(Washington, DC) – Um aumento no número de detenções de imigrantes que vivem nos Estados Unidos pelo governo de Donald Trump tem causado um impacto devastador na vida de imigrantes que vivem no país há vários anos e que têm fortes laços com os EUA, disse a Human Rights Watch em um relatório divulgado hoje.
Durante os sete primeiros meses da presidência de Trump, o número de imigrantes detidos no interior e não nas fronteiras dos EUA – sendo muitos deles arrancados de suas famílias e comunidades – aumentou 43% em comparação com o mesmo período em 2016. As detenções de imigrantes sem antecedentes criminais quase triplicaram.
O relatório de 109 páginas, "The Deported: Immigrants Uprooted from the Country They Call Home" (em português, “Os deportados: imigrantes arrancados do país que chamam de lar”), juntamente com um site interativo que está no ar desde 7 de dezembro, documenta 43 casos de imigrantes – muitos deles residentes de longa data e com fortes vínculos, inclusive familiares, nos EUA – que foram deportados por procedimentos que ignoram vastamente os direitos fundamentais dos imigrantes e que quase nunca levam em consideração suas casas e famílias nos EUA. Equipes de pesquisadores da Human Rights Watch entrevistaram os deportados no México. O relatório também analisa os dados do governo dos EUA sobre detenções e deportações nos primeiros sete meses da administração Trump.
"Os números e os relatos das pessoas que estão sendo deportadas deixam claro que imigrantes de longa data e com fortes vínculos nos EUA estão sendo encurralados e deportados agressiva e sistematicamente", disse Clara Long, pesquisadora sênior da Human Rights Watch. "Esses casos não são uma pequena amostra ou exceções; eles mostram a brutal e destrutiva cara da política de imigração de Trump".
Ao assumir o cargo, Trump assinou dois decretos que colocam quase todos imigrantes não autorizados residentes nos EUA na mira de detenções, prisões e deportações. Os decretos revogaram diretrizes que direcionavam os esforços na aplicação de punições para “atravessadores de fronteiras” e não-nacionais com antecedentes criminais.
O impacto dessas ações foi imediato e severo, constatou a Human Rights Watch. Durante a administração de Trump, foram 97.482 detenções de imigrantes no interior dos EUA entre o final de janeiro e o começo de setembro, comparado com 68.256 durante o mesmo período em 2016. Dentre as pessoas detidas, 28.011 não apresentavam antecedentes criminais, em comparação com 10.031 no mesmo período de 2016.
Entre os entrevistados estão:
- Linda C., uma mãe de 29 anos de idade com três crianças cidadãs dos EUA e que chegou ao país quando tinha 4 anos – deportada após uma blitz de trânsito;
- Manuel G., um pai com crianças cidadãs estadunidenses e liderança local em grupo de Alcoólicos Anônimos – deportado após 29 anos nos EUA depois que a polícia o parou devido a forma que fez um retorno enquanto dirigia;
- Sergio H., veterano militar dos EUA, residente permanente legal e proprietário de uma loja de autopeças – deportado após condenações relacionadas à dependência de drogas;
- Omar G., que vivia nos EUA havia mais de 20 anos e que cuidava de sua esposa em união estável, uma cidadã estadunidense com deficiência devido a dores paralisantes em seus braços;
- Alexis G., um jovem de 20 anos que passou quase toda a sua vida nos EUA e que disse: "Se eu tivesse que cantar um hino agora mesmo, seria o Star-Spangled Banner – eu não sei o hino mexicano";
- "Orlando", pai de um cidadão dos EUA e beneficiário do DACA, que vivia nos Estados Unidos há 33 anos, era dono de uma pequena empresa e locatário de imóvel, e tinha orgulho de nunca ter "custado um centavo aos Estados Unidos".
*Os nomes completos ou os nomes reais dos entrevistados não foram usados para sua proteção.
Pela legislação atual dos EUA, apesar da estreita relação familiar desses imigrantes com cidadãos estadunidenses e da longa estadia no país, eles não têm nenhuma maneira realista de ganhar status legal.
A administração Obama também deportou milhões de pessoas com fortes laços familiares e outros vínculos com os EUA, mas seu segundo mandato focou os esforços de deportação às pessoas que atravessam a fronteira e aquelas com antecedentes criminais. Obama também promulgou o decreto DACA - Deferred Action for Childhood Arrivals (em português, Ação Deferida para Chegadas na Infância), um programa que ofereceu proteção temporária contra a deportação a milhares de pessoas que chegaram ainda crianças aos EUA e sem autorização legal. Como resultado, o número de detenções e deportações de imigrantes residindo nos EUA caiu nos últimos anos da administração Obama. Em setembro, o governo de Trump revogou o DACA, expondo esses jovens imigrantes que cresceram nos EUA a uma potencial deportação.
"As histórias das pessoas entrevistadas deixam claro o impacto humano desses números estarrecedores", disse Clara Long. "Muitas pessoas descreveram como as pequenas interações com a polícia, como uma blitz de trânsito, levou à deportação, separação de suas famílias e a dor constante de enfrentar problemas financeiros e emocionais".
No direito internacional, governos encontram margem considerável para a remoção de pessoas não-nacionais do seu território, especialmente quanto a pessoas não autorizadas. Mas essa discrição não é irrestrita, disse a Human Rights Watch. Os EUA têm a obrigação de pesar o interesse do governo em deportar uma pessoa em relação ao impacto dessa remoção nos direitos fundamentais, incluindo o direito à união familiar. Na maioria dos casos, no entanto, a legislação dos EUA relativa à deportação não leva em conta os laços dos imigrantes com suas casas e famílias. O sistema também ignora o direito ao devido processo legal de muitos imigrantes, negando-lhes a oportunidade de apelar contra a ordem de deportação em uma audiência. Mesmo quando os imigrantes conseguem uma audiência individualizada, sob as leis dos EUA, na maioria dos casos esses fatores têm nenhuma relevância jurídica no processo de decisão sobre a deportação de uma pessoa.
O Congresso dos EUA e o governo de Donald Trump devem reformar as abusivas leis e política de imigração do país, começando pela aprovação de um novo DREAM Act (em inglês, Lei sobre o desenvolvimento, a assistência e a educação para menores estrangeiros), sem amarras ou exceções prejudiciais como a proteção reduzida a crianças migrantes e refugiados, como a Casa Branca indicou estar avaliando. O Congresso também deve recusar todos os pedidos do Executivo para aumentar o financiamento de propostas de fiscalização da imigração que não estejam ligadas às esperadas reformas na lei de imigração, bem como deve aumentar a transparência e tratar das condições abusivas na detenção de imigrantes.
A lei dos EUA deve ser alterada para oferecer uma audiência justa e individualizada para qualquer pessoa que venha a enfrentar uma deportação, na qual os laços da pessoa com famílias e comunidades nos EUA possam ser ponderados contra o interesse do governo em deportá-la. Esses mesmos laços devem se tornar a base para um programa de legalização justo.
"No mínimo, o Congresso deveria aprovar um novo DREAM Act para começar a colocar limites a deportações nocivas", disse Clara Long. "Mas, o problema do abusivo sistema de detenção e deportação não será totalmente resolvido sem uma reforma global do sistema".