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Armas explosivas em áreas povoadas: Perguntas e respostas

Human Rights Watch e Clínica Internacional de Direitos Humanos da Faculdade de Direito de Harvard

O uso de armas explosivas em áreas povoadas causa imenso sofrimento a civis durante e após conflitos armados. A Declaração Política sobre a Proteção de Civis contra o Uso de Armas Explosivas em Áreas Povoadas, adotada em 2022, é o primeiro reconhecimento internacional formal das devastadoras consequências humanitárias dessa prática e da necessidade urgente de abordá-la. A Declaração compromete os Estados que a endossam a adotar medidas específicas para prevenir e reparar esses danos. Em 1º de fevereiro de 2025, 88 Estados haviam endossado a Declaração. Este documento de perguntas e respostas apresenta uma visão geral do uso de armas explosivas em áreas povoadas e seus efeitos, examina os compromissos e a importância da Declaração e discute medidas para promover sua universalização e implementação.

1) O que significa o uso de “armas explosivas em áreas povoadas”?
O uso de armas explosivas em áreas povoadas é uma das mais graves ameaças a civis nos conflitos armados contemporâneos. As armas explosivas abrangem uma série de armas convencionais lançadas por via aérea e disparadas da superfície, incluindo bombas de aeronaves, projéteis de artilharia, morteiros, foguetes e mísseis. Seu uso em áreas povoadas – cidades, vilas, aldeias e outras concentrações de civis – aumenta os riscos para civis e objetos civis. Os efeitos em área ampla e a imprecisão inerente de certas armas explosivas agravam muito as consequências humanitárias. Essa forma de guerra, também conhecida como bombardeio de áreas povoadas, causa dezenas de milhares de vítimas civis em todo o mundo a cada ano e deixa um legado de danos graves e de longo prazo.

2) Que tipos específicos de danos as armas explosivas causam quando usadas em áreas povoadas?

O bombardeio de áreas povoadas tem efeitos indiretos de longo prazo, ou “reverberantes”, sobre civis anos após o fim dos conflitos. Por exemplo, as armas explosivas danificam ou destroem infraestruturas civis essenciais, como usinas de energia, instalações de saúde e sistemas de água e saneamento, interferindo nos serviços básicos. Interrupções de serviços como assistência médica e educação, por sua vez, violam os direitos humanos.

O uso de armas explosivas em áreas povoadas também pode danificar ou destruir o meio ambiente e o patrimônio cultural. Os danos ambientais causam uma série de efeitos de curto e longo prazo à saúde humana, bem como danos à vida selvagem e aos ecossistemas. O bombardeio do patrimônio cultural levam à perda de uma parte valiosa da história, da cultura e da sociedade.

Todos os efeitos acima, combinados com o perigo de munições não detonadas e o medo de mais ataques com armas explosivas, frequentemente levam a deslocamentos generalizados.

3) O que são efeitos em “área ampla” e por que eles são um problema?

As consequências humanitárias de armas explosivas são previsíveis e exacerbadas quando elas espalham seus efeitos por uma área ampla. As armas explosivas podem produzir esses efeitos se tiverem um amplo raio de explosão ou fragmentação, se forem imprecisas ou lançarem várias munições de uma vez, ou se apresentarem uma combinação dessas características. Exemplos incluem certas armas lançadas por via aérea, artilharia de grande calibre, lançadores de foguetes de múltiplos canos e foguetes não guiados, além de morteiros e artilharia que disparam munições não guiadas.

4) Qual é o histórico da Declaração sobre a Proteção de Civis contra o Uso de Armas Explosivas em Áreas Povoadas e quem participou de seu processo?
Reconhecendo que o uso de armas explosivas em áreas povoadas durante conflitos armados causa imenso sofrimento a civis, Estados, sociedade civil e organizações internacionais trabalharam juntos para produzir a Declaração Política sobre a Proteção de Civis contra o Uso de Armas Explosivas em Áreas Povoadas. Em 2019, Áustria, Irlanda e outros países iniciaram um processo político que resultou na adoção da Declaração em junho de 2022. Em 18 de novembro de 2022, em Dublin, 83 países endossaram a Declaração.  Até 1º de fevereiro de 2025, outros cinco países aderiram à Declaração.[1] Os endossantes incluindo 28 estados-membros da OTAN e seis dos oito maiores exportadores de armas. 

A Rede Internacional sobre Armas Explosivas (INEW, na sigla em inglês), uma coalizão global da sociedade civil cofundada pela Human Rights Watch e outros grupos não governamentais em 2011, foi essencial para o desenvolvimento e a adoção da Declaração. A rede garantiu apoio à negociação da Declaração e, desde então, tem instado os Estados a aderirem a ela e a tomarem medidas para interpretá-la e implementá-la. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e as Nações Unidas também desempenharam um papel crucial para a adoção e implementação da Declaração.

5) Quais são os objetivos e os principais elementos da Declaração?

A introdução à seção operacional da Declaração (parte B) estabelece compromissos abrangentes que refletem seu objetivo multidimensional. A Declaração compromete os Estados a “fortalecer o cumprimento e melhorar a implementação do direito internacional humanitário aplicável”. Ela também deixa claro que a Declaração, embora não seja vinculante, vai além do direito internacional existente, comprometendo os Estados que a endossam a adotar medidas adicionais para promover ações humanitárias. Também destaca o “fortalecimento da proteção de civis” e o “enfrentamento das consequências humanitárias decorrentes de conflitos armados”. As medidas para atingir esses objetivos envolvem a prevenção e a reparação de danos causados por armas explosivas em áreas povoadas.

6) A Declaração é juridicamente vinculante e qual é o seu significado?
A Declaração não é um tratado e, portanto, não é juridicamente vinculante para os Estados que a endossaram. No entanto, assim como outras declarações políticas, a Declaração compromete os países que a endossaram a adotar as medidas acordadas. Esses compromissos têm um peso significativo porque podem ajudar a esclarecer a aplicabilidade do direito internacional existente a uma situação específica e a delinear padrões de conduta que vão além do direito existente. O direito internacional humanitário, e as leis da guerra, já proíbem ataques que tenham civis como alvo, sejam ataques indiscriminados por não distinguirem entre civis e alvos militares, ou que causem danos desproporcionais a civis em comparação com o ganho militar previsto. A Declaração reconhece que bombardeios em áreas povoadas aumentam o risco de ataques indiscriminados. Além de reiterar o dever de cumprir o direito internacional humanitário, os países que endossam a Declaração se comprometem a tomar medidas adicionais para fortalecer a proteção de civis contra o uso de armas explosivas em áreas povoadas.

7) Quais compromissos da Declaração buscam evitar danos a civis pelo uso de armas explosivas?
A Declaração convoca os países a adotarem “políticas e práticas que ajudem a evitar danos a civis, inclusive restringindo ou abstendo-se, conforme apropriado, do uso de armas explosivas em áreas povoadas, quando exista a possibilidade de que seu uso cause danos a civis ou objetos civis” (parágrafo 3.3). Para maximizar a proteção de civis contra bombardeios em áreas povoadas, os Estados deveriam entender essa disposição como significando que é “apropriado” que “se abstenham” do uso de armas explosivas com efeitos em área ampla em zonas povoadas, uma vez que os danos causados por essas armas sempre podem ser esperados. Os Estados deveriam “restringir” o uso de todas as outras armas explosivas em áreas povoadas.

Além disso, a Declaração compromete os países a “levar em consideração os efeitos diretos e indiretos sobre civis e objetos civis que possam ser razoavelmente previstos no planejamento de operações militares e na execução de ataques em áreas povoadas” (parágrafo 3.4). Os efeitos do uso de armas explosivas em áreas povoadas são previsíveis, uma vez que foram amplamente documentados em muitos conflitos armados recentes e reconhecidos na própria Declaração. Outras medidas que os Estados endossantes se comprometem a adotar incluem garantir “treinamento abrangente” para suas forças armadas e promover a Declaração, pedindo a outros Estados que endossem o documento e sigam suas normas (parágrafos 3.2, 4.8).

8) Quais são outras disposições importantes da Declaração?
A Declaração contém disposições reparatórias que se concentram em abordar as consequências humanitárias do uso de armas explosivas em áreas povoadas. Uma disposição de assistência às vítimas solicita que os Estados prestem assistência a indivíduos, famílias e comunidades afetadas com uma abordagem “holística, integrada, sensível ao gênero e não discriminatória” (parágrafo 4.5). Outra disposição estabelece o compromisso de “facilitar o acesso humanitário rápido, seguro e desimpedido a quem necessita” (parágrafo 4.4).

A Declaração incentiva a coleta e o compartilhamento de dados (parágrafos 1.8, 3.4, 4.2 e 4.3). As disposições exigem a avaliação dos danos causados por ataques em áreas povoadas, o intercâmbio de investigações de impacto humanitário com outros Estados e partes interessadas e a coleta, compartilhamento e disponibilização pública de “dados desagregados” sobre os “efeitos diretos e indiretos” do uso de armas explosivas em áreas povoadas.

Outra disposição estabelece a importância dos “esforços para registrar e rastrear vítimas civis” (parágrafo 1.8), e a Declaração torna a coleta de dados uma parte fundamental da política e da prática do Estado. A coleta de dados deveria abranger dados operacionais, bem como informações sobre danos diretos e indiretos a civis, e deveria ser compartilhada, exceto em situações muito específicas, para facilitar o aprendizado, monitoramento e responsabilização.

9) A Declaração proíbe completamente as armas explosivas ou busca acabar com a guerra urbana?

No entanto, a Declaração não é juridicamente vinculante e sua principal disposição não proíbe o uso de armas explosivas em áreas povoadas. Em vez disso, ela convoca os Estados a se comprometerem a limitar seu uso, “restringindo ou abstendo-se, conforme apropriado”, do uso de armas explosivas em áreas povoadas “quando se espera que seu uso cause danos a civis ou objetos civis” (parágrafo 3.3). Esse compromisso não tem como objetivo evitar todas as guerras urbanas, mas limitaria uma prática específica se houvesse um risco previsível de danos a civis ou a objetos civis, como frequentemente acontece. As restrições poderiam incluir medidas como a identificação de “zonas sem ataque” para determinados locais civis, exigindo um nível mais alto de aprovação e reservando mais tempo para considerar escolhas alternativas de armas.

10) Como a Declaração está sendo promovida para outros países e como os países podem endossá-la?

Em 2024, Jordânia, Kosovo, Montenegro e Macedônia do Norte endossaram a Declaração, enquanto a Tailândia a endossou em janeiro de 2025. Informações sobre como outros Estados podem endossar a Declaração estão disponíveis no site hospedado pelo Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmamento (UNODA, na sigla em inglês).

Os países que endossam a Declaração, juntamente com a ONU, o CICV e o INEW, realizaram workshops regionais para promover uma maior compreensão sobre a Declaração e como aderir e implementá-la. A Humanity & Inclusion e a Human Rights Watch iniciaram campanhas com a hashtag #StopBombingCivilians para incentivar os países a endossarem e implementar a Declaração.

11) Qual foi o papel desempenhado pelas Nações Unidas no apoio à Declaração?
Escritórios, funcionários e agências da ONU desempenharam um papel central na adoção, universalização e implementação da Declaração. Em 2019 e 2020, mais de 70 países se reuniram nas Nações Unidas em Genebra para desenvolver o texto da Declaração, concluído em uma conferência diplomática em 17 de junho de 2022. As Nações Unidas hospedam o site da Declaração, criado em 2024 pelo Escritório para Assuntos de Desarmamento. O site contém a Declaração, suas traduções, lista de endossantes e documentos de reuniões anteriores, além das instruções para endossá-la.

Há muito tempo, autoridades de alto nível da ONU alertam as partes envolvidas em conflitos armados para que evitem o uso de armas explosivas com efeitos em área ampla em zonas povoadas, devido à probabilidade de causar danos a civis. O secretário-geral da ONU, António Guterres, frequentemente pede a todos os Estados que ainda não o fizeram que endossem a Declaração o mais rápido possível.[17]A alta representante do secretário-geral para assuntos de desarmamento, Izumi Nakamitsu, participou da reunião realizada para adotar a Declaração na Irlanda e promoveu vigorosamente sua universalização e implementação. As agências da ONU que trabalham para prevenir e reparar os danos causados pelo uso de armas explosivas em áreas povoadas incluem o Escritório para Assuntos de Desarmamento, o Instituto das Nações Unidas para Pesquisa em Desarmamento, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Escritório das Nações Unidas para Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) e o Serviço de Ação Contra Minas da ONU.

12) Como os Estados têm acompanhado o endosso da Declaração?

Alguns Estados elaboraram medidas nacionais para implementar a Declaração. Costa Rica, Irlanda e Noruega –o “trio” de futuro anfitrião da conferência, futuro anfitrião da cerimônia de endosso e atual anfitrião– emitiram uma declaração de resultados que insta por mais trabalho sobre universalização e implementação. Um Fórum de Proteção da sociedade civil, realizado no dia anterior à reunião de governo em Oslo, examinou a gama de ameaças existentes pelo uso de armas explosivas em áreas povoadas e destacou as vozes de sobreviventes e testemunhas.

A segunda reunião de acompanhamento será realizada em São José, Costa Rica, de 19 a 20 de novembro de 2025, e, em 18 de novembro, será acompanhada por outro fórum da sociedade civil. 

[1] Os endossantes são: Albânia, Alemanha Andorra, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Camboja, Canadá, Catar, Chile, Colômbia, Comores, Coreia do Sul, Costa Rica, Costa do Marfim, Croácia, Chipre, Equador, El Salvador, Eslováquia, Eslovênia, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Geórgia, , Grécia, Guatemala, Guiana, Hungria, Islândia, Indonésia, Irlanda, Itália, Japão, Jordânia, Quênia, Kiribati, Kosovo, Kuwait, Laos, Libéria, Liechtenstein, Luxemburgo, Macedônia do Norte, Madagascar, Malaui, Malásia, Malta, Maldivas, Moldávia, Mônaco, Montenegro, Marrocos, Países Baixos, Nova Zelândia, Noruega, Palau, Palestina, Peru, Filipinas, Portugal, Reino Unido,  República Centro-Africana, República Tcheca, Dinamarca, República Dominicana, Romênia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, San Marino, Senegal, Sérvia, Serra Leoa, Somália, Espanha, Suécia, Suíça, Tailândia, Togo, Turquia, Vaticano  e Uruguai.

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