Nesta mesma semana, dez anos atrás, o Brasil aprovava uma lei destinada a distinguir perigosos traficantes de drogas dos simples usuários. Ao substituir penas de prisão por serviços comunitários, entre outras medidas, para usuários de drogas ilícitas e aumentar as penas para o tráfico, a nova lei buscava reduzir o número de pessoas presas por posse de drogas e enfraquecer as organizações criminosas.
Nada disso aconteceu.
Em 2005, 9% das pessoas presas respondiam por crimes relacionados a drogas - essa taxa agora é de 28%, e entre mulheres, 64%.
A Lei 11.344 de 2006 tem contribuído para o aumento explosivo da população carcerária do Brasil na última década. Mais de 620.000 presos se amontoam em estabelecimentos construídos para uma capacidade total de cerca de 370.000 pessoas.
Vejamos o caso de "Roberto" (assim chamado para respeitar sua identidade).
Roberto é um jovem preso no complexo prisional do Curado, em Recife, que conheci quando ali estive no ano passado.
A polícia o prendeu em junho de 2013 por tráfico de drogas após encontrar 15 gramas de maconha, no valor de 50 reais, em um matagal ao lado de um campo de futebol onde Roberto estava jogando com os amigos.
No julgamento, um policial disse que as drogas estavam a 2 ou 3 metros de Roberto, mas um outro policial disse que elas estavam entre 15 e 20 metros de distância.
A única prova contra ele era o testemunho da outra pessoa acusada de tráfico de drogas no caso: uma criança que disse que Roberto era o dono da droga.
A mãe de Roberto me disse que ele a ajudava em uma loja de sapatos onde ela trabalhava e usava parte do dinheiro que recebia para comprar maconha para fumar, mas que ele não era traficante.
Apesar das frágeis evidências contra ele e a pequena quantidade de drogas envolvida, o juiz condenou Roberto a quatro anos e dois meses de prisão por tráfico de drogas.
Após a lei de 2006, muitos usuários foram simplesmente processados criminalmente como traficantes, já que a lei não fixa uma quantidade mínima de drogas para diferenciar usuários de traficantes.
A lei não serviu para enfraquecer as organizações criminosas e, na última década, o Brasil experimentou um aumento dos crimes violentos.
Estudos feitos por Luciana Boiteux, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Maria Gorete Marques de Jesus e Marcelo da Silveira Campos, ambos da Universidade de São Paulo, constataram que a lei é principalmente usada para punir pessoas como Roberto pela posse de pequenas quantidades de drogas, que são ou usuários ou pequenos traficantes, que as organizações criminosas podem substituir facilmente.
Na prisão, eles podem ser recrutados pelas próprias organizações criminosas que a lei se propunha a combater. A mãe de Roberto me disse que outros presos o pressionavam para se juntar a uma facção.
Conceitualmente, a lei de 2006 foi um avanço ao estabelecer que as pessoas não devem ser presas por uso de drogas. Mas ela teve consequências muito prejudiciais que não haviam sido antecipadas.
E ela não foi longe o suficiente porque ainda considerou o uso de drogas um delito.
A criminalização do uso, produção e distribuição de drogas alimenta o crescimento de organizações criminosas e enche as prisões de pessoas que não deveriam estar lá.
O Brasil deve descriminalizar a posse de drogas para uso pessoal e olhar para outras maneiras, além da criminalização, de regular de forma eficaz a distribuição de drogas.