(São Paulo) – O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), deveria rejeitar uma proposta para reduzir um assentamento de caráter sustentável em uma área desmatada da Amazônia, afirmou hoje a Human Rights Watch. Se aprovada, a redução abriria caminho para a regularização de ocupações ilegais que estão causando desmatamento e violência contra pequenos agricultores, legítimos moradores do assentamento, escreveu a Human Rights Watch em uma carta dirigida hoje ao presidente da autarquia.
O INCRA está atualmente analisando uma proposta para reduzir a área do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Terra Nossa em aproximadamente metade do seu tamanho atual. Criado pelo INCRA expressamente para equilibrar a redistribuição de terras para pequenos agricultores com o manejo florestal sustentável, o PDS Terra Nossa se tornou um foco de ocupações ilegais de terras, desmatamento e violência devido a falhas na implementação completa do assentamento e na aplicação da lei.
“Reduzir o tamanho do Terra Nossa recompensaria com impunidade aqueles que ocupam ilegalmente as terras e poderia deixar moradores vulneráveis a mais violência”, disse Maria Laura Canineu, vice-diretora de meio ambiente e direitos humanos da Human Rights Watch. “O governo brasileiro deveria rejeitar publicamente qualquer redução do Terra Nossa, promover a retirada imediata daqueles que ocupam ilegalmente áreas dentro do assentamento e apoiar os meios de subsistência sustentáveis dos pequenos agricultores.”
Com uma extensão de 150.000 hectares nos municípios de Novo Progresso e Altamira, no sul do estado do Pará, o PDS Terra Nossa tem capacidade para assentar 1.000 famílias de pequenos agricultores, que cultivariam frutas e hortaliças em seus lotes individuais e desenvolveriam atividades econômicas sustentáveis na reserva legal coletiva, como a coleta de castanhas e frutas.
Essa proposta de redução do PDS Terra Nossa segue um processo de ocupações ilegais de terra, ameaças e violência contra seus moradores.
Apenas 298 lotes de terra para agricultura familiar foram demarcados, de acordo com um relatório do INCRA de 2018, o qual também identificou que 77 pessoas ocupavam ilegalmente 117.000 hectares, aproximadamente 80 por cento da área total do PDS Terra Nossa.
Os legítimos moradores do assentamento vivem com medo devido a atos de intimidação, ameaças e assassinatos, conforme documentado pela Human Rights Watch ao longo dos anos. Em um relatório publicado em 2019, a Human Right Watch documentou o assassinato de duas pessoas após elas terem manifestado a intenção de denunciar o desmatamento ilegal. Uma terceira pessoa desapareceu e os moradores acreditam que também foi assassinada. O irmão de uma das vítimas, que investigava o crime, também foi morto.
Os responsáveis pelas ocupações ilegais destruíram grandes áreas de floresta e converteram a maior parte delas em pastagens. O PDS Terra Nossa perdeu 7.700 hectares de floresta – 5 por cento de sua área total – entre 2021 e 2024, de acordo com o Mapbiomas.
Em 2023, incêndios criminosos destruíram as plantações e os meios de subsistência de pequenos agricultores do Terra Nossa, com o objetivo aparente de forçá-los a deixar o assentamento e transformar as terras incendiadas em fazendas de gado, segundo a Human Rights Watch.
De acordo com autoridades, moradores e documentos do INCRA, a proposta em análise reduziria o PDS Terra Nossa para 80.000 hectares, o que representaria uma redução de quase 50 por cento e desvirtuaria a finalidade ambiental do assentamento. Pelo menos 16.800 hectares ocupados ilegalmente estão incluídos na área que seria cortada do Terra Nossa, de acordo com documentos do INCRA. Essa medida poderia abrir caminho para que os responsáveis pelas ocupações ilegais de terras acabassem regularizando suas propriedades, o que seria impossível sem uma mudança na área do Terra Nossa.
Apesar da recomendação do relatório do INCRA para que a autarquia retomasse as áreas ocupadas ilegalmente, o INCRA ainda não promoveu a retirada dos responsáveis. Em março de 2025, o Ministério Público Federal ajuizou uma ação contra o INCRA exigindo que, em 60 dias, o órgão concluísse todos os procedimentos administrativos pendentes para avaliar a legitimidade das reivindicações de terras no Terra Nossa, notificasse as pessoas ocupando ilegalmente áreas do PDS para que deixassem as respectivas áreas e, caso não o fizessem, ajuizasse as ações de reintegração de posse correspondentes.
Em sua resposta, o INCRA informou ao tribunal que, até abril de 2025, havia concluído 37 dos 76 procedimentos administrativos relativos à ocupação ilegal de terras e os encaminhado à Procuradoria Federal Especializada, responsável por ajuizar as ações de reintegração de posse. Os 37 procedimentos representam quase 79.000 hectares, ou 52 por cento da área do PDS Terra Nossa.
A proposta em análise é a segunda tentativa de reduzir o PDS Terra Nossa. A primeira, em 2015, foi cancelada após uma recomendação do Ministério Público Federal apontar a falta de fundamentos legais ou técnicos. Se aprovada, a redução atual abriria um perigoso precedente para outros assentamentos que enfrentam pressões fundiárias semelhantes no Brasil.
“Rejeitar pública e inequivocamente a redução do Terra Nossa e retirar aqueles que ocupam ilegalmente as terras são medidas essenciais para proteger seus moradores legítimos e para proteger outros assentamentos em toda a Amazônia”, disse Canineu. “Ao fazer isso, o Brasil também enviará uma mensagem àqueles que ocupam ilegalmente as terras de que não podem agir impunemente.”