(Berlim) – Um míssil balístico russo carregando uma munição cluster (de fragmentação) atingiu um hospital em Vuhledar, uma cidade na região de Donetska controlada pelo governo ucraniano, em 24 de fevereiro de 2022, disse hoje a Human Rights Watch. O ataque matou quatro civis e feriu outros 10, seis deles profissionais da saúde, e danificou o hospital, uma ambulância e veículos civis.
A Human Rights Watch entrevistou separadamente por telefone um médico e um funcionário do hospital, conhecido como o Hospital da Cidade Central, que disseram os nomes dos feridos e mortos, além de compartiharem fotografias de dois dos mortos. A Human Rights Watch também verificou fotografias publicadas nas redes sociais e as que foram enviadas diretamente por funcionários do hospital que mostram os danos causados pelo ataque, inclusive os cadáveres e os remanescentes do artefato que foi aparentemente utilizado, um míssil balístico Tochka da série 9M79 com uma ogiva de munição de fragmentação 9N123.
“Este ataque cruel matou e feriu civis e danificou um hospital”, disse Steve Goose, diretor de armas da Human Rights Watch. “As forças russas devem parar de usar munições cluster e acabar com ataques ilegais com armas que matam e mutilam indiscriminadamente.”
Um tratado internacional que proíbe as munições cluster foi adotado por causa de seu efeito indiscriminado generalizado e perigo duradouro para os civis. As munições cluster normalmente explodem no ar e derrubam dezenas, e até centenas, de pequenas bombas sobre uma área do tamanho de um campo de futebol. Submunições cluster muitas vezes não explodem no impacto inicial, deixando resquícios que se comparam como minas terrestres. Nem a Rússia nem a Ucrânia estão entre os 110 estados signatários do tratado contra as munições cluster.
Em 24 de fevereiro, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou operações militares contra a Ucrânia. Após o anúncio, as forças armadas russas iniciaram ataques aéreos e terrestres a instalações militares em toda a Ucrânia. O anúncio ocorreu durante uma sessão de emergência do Conselho de Segurança da ONU, quando as tensões entre a Rússia e o governo ucraniano atingiram o pico após um acúmulo de meses de tropas russas nas fronteiras da Ucrânia.
A invasão em larga escala da Ucrânia por forças russas foi precedida pela assinatura de decretos pelo presidente Putin reconhecendo a autoproclamada “República Popular de Donetsk” (“DNR”) e “Repúblicas Populares de Luhansk” (“LNR”) como territórios independentes e autorizando tropas a ocuparem essas áreas em 21 de fevereiro.
A médica-chefe do hospital atingido, Natalia Sosyura, descreveu o ataque: “Eu estava no primeiro andar do nosso prédio de dois andares. Ouvi uma forte explosão lá fora, corremos para o corredor. Por sorte, não tínhamos muitos pacientes. Era por volta das 10h30 da manhã. Todos nós caímos no chão.”
A Dr. Sosyura forneceu os nomes dos quatro civis que foram mortos e disse que o hospital tratou outros 10 feridos, incluindo seis profissionais da saúde do hospital. Uma ambulância e três carros civis foram danificados, disse ela. A Human Rights Watch verificou duas fotografias dos carros danificados.
A Human Rights Watch também conversou com Tetyana Tyurina, chefe do departamento de informação e comunicação da administração regional de Donetska, que também disse que quatro civis foram mortos e 10 ficaram feridos, seis deles trabalhadores médicos. Dois dos feridos foram levados para o Hospital Regional Central de Velykonovosilkivska para tratamento, enquanto os outros foram tratados em ambulatório, disse ela.
Os civis mortos no ataque, dois homens e duas mulheres, eram Maksim Sidorenko, 34; Antonina Sidorenko, 65; Sergei Sivukhin, 56; e Olga Shramko, 50.
A Human Rights Watch verificou duas fotografias das consequências imediatas do ataque que circularam nas redes sociais e uma terceira que mostrava um resquício do míssil balístico que aparentemente foi usado. Uma dessas fotografias mostrava dois cadáveres parcialmente cobertos por uma lona do lado de fora da entrada do hospital e danos ao prédio e veículos próximos. A Human Rights Watch também recebeu e verificou 22 imagens do hospital tiradas em 25 de fevereiro por funcionários. Essas imagens mostram danos nos prédios do hospital, incluindo janelas quebradas e três veículos civis danificados.
Com base na fotografia, a Human Rights Watch identificou o remanescente da arma como o cone de nariz e a antena de radar altímetro de uma ogiva de munição cluster 9N123 disparada por um míssil balístico Tochka série 9M79. A ogiva de munição cluster contém 50 submunições de fragmentação 9N24. De acordo com o fabricante russo, cada submunição contém 1,45 kg de explosivos e se estilhaça em aproximadamente 316 fragmentos de tamanho uniforme.
Fotografias tiradas logo após o ataque mostram respingos de impacto de uma aparente detonação de submunição no asfalto perto de dois dos veículos, danos de fragmentação de tamanho uniforme no prédio do hospital e os ferimentos de fragmentação aparentemente fatais nas vítimas perto de uma detonação de submunição que é característica de uso de munições cluster.
Tanto a Rússia como a Ucrânia contam com um arsenal de mísseis balísticos Tochka equipado com uma ogiva de munição de comando.
As forças governamentais ucranianas e os grupos armados respaldados pela Rússia usaram as munições de fragmentação no leste da Ucrânia entre julho de 2014 e fevereiro de 2015, de acordo com as investigações feitas pela Human Rights Watch, a missão de observação da Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) e outras entidades.
A Human Rights Watch documentou o uso do mesmo tipo de munição cluster em um ataque das forças russas e sírias contra Sarmin, em Idlib, em janeiro de 2020.
“Todos os Estados parte da Convenção sobre Munições de Fragmentação de 2008 deveriam condenar inequivocadamente este ataque e qualquer outro uso deste artefato deplorável”, disse Steve Goose. “Os riscos para os civis são intoleravelmente altos.”