Senhor Secretário-Geral,
As organizações ao final assinadas, todas com longa experiência no monitoramento de políticas de transparência, boa governança, direitos humanos ou promoção do desenvolvimento sustentável no Brasil, vêm manifestar suas preocupações em relação à recente abertura das discussões formais para a acessão do país à OCDE, formalizada por meio de correspondência datada de 25/01/22, e apresentar sugestões para a construção do mapa do caminho, a ser realizada por essa Secretaria-Geral.
Primeiramente é importante ressaltar que avaliamos que a inserção do Brasil em órgãos multilaterais como a OCDE pode ser benéfica para o país. Acreditamos que a adoção de boas práticas em diversas áreas de políticas públicas, com o fortalecimento do Estado de Direito, tal como fomentado pela OCDE, pode ajudar o Brasil a aprimorar não só seu desempenho econômico, mas também a promoção dos direitos humanos e da boa governança ambiental e climática.
Esses objetivos só serão alcançados, no entanto, se o país, estimulado pelo processo de acessão, não apenas se comprometa, mas demonstre efetivamente a capacidade e a boa vontade de implementar, de forma perene, as políticas e boas práticas recomendadas pela OCDE. Esse, a nosso juízo, não vem sendo o caso do Brasil, que nos últimos anos, mas sobretudo desde que o Presidente Jair Bolsonaro chegou ao poder, vem retrocedendo em práticas e políticas cruciais para a estabilidade democrática, a promoção dos direitos humanos, a transparência e a boa governança pública, a redução das emissões de gases de efeito estufa e o fortalecimento do Estado de Direito.
Por essa razão estamos muito preocupados de que o convite realizado poderia passar a mensagem equivocada de que essa prestigiosa organização avaliza as ações e políticas em curso, as quais levaram ao maior desmatamento anual da Floresta Amazônica nos últimos 15 anos[1]; a retrocessos sem precedentes na transparência e na luta contra a corrupção, o que motivou, inclusive, o envio de uma missão de alto nível[2] e outras medidas[3][4] do Grupo de Trabalho contra o Suborno da OCDE (WGB/OECD) para verificar a situação do país; ao aumento de 138% nos casos de invasão a territórios de povos indígenas[5]; ao recuo de nove posições no ranking internacional de liberdade de imprensa[6]; ao maior número de casos de conflitos pela terra desde o início da série histórica, 1985[7]. Esses e outros retrocessos em curso no país atingem áreas chave definidas nas diretrizes para a expansão da base de membros da OCDE, como o relatório de Noburu[8] e a “resolução do Conselho sobre a abertura das discussões de acessão”[9], esta última que trata especificamente da acessão do Brasil, Argentina, Bulgária, Croácia, Peru e Romênia.
Na sua visão para a próxima década, a OCDE se comprometeu a atuar na “vanguarda de práticas modernas de gestão, transparência e accountability”[10]. Tal compromisso deve valer para o processo de acessão de novos membros à organização, sobretudo porque, segundo o “framework for the consideration of prospective members”, a decisão de abrir as discussões formais de acessão deve ser guiada, entre outros, por evidências de compromisso com os valores fundamentais da entidade pelo membro prospectivo[11].
Nesse sentido, as entidades signatárias expressam sua expectativa de que o processo decisório relativo à adesão do Brasil e de outros países seja transparente e aberto. É fundamental que se institucionalize a participação de organizações da sociedade civil na construção do mapa do caminho, na avaliação independente do cumprimento das políticas recomendadas pela OCDE e na formulação de planos de ação, para que uma eventual acessão não venha significar uma chancela dessa organização a práticas incompatíveis com suas próprias diretrizes, mas uma oportunidade para o efetivo aprimoramento de políticas públicas na direção do desenvolvimento sustentável e socialmente justo.
Para que possamos aprofundar o diálogo sobre a nossa visão relativa à situação brasileira e ao processo de adesão do país à OCDE, gostaríamos de solicitar uma reunião com o Sr. Secretário Geral.
Atenciosamente,
[2] Law enforcement capacity in Brazil to investigate and prosecute foreign bribery seriously threatened, says OECD Working Group on Bribery
[3] OECD Working Group on Bribery Statement (Nov., 2019): Brazil must immediately end threats to independence and capacity of law enforcement to fight corruption
[5] Desmatamento em Terras Indígenas cresceu 138% nos últimos três anos | ISA - Instituto Socioambiental
[7] https://www.cptnacional.org.br/downlods/summary/41-conflitos-no-campo-brasil-publicacao/14242-conflitos-no-campo-brasil-2020