A morte de mais de 30 presos em Roraima é mais um sinal de que as prisões do país estão vergonhosamente fora de controle. Muitos foram decapitados — uma prática amplamente utilizada por facções para causar terror em seus inimigos.
Essas mortes horríveis ocorreram apenas cinco dias após as mortes de 60 presos no Amazonas. O presidente Michel Temer considerou esse massacre “um acidente pavoroso”.
Um acidente é algo aleatório e inesperado. Mas as numerosas mortes nas prisões brasileiras são tudo, menos isso.
A violência carcerária está enraizada na incapacidade das autoridades de fornecer condições humanas e manter o controle dentro das instalações. Muitas prisões são informalmente privatizadas — não entregues a corporações legítimas, mas às próprias facções.
Com criminosos no comando das prisões, essas mortes brutais não deveriam ser surpresa.
No Maranhão, vi autoridades de um presídio perguntarem aos presos a qual facção pertenciam para que pudessem ser encaminhados às mesmas unidades administradas por elas. Dois presos sem antecedentes — acusados, com base em frágeis evidências, de portarem drogas e uma arma — me disseram que não eram membros de facção alguma, mas pediram para serem mantidos com a que controlava o bairro onde moravam. Eles tinham medo de serem mortos se ficassem juntos com membros de um grupo rival. É óbvio que esse sistema é uma receita para o recrutamento por facções.
Em Pernambuco, visitei presídios onde os guardas patrulhavam apenas o perímetro externo e não entravam nas celas. Em vez disso, entregavam as chaves dos pavilhões a certos presos. Não é de se espantar que esses presos — chamados de chaveiros — usassem de seu poder para vender drogas e extorquir pagamentos de outros detentos e suas famílias, sob ameaça de espancamento ou pior. Agentes penitenciários ou fechavam os olhos ou participavam de tais esquemas em troca de propinas.
É urgente que o Brasil promova uma reforma estrutural para acabar com a superlotação desumana. Suas prisões têm 67% mais presos do que sua capacidade. O Brasil precisa explorar alternativas à prisão. Mais de 40% daqueles que se amontoam nas prisões não foram condenados por um crime, e são endêmicos os longos atrasos nos processos judiciais. Em outubro, entrevistei duas mulheres em uma prisão de Pernambuco que aguardavam julgamento por mais de seis anos.
O Brasil também precisa repensar sua contraproducente política de “guerra contra as drogas”. Mais de um quarto de todos os presos — provisórios e condenados — estão atrás das grades por crimes relacionados a drogas. Entre as mulheres, a taxa chega perto dos dois terços. Roberto (nome fictício) é um caso. Ele cumpre uma sentença de mais de quatro anos ao lado de assassinos condenados no enorme complexo prisional do Curado, em Pernambuco, por portar 15 gramas de maconha, no valor de R$ 50 à época.
Reformas dentro dos muros prisionais também são necessárias. É preciso acabar com a prática ilegal de manter presos que ainda aguardam julgamento junto com criminosos já condenados. Além disso, os presos devem ter oportunidades de trabalho e educação. E, o mais importante, o Estado precisa retomar o controle das celas das mãos de criminosos perigosos que são, em muitos estabelecimentos, as verdadeiras autoridades.
Ou o Brasil pode continuar a não fazer nada, deixar as facções controlarem as prisões e enfrentar mais tragédias como as desta semana.