Excelentíssimo Secretário Kerry:
Escrevemos em razão de sua visita ao Brasil para compartilhar as recomendações da Human Rights Watch sobre como os Estados Unidos podem melhor contribuir para o enfrentamento da crise ambiental e de direitos humanos na floresta amazônica. Sentimo-nos encorajados pela disposição dos Estados Unidos em apoiar os esforços do Brasil para deter o desmatamento e combater as mudanças climáticas.
Estamos anexando um documento informativo com recomendações ao governo Biden, bem como recomendações que instamos V. Exa. a abordar durante suas reuniões com o governo brasileiro.
Como sabe, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o cargo após anos de crescente destruição ambiental na Amazônia brasileira. O governo Bolsonaro sabotou a aplicação da lei ambiental e procurou enfraquecer os direitos dos povos indígenas e outras comunidades locais que desempenham um papel vital na preservação da floresta. Na prática, tais medidas encorajaram redes criminosas que estão envolvidas no desmatamento ilegal e usam ameaças e violência contra defensores da floresta.
O governo do presidente Lula tem a obrigação de fazer cumprir a legislação ambiental brasileira e seus compromissos internacionais de direitos humanos e climáticos. O próprio presidente Lula expressou repetidamente o compromisso de conter a destruição da Amazônia e proteger os direitos dos povos da floresta, inclusive por meio da criação inédita de um Ministério dos Povos Indígenas.
Com o apoio de parceiros internacionais, o presidente Lula pode reverter as políticas desastrosas de seu antecessor, restaurar efetivamente o Estado de Direito na Amazônia e proteger sua população.
Atenciosamente,
Recomendações da Human Rights Watch ao Enviado Presidencial Especial dos EUA para o Clima antes de sua visita ao Brasil
Recomendações aos Estados Unidos
Apoie os esforços do Brasil para proteger a Amazônia
- Apoiar os esforços do Brasil para combater o desmatamento e as queimadas, oferecendo assistência, inclusive ao Fundo Amazônia, diretamente aos estados e ao governo federal.
- Buscar, por meio de sua assistência, fortalecer a capacidade das autoridades brasileiras – incluindo agências ambientais federais e estaduais, polícias e ministérios públicos – de investigar crimes ambientais e atos de violência contra defensores da floresta.
- Colaborar com as autoridades policiais brasileiras, por meio do compartilhamento de inteligência e outros meios, para desmantelar redes criminosas responsáveis pelo desmatamento e violência contra os defensores da floresta.
- Oferecer assistência para fortalecer a proteção dos direitos humanos e dos defensores ambientais, bem como a proteção dos territórios indígenas.
- Identificar possibilidades, em consulta com as comunidades e autoridades locais, de fornecer ajuda para apoiar atividades econômicas sustentáveis na Amazônia que forneçam alternativas econômicas às atividades ilegais.
- Apoiar os esforços do Brasil para criar cadeias produtivas transparentes, rastreáveis e que respeitem direitos, especialmente para as commodities que são vetores do desmatamento e destruição ambiental, como ouro, carne bovina, soja e outros produtos agrícolas, inclusive por meio do fornecimento de assistência técnica e financeira.
- Apoiar as autoridades brasileiras, incluindo órgãos ambientais (Ibama e ICMBio), polícias federal e estaduais e ministério público, a identificar a venda de commodities, tanto no Brasil quanto para outros países, ligadas a crimes ambientais e abusos de direitos humanos na Amazônia.
- Em cooperação com as autoridades brasileiras, responsabilizar as entidades privadas dos EUA responsáveis por importarem mercadorias irregulares do Brasil por meio da aplicação das Emendas da Lei Lacey de 2008 e da Seção 307 da Lei Tarifária de 1930.
Adotar e aplicar legislação que enderece o papel dos EUA no impulsionamento do desmatamento global
- Construir apoio bipartidário no Congresso para a adoção da Lei de Promoção do Estado de Direito e do Comércio Ambientalmente Saudável no Exterior (“FOREST Act”), que restringiria as importações de commodities agrícolas ligadas ao desmatamento ilegal e violações dos direitos territoriais;
- Fazer cumprir rigorosamente os dispositivos da Lei Lacey de 2008 que proíbem a importação, transporte e aquisição de madeira extraída ilegalmente e exigem que os importadores tenham o devido cuidado para garantir a origem legal dos produtos madeireiros;
- Construir apoio bipartidário no Congresso para dedicar recursos apropriados ao US Fishery and Wildlife Service dos EUA para a aplicação das da Lei Lacey, inclusive por meio de fiscalização das importações de madeira do Brasil.
A adesão do Brasil à OCDE
- Em conformidade com o roteiro de adesão para o Brasil, acordado pelos Estados membros da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), verificar se o Brasil tomou medidas concretas para deter o desmatamento e proteger os defensores do meio ambiente antes de votar para admitir o país como um Estado membro permanente.
Recomendações a serem levantadas com o governo brasileiro
A Human Rights Watch insta o enviado especial a considerar levar estas recomendações às autoridades brasileiras durante sua viagem.
Restaurar o Estado de Direito na Amazônia
- Articular órgãos federais – incluindo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e órgãos ambientais (Ibama e ICMBio) –, polícias federal e estaduais, ministérios públicos e governadores dos estados na elaboração de um plano, em consulta com as comunidades locais, para desmantelar as redes criminosas envolvidas em crimes ambientais e garantir que atos de violência contra defensores da floresta sejam rigorosamente investigados e processados.
- Assegurar a efetiva fiscalização das leis ambientais, restaurando a capacidade dos órgãos ambientais (Ibama e ICMBio), e garantir que os responsáveis por violações sejam responsabilizados, inclusive lidando com o acúmulo de multas não pagas.
- Trabalhar com os governadores para instruir as polícias estaduais a apoiar as operações de fiscalização ambiental e a responder prontamente a atos de violência e intimidação relacionados ao desmatamento ilegal e outros crimes ambientais.
- Trabalhar com os governadores para anular registros de cadastros de propriedades privadas sobrepostos a territórios indígenas e florestas públicas, e garantir que os povos indígenas possam continuar seu uso tradicional dessas terras sem impedimentos.
Proteger os defensores do meio ambiente e direitos humanos
- Fortalecer o Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), inclusive com alocação de recursos adequados, capacitação de servidores públicos, e adoção de metodologias e critérios claros para avaliação de riscos; garantir que os defensores tenham acesso imediato a cuidados de saúde, apoio psicológico e outros serviços; oferecer medidas de proteção coletiva às comunidades em situação de risco; e escutar organizações locais e defensores sobre como melhorar a proteção.
- Trabalhar com os governadores para criar e implementar programas estaduais de proteção dos defensores dos direitos humanos onde eles ainda não foram implementados, inclusive garantindo que os programas estaduais tenham financiamento, treinamento e apoio institucional adequados.
- Submeter o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais em Países da América Latina e Caribe – também conhecido como Acordo de Escazú – ao Congresso Nacional para sua ratificação.
Proteger os direitos dos povos indígenas
- Retomar a demarcação de terras indígenas e proteger esses territórios de grilagem e invasões por madeireiros, garimpeiros e outros, inclusive tomando as medidas cabíveis para retirar aqueles que ocupam ou exploram terras indígenas ilegalmente.
- Revogar o parecer normativo de 2017 da Advocacia-Geral da União sobre o marco temporal, que impediria comunidades indígenas de obterem o reconhecimento legal de seus territórios se lá não estavam fisicamente em 5 de outubro de 1988– dia da promulgação da Constituição do Brasil – ou se ou se não tinham nesta data uma controvérsia possessória de fato ou judicializada.
- Fortalecer a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), garantindo financiamento adequado, autonomia e equipes qualificadas para o cumprimento de sua missão institucional.
Rastrear e monitorar a cadeia de suprimentos
- Revisar regulamentos e instituir salvaguardas e monitoramento contínuo das cadeias produtivas do ouro, carne e outros produtos agrícolas para garantir que não estejam vinculadas ao desmatamento, inclusive implementando a rastreabilidade animal individual desde o nascimento até o abate e trabalhando com os governadores para aumentar a transparência das Guias de Trânsito Animal (GTA).
- Assegurar que as empresas conduzam a devida diligência ambiental e de direitos humanos em relação às suas cadeias produtivas e relações comerciais, e informem publicamente sobre suas políticas, práticas e resultados de acordo com os padrões internacionais.
Trabalhar com o Congresso para proteger o meio ambiente
- Trabalhar com aliados no Congresso para rejeitar projetos de lei que visem facilitar a aprovação e o uso de pesticidas perigosos, que prejudicam a biodiversidade e a saúde das pessoas; flexibilizar o licenciamento ambiental; restringir arbitrariamente os direitos dos povos indígenas a seus territórios; ou conceder na prática uma anistia à grilagem de terras.
- Promover legislação que exija a devida diligência de direitos humanos e ambiental, assim como controles rígidos sobre a cadeia produtiva de ouro, incluindo medidas para apreender ouro extraído ilegalmente.
Revisar o plano de ação climática do Brasil e reduzir as emissões
- Revisar o plano de ação climática nacional (NDC) para que seja mais ambicioso do que o apresentado originalmente, em 2016, e consistente com a meta de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 graus Celsius. O plano deve incorporar compromissos sob a Declaração de Glasgow sobre Florestas e o Compromisso Global de Metano, e incluir uma estratégia de implementação detalhada.