acabar com o apoio a grupos insurgentes.
Enquanto a política do governo sudanês de recrutamento, armamento e apoio a milícias étnicas “Janjaweed” nos últimos três anos tem sido bem documentada pela Human Rights Watch e outras agências, não é claro se as milícias chadianas recém mobilizadas e armadas estão recebendo apoio de Cartum.
A Human Rights Watch fez um apelo à União Africana, a membros do Conselho de Segurança da ONU e a outros governos chave, incluindo Egito e Líbia, para garantir que toda força internacional enviada a Darfur e Chade tenha um mandado robusto para proteger civis e capacidade suficiente para impedir mais ataques. A Human Rights Watch também fez um apelo ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para ter uma sessão especial ou dedicar um dia inteiro de sua futura terceira sessão para lidar com a situação deteriorante em Darfur e no Chade.
“Uma força internacional fortalecida em Darfur e no Chade é o primeiro passo essencial para acabar com a violência”, disse Takirambudde. “Mas para ser efetiva, a força deve ter forte apoio internacional e ser acompanhada por pressão contínua em Cartum para que reverta seu apoio às milícias.”
Histórico dos ataques no sudeste do Chade
Ao menos três áreas diferentes do sudeste do Chade, todas localizadas perto da cidade de Goz Beida, um centro para operações de ajuda humanitária, experimentaram massivos ataques de milícias nas últimas duas semanas: Kerfi, ao sudeste de Goz Beida; Koloy, ao norte; e Bandikao, ao sul de Goz Beida.
Autoridades locais na área de Kerfi, ao sudeste de Goz Beida, relatam que 62 civis foram mortos na última semana em mais de uma dezena de vilas por nômades árabes que por anos viveram pacificamente na área, mas que retornaram no fim da estação chuvosa armados com armas automáticas e vestindo uniformes militares para atacar vilas não-árabes. Autoridades locais afirmam que esses grupos árabes chadianos estão recebendo apoio material e patrocínio de dentro do Sudão, mas eles não são capazes de fornecer evidência para suportar essa afirmação.
Ataques de milícias também aconteceram ao norte de Goz Beida, na área de Koloy, o mais recente em 12 de novembro. Koloy era, no começo deste ano, um lugar de ajuntamento principal para pessoas deslocadas internamente e fugindo da violência perto da fronteira, mas civis começaram a deixar Koloy após as vilas da vizinhança terem sido atacadas em maio. Milícias árabes atacaram Koloy diversas vezes na semana passada, inclusive em 12 de novembro. No dia 13 de novembro, civis tentando sair de Koloy foram perseguidos por homens armados, que os seguiram por oito quilômetros adentro da cidade de Adé.
Em Bandikao, uma vila a 90 quilômetros ao sul de Goz Beida, nômades árabes que passam pela área a cada ano no fim da estação chuvosa mataram 56 pessoas e feriram outras 41 em uma onda de violência que durou dois dias, começando em 4 de novembro. Apesar de já haver ocorrido violência entre fazendeiros residentes e nômades no passado, testemunhas contaram à Human Rights Watch que os ataques atuais são bem piores do que os dos anos anteriores.
Aldeões de Bandikao entrevistados pela Human Rights Watch em um hospital local disseram que o chefe da vila foi executado por homens de milícia, junto com dois outros, na tarde de 4 de novembro. Armados com arcos e flechas e machetes, homens da vila tentaram recuperar os corpos e foram emboscados e massacrados. Homens das vilas da redondeza armados com flechas envenenadas chegaram para batalhar com os nômades árabes, que os mataram com armas automáticas.
Muitos outros homens de Bandikao foram mortos tentando recuperar os corpos dos mortos e salvar os feridos. Muitos homens que foram feridos durante o dia mas que não puderam escapar do campo de batalha sangraram até a morte antes que pudessem receber cuidados médicos. Dos feridos que foram resgatados, sete morreram em conseqüência de seus ferimentos. Por causa da insegurança nas estradas, os feridos de Bandikao foram isolados de qualquer ajuda até 14 de novembro, quando forças armadas chadianas abriram uma estrada e levaram oito homens para o hospital local.
Testemunhos oculares dos ataques no sudeste do Chade
“O ataque a Koloy foi na terça-feira, 7 de novembro, às 11:45 da manhã. Eu estava em casa, e a Janjaweed veio para o campo. Eu saí e eles estavam atirando. Alguns usavam uniformes, outros estavam em roupas de civis, e alguns eram do Sudão. Eu vi alguém que eu conhecia durante o ataque – Hamid Bugdoum… Ele era um árabe chadiano. Eu o conhecia principalmente porque o via no mercado, a primeira vez talvez seis ou oito anos atrás. Nós bebíamos chá juntos. Depois ele foi embora, eu não sei quando, mas eu não o vi mais. E então eu o vi na terça-feira. Eu fiquei surpreso em vê-lo ali. Nós costumávamos ser próximos antes, mas agora o caráter dele mudou, ele é cúmplice de seu irmãos árabes, e se transformou em um Janjaweed.”
– Homem de 22 anos ferido no ataque a Koloy de 7 de novembro
“No sábado [4 de novembro] eles nos atacaram, e na terça-feira [7 de novembro], e ontem, sábado [11 de novembro]. Eles são uma mistura de chadianos e sudaneses. Os feridos se esconderam em árvores. Eu vi alguns vestindo um uniforme cáqui. São os mesmos árabes que mataram em Koloy. Os sudaneses, antes, eles vinham ao mercado em Koloy e Modoyna, então eu sei como eles são... Os árabes chadianos; alguns estavam conosco em Modoyna, depois eles se mudaram para o Sudão. Eu estava no campo, e ouvi tiros na vila. Eu vim para a vila e peguei meu cassetete. Levei um tiro no braço direito enquanto tentava escapar… Foi um total de seis mortos e oito feridos, inclusive duas mulheres... Eles ataram duas mulheres e as queimaram na casa delas – eles queriam roubar os cobertores e as mulheres imploraram para que não o fizessem. Dekya Dokosheh era uma dessas mulheres.”
– Homem de 21 anos ferido no ataque a Koloy de 7 de novembro
“Alguns dos feridos não estavam mortos. Os parentes deles foram resgatá-los e foram mortos. Eu fui buscar o corpo do chefe da vila. Ele era meu irmão. Ele foi morto às 13:00, e eu cheguei às 14:00. Eu vim com flechas. Nós somos fazendeiros, não temos armas automáticas. Os árabes estavam escondidos em árvores. Eles estavam atirando em tudo que se movesse. Eu vim com outros sete ou dez. Desses, Osman Abakar, Musa Adam e Musa Usman agora estão mortos. Eu e mais um fomos feridos. O resto escapou. Nos reagrupamos à noite. Eles vieram me buscar. Das 20:00 às 2:00 da manhã, os homens da vila tentaram recuperar os corpos dos mortos e salvar os feridos. Quarenta foram mortos à noite. Muitos dos homens que foram feridos durante o dia mas não puderam escapar do campo de batalha sangraram até a morte durante o dia e depois à noite. Dos feridos que resgatamos, sete morreram em seguida por causa de seus ferimentos. Um total de 40 foram enterrados fora da vila e 17 foram deixados para trás, ainda não enterrados. O chefe da vila foi enterrado, mas muitos morreram tentando recuperar seu corpo.”
– Um homem de 31 anos ferido em Bandikao