(Genebra, 26 de março de 2015) - Os membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas deram hoje um importante passo nos esforços globais de proteção da privacidade em geral e, em especial, na Internet, disse a Human Rights Watch. O Conselho aprovou por unanimidade a nomeação de um novo relator especial das Nações Unidas sobre o direito à privacidade.
"Uma das questões mais urgentes hoje é a proteção digital da privacidade", disse Eileen Donahoe, diretora de assuntos globais da Human Rights Watch. "Nossa esperança é que essa resolução do Conselho de Direitos Humanos marque o início de uma resposta séria, em nivel global, à vigilância em massa e seus efeitos".
A decisão do Conselho é fruto dos esforços contínuos de Brasil e Alemanha para chamar a atenção às ameaças à privacidade na Internet. A presidente Dilma Rousseff mencionou a importância da privacidade no ambiente digital na Assembleia Geral da ONU em 2013, após relatos de que tanto a própria presidente como a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, tinham sido vítimas de espionagem dos EUA. Após o discurso de Dilma, órgãos das Nações Unidas se debruçaram ativamente sobre o tema, com duas resoluções da Assembléia Geral, uma comissão de alto nível no Conselho de Direitos Humanos, e um relatório da então Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay.
O avanço na tecnologia digital teve muitos efeitos sociais positivos. Mas esse movimento inexorável rumo à digitalização da informação também fez com que os governos tivessem maior capacidade para monitorar cidadãos, censurar discursos, bloquear ou filtrar o acesso a informações e acompanhar as comunicações, disse a Human Rights Watch.
Defensores dos direitos humanos, em particular, enfrentam cada vez mais ameaças, insegurança e ataques como resultado da vigilância digital e coleta de seus dados pessoais, disse a Human Rights Watch. A privacidade é um direito básico que afeta a capacidade de exercer quase todos os outros direitos, em particular a liberdade de expressão e a liberdade de reunião e de associação.
"Quando tudo o que você diz ou faz pode ser interceptado, monitorado, ou ser objeto de vigilância, há um efeito inibidor sobre o que as pessoas se sentem à vontade para dizer, sobre onde elas se sentem livres para ir e sobre com quem elas decidem estar", disse Donahoe. "Para os defensores dos direitos humanos, essas são questões críticas, porque muitas vezes elas tem a ver com problemas ou questões que os governos preferem não tratar publicamente. Não só a capacidade desses defensores de fazerem o seu trabalho é colocada em risco, mas também a sua segurança básica e a segurança de vítimas e testemunhas”.
O novo relator especial tem um amplo mandato para cobrir todos os aspectos da privacidade e deverá ser capaz de trabalhar estas questões de diversas maneiras, como:
- pela revisão sistemática de políticas governamentais sobre interceptação de comunicações digitais e coleta de dados pessoais, e identificação de quais políticas interferem na privacidade sem uma justificativa válida;
- pela identificação das melhores práticas que colocam a vigilância global sob o Estado de Direito, ajudando a garantir que os procedimentos e leis nacionais que esbarram nas questões de privacidade respeitem as obrigações da legislação internacional de direitos humanos;
- pela análise das responsabilidades do setor privado no respeito aos direitos humanos no âmbito do "Proteger, Respeitar e Reparar", presente nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, especificamente para o contexto da informação digital e tecnologias de comunicação;
- pela colaboração no desenvolvimento de normas internacionais que abordem de forma mais eficaz a interação entre privacidade, liberdade de expressão e outros direitos humanos no ambiente digital; e
- chamando atenção para os fatores que facilitam a vigilância excessiva, inclusive as mais diversas práticas e níveis de transparência sobre quais dados as empresas coletam, e como essas práticas, em muitos casos, têm uma relação direta com o que os governos são capazes de coletar e monitorar; e, ainda, trabalhando junto a outros especialistas da ONU sobre a proteção da liberdade de expressão, da liberdade de reunião pacífica e de associação, e dos defensores dos direitos humanos, para identificar ameaças aos direitos no contexto de vigilância massiva e indiscriminada, levando assim a uma abordagem mais abrangente da proteção da privacidade.
"A nomeação de um perito da ONU sobre a privacidade na era digital significa que agora temos alguém para observar aqueles que estão nos observando", disse Donahoe.