(Joanesburgo) – As autoridades moçambicanas devem investigar de forma rápida e imparcial o uso de gás lacrimogéneo pela polícia, no cortejo fúnebre de uma famosa estrela do rap, no dia 14 de março de 2023, em Maputo, anunciou hoje a Human Rights Watch. Edson da Luz, conhecido como “Azagaia”, que faleceu no dia 9 de março por complicações de uma doença repentina, era conhecido pelas suas críticas ao governo. A morte de Azagaia foi assinalada em todos os países de língua portuguesa, com vigílias em Angola, Moçambique e Portugal.
Em 14 de março, após o velório, juntou-se uma grande multidão no cortejo fúnebre. Quando o cortejo com milhares de pessoas começou a aproximar-se da zona onde se situa a residência oficial do presidente, onde o tráfego pedestre é proibido, veículos blindados e dezenas de agentes fortemente armados da polícia de choque bloquearam a estrada. A polícia deu ordem ao cortejo para que mudasse de rumo e, sem avisar, lançou gás lacrimogéneo para dispersar a multidão, provocando uma fuga em massa.
“A polícia moçambicana, responsável pela segurança nos cortejos fúnebres e outras reuniões públicas, deve respeitar sempre as normas de direitos humanos para o uso da força”, relembrou Ashwanee Budoo-Scholtz, vice-diretora para África da Human Rights Watch. “Há que dar início a uma investigação imparcial para determinar se os oficiais se apressaram a lançar o gás lacrimogéneo sem que houve necessidade para tal e para responsabilizá-los.”
Por volta do meio-dia, após o funeral oficial, milhares de pessoas, entre as quais familiares, fãs, amigos e membros da comunicação social, seguiram o cortejo fúnebre até o cemitério em carros, motas e a pé, tendo-se juntado várias outras pessoas à multidão ao longo do caminho. Enquanto o cortejo fúnebre passava pelas principais ruas de Maputo, as pessoas entoavam canções do falecido rapper, incluindo “Povo no Poder” e “Vampiros”, uma música que compara líderes corruptos a vampiros.
Cerca de uma hora após o início do cortejo, a multidão deparou-se com dezenas de agentes da polícia de choque fortemente armados e em três veículos blindados que bloquearam a estrada, disseram dois ativistas à Human Rights Watch. Segundo a comunicação social, os agentes da polícia deram ordens ao cortejo fúnebre para seguir por outro caminho, sem apresentar qualquer explicação para tal.
“Queríamos levar o caixão para [o cemitério de] Michafutene e eles [a polícia] não nos disseram por que é que não podíamos fazer isso”, disse um homem de 22 anos. “Em vez disso, ficaram nervosos e começaram a gritar connosco e a mostrar-nos as armas.”
Uma mulher de 26 anos disse “saí de casa para prestar homenagear a Azagaia, não para me pegar com a polícia. Nós não tínhamos armas nenhumas; eles tinham muitas armas e gás lacrimogéneo”.
Várias testemunhas disseram que as tensões pareceram ter aumentado quando a multidão se recusou a obedecer às ordens da polícia e ergueu os braços em sinal de paz ou se ajoelhou. Alguns dos membros da multidão gritaram à polícia.
A Human Rights Watch acompanhou os acontecimentos através das redes sociais e de uma transmissão ao vivo na estação de televisão local TV Sucesso e viu os agentes da polícia de choque a disparar tiros para o ar e a lançar gás lacrimogéneo sobre a multidão para dispersá-la. É possível ouvir um dos agentes, que parecia ser comandante, a gritar: “Parem de disparar. Parem de disparar. Quem dá as ordens aqui sou eu."
Os agentes da polícia são obrigados a respeitar o direito à liberdade de reunião, bem como as normas de direitos humanos sobre o uso da força, inclusive quando estão a dispersar manifestações, disse a Human Rights Watch.
De acordo com os Princípios Básicos para o Uso da Força e de Armas de Fogo pelos Agentes da Autoridade, as autoridades só podem fazer uso de força na aplicação da lei quando tal for estritamente necessário e na medida necessária para alcançar um objetivo policial legítimo.
A Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos afirma também que o uso da força deve ser o último recurso, se o seu uso for inevitável para proteger a vida, e deve ser proporcional e necessário.
As Diretrizes da ONU de 2020 sobre o Uso de Armas Menos Letais pelos Agentes da Autoridade determinam que o gás lacrimogéneo só deve ser usado quando é necessário para evitar o agravamento de danos físicos e não deve ser usado para dispersar manifestações não violentas. O gás lacrimogéneo só deve ser usado após aviso e deve ser dado tempo aos participantes para obedecer ao referido aviso, sendo necessário que exista um espaço ou caminho seguro para se retirarem do local.
“Para muitos moçambicanos, a morte de Azagaia foi um acontecimento que, por si só, já é muito triste, e que não deveria ter sido tornado ainda mais trágico com o uso excessivo da força pela polícia”, disse Budoo-Scholtz.