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Angola: Inúmeras Detenções e Condenações Após Despejos Forçados

Milhares Sem Casa no Distrito do Cacuaco, em Luanda

(Joanesburgo, 26 de fevereiro de 2013) – A polícia angolana deteve dezenas de pessoas que foram vítimas de despejo forçado e da demolição das suas casas no início de fevereiro de 2013, anunciou hoje a Human Rights Watch. Viviam em Maiombe, um bairro na periferia de Luanda, a capital de Angola. A 23 de fevereiro, agentes das forças de segurança impediram a delegação de um dos maiores partidos da oposição, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), de se reunir com a comunidade e prestar-lhe assistência, e agrediram alguns dos delegados.

Entre 1 e 3 de fevereiro, o governo de Angola destacou várias centenas de agentes das forças de segurança, incluindo agentes da polícia de intervenção rápida e militares, para despejar à força pelo menos 5000 residentes pobres que viviam num bairro informal chamado Maiombe, criado nos últimos anos no município do Cacuaco, na periferia de Luanda. Os residentes não receberam qualquer aviso formal sobre os despejos, o que causou o pânico. As autoridades não asseguraram acesso a abrigo alternativo às vítimas dos despejos, nem tempo suficiente para que todos pudessem evacuar os seus bens pessoais em segurança. Muitas das vítimas dos despejos são mulheres e crianças.

“Como se não bastasse despejar pessoas com força bruta, sem qualquer aviso ou tempo para se prepararem, decidem também detê-las quando já estão sem-abrigo e desamparadas”, disse Leslie Lefkow, diretora-adjunta de África da Human Rights Watch. “O governo deve garantir rapidamente que as vítimas dos despejos em Maiombe têm acesso a abrigo e são compensadas pelas perdas materiais infligidas pelas ações do governo.”

Quaisquer despejos futuros devem ser planeados de uma forma legal e ordeira, que respeite as normas internacionais e evite sofrimento desnecessário aos angolanos mais pobres, declarou a Human Rights Watch.

Desde dia 1 de fevereiro, a polícia tem levado a cabo diariamente detenções arbitrárias de vítimas dos despejos, contaram residentes à Human Rights Watch. Algumas pessoas foram detidas durante protestos, ao passo que outras foram detidas aleatoriamente.

Na primeira semana de fevereiro, pelo menos 40 dos detidos foram acusados de ocupação ilegal de terras ou desobediência e condenados a penas de prisão ou ao pagamento de multas elevadas após julgamentos sumários que não cumpriam as normas internacionais para julgamentos justos. A Human Rights Watch recebeu uma lista do tribunal com os nomes de 40 pessoas detidas a 2, 4 e 6 de fevereiro. No entanto, apesar de os residentes terem relatado detenções contínuas à Human Rights Watch, desconhecem quantas mais pessoas foram detidas desde 8 de fevereiro e se foram acusadas de algum crime.

As autoridades municipais do Cacuaco declararam que as pessoas despejadas estavam a ocupar ilegalmente terras que são propriedade do estado e que estavam destinadas a um projeto turístico do governo. A Human Rights Watch não foi capaz de determinar o estatuto jurídico das reivindicações de propriedade dos residentes da área de Maiombe. As autoridades angolanas têm o direito de despejar pessoas que ocupem terras ilegalmente. Mas as autoridades são obrigadas a levar a cabo qualquer despejo em consonância com as normas internacionais de processo justo, e de uma forma que respeite os direitos dos angolanos – incluindo o direito a habitação adequada.

A Human Rights Watch falou com residentes da área, familiares dos detidos e ativistas que documentaram os despejos, e acredita que os despejos violaram as normas nacionais e internacionais. A Human Rights Watch também falou com um membro da delegação da UNITA que tentou falar com a comunidade a 23 de fevereiro, bem como com residentes que foram impedidos de se reunirem com a delegação.

“A prioridade imediata é que o governo providencie abrigo para esta comunidade, bem como acesso a água e a outros serviços essenciais”, alertou Lefkow. “Mas as autoridades também devem parar imediatamente de submeter as vítimas de despejos forçados a detenções, a julgamentos injustos e à prisão, e de impedi-las de se reunirem com quem bem entenderem.”

Para mais detalhes, por favor veja em baixo.
 

Despejos forçados
Os despejos forçados começaram no dia 1 de fevereiro às 5 horas da manhã, tendo lançado o pânico entre os residentes. Foram destacadas várias centenas de forças de segurança, incluindo a polícia de intervenção rápida, militares e outras brigadas policiais, acompanhadas por vários helicópteros, para ajudarem a levar a cabo os despejos. Vários residentes compararam o ambiente na comunidade a uma zona de guerra, quando foram surpreendidos pelo exército e pelos buldózeres.

Os residentes não receberam qualquer aviso formal de que as suas casas – muitas das quais com telhados de chapas de zinco e algumas construídas com blocos de cimento – iam ser demolidas. Rafael Morais, coordenador da SOS Habitat, uma organização de direitos humanos dedicada à defesa dos direitos à habitação em Luanda, disse à Human Rights Watch que alguns residentes tinham ouvido rumores sobre demolições iminentes três dias antes.

As autoridades disponibilizaram uma série de veículos para transportar os residentes e os seus bens pessoais para fora de Maiombe. Mas vários residentes disseram à Human Rights Watch que não lhes foi dado tempo para recolherem os seus pertences e tiveram de abandoná-los nas suas casas demolidas.

As autoridades definiram uma área na proximidade como local de trânsito, para onde os residentes se deviam mudar e ficar a aguardar o registo de novos lotes de terra numa outra área próxima. No entanto, tanto a área de trânsito como a área de relocalização onde se situam os lotes que deverão ser atribuídos (às vítimas dos despejos) estão cobertas por mato e não possuem infraestruturas básicas, tais como estradas ou acesso a água potável. O governo começou recentemente a fazer algumas obras rodoviárias. Além disso, não está claro a quem pertence a terra. O processo de registo para a distribuição de novos lotes de terra tem sido moroso e as vítimas dos despejos têm estado a viver em abrigos precários numa área pequena. Não foram disponibilizadas tendas nem material de construção às vítimas dos despejos, apesar de as forças de segurança, que estabeleceram presença permanente nas proximidades para exercer controlo sobre a população, terem montado tendas para uso próprio.

Acrescendo à confusão e à incerteza, no dia 15 de fevereiro, a polícia informou as vítimas dos despejos de que podiam regressar a Maiombe. No entanto, residentes partilharam com Alexandre Neto, jornalista e ativista, que, no dia seguinte, a polícia afugentou quem regressou a Maiombe na esperança de voltar a ocupar os lotes de terra de que haviam sido despejados.

Residentes também disseram à Human Rights Watch que não tinham conhecimento de que estavam a ocupar ilegalmente terrenos detidos pelo estado, visto não haver nenhuma placa que os identificasse como propriedade estatal, tal como em várias outras áreas do vasto distrito do Cacuaco, em Luanda. Vários residentes disseram à Human Rights Watch que se mudaram para aquela área há um ou dois anos atrás, porque não conseguiam pagar as rendas das habitações onde viviam antes.

Um membro da comissão de residentes de Maiombe disse à Human Rights Watch que, até às eleições de agosto de 2012, as autoridades locais, no papel de quadros do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), fizeram regularmente campanha na área de Maiombe, bem como noutros bairros da periferia de Luanda, e organizaram o transporte de residentes pobres para comícios do MPLA.

“Tínhamos esperança de que o nosso bairro fosse reconhecido oficialmente”, disse.

Os despejos forçados são estritamente proibidos ao abrigo do direito internacional e, entre outras normas, violam o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), do qual Angola é parte. O artigo 11.º do pacto garante o direito a habitação adequada, no qual está incluída proteção contra despejos forçados.

Quando levam a cabo despejos legais, os governos têm de certificar-se de que as vítimas dos despejos gozam de proteção legal dos seus interesses, incluindo acesso a abrigo alternativo e direito a compensação por qualquer perda de bens pessoais. No mínimo, nenhuma pessoa pode ser condenada à miséria em resultado de um despejo.

“As autoridades devem indemnizar as pessoas pela perda das suas casas e bens pessoais”, defendeu Lefkow.

Detenções Arbitrárias e Julgamentos Injustos
Continuam a ser enviadas forças de segurança para a área de Maiombe e a Human Rights Watch foi informada por residentes de que as forças de segurança têm detido diariamente vítimas de despejos de forma aleatória. Na primeira semana de fevereiro, a polícia deteve dezenas de residentes – alguns dos quais aleatoriamente – e outros no que aparenta ser uma repressão de qualquer sinal de queixa ou protesto contra os despejos forçados.

Várias testemunhas descreveram uma repressão policial de várias centenas de manifestantes na área de Maiombe a 4 de fevereiro. "Estávamos muito desesperados e, quando a polícia chegou, alguns gritaram «Queremos as nossas casas!»", contou um dos manifestantes à Human Rights Watch. Testemunhas disseram que a polícia começou por pedir às pessoas que se acalmassem. Mas, de seguida, a polícia de intervenção rápida e as forças militares começaram a agredir os manifestantes e a fazer detenções aleatórias.

“Bateram-nos com porretes e deram-nos pontapés com as botas. Nem pouparam as mulheres, nem sequer as grávidas”, disse outra testemunha.

Na primeira semana de fevereiro, pelo menos 40 dos detidos foram levados ao tribunal municipal do Cacuaco sob a acusação de desobediência e ocupação ilegal de terras. Todos os acusados foram declarados culpados no seguimento de julgamentos sumários e condenados a penas de três a oito meses de prisão e ao pagamento de coimas até US$800.

Depois de terem sido declarados culpados, os detidos foram transferidos para a prisão de Viana em Luanda e para a prisão de Caxito na província do Bengo, a 60 km de Luanda. Devido à distância, os familiares têm dificuldade em visitá-los, apesar de, geralmente, os detidos dependerem das visitas da família para lhes trazerem comida.

Os julgamentos sumários não respeitaram as normas internacionais em matéria de processo justo, denunciou a Human Rights Watch. Apesar de ter sido atribuído aos detidos um advogado de defesa nomeado pelo tribunal, posteriormente, os arguidos disseram aos seus familiares que não estavam autorizados a contradizer as acusações tomando a palavra no tribunal ou convocando testemunhas.

Familiares que tentaram estar presentes numa sessão de tribunal no dia 6 de fevereiro disseram à Human Rights Watch que foram impedidos de entrar no edifício e que havia um dispositivo da polícia de intervenção rápida à porta do mesmo. Membros da família que conseguiram falar com os seus parentes detidos após as condenações disseram à Human Rights Watch que a única questão colocada pelo juiz na sessão do tribunal foi se os acusados eram do bairro de Maiombe.

“Os acusados não tiveram oportunidade de dizer nada além de “sim” ou “não”, e foram todos condenados imediatamente a seguir”, contou um familiar à Human Rights Watch. Os arguidos também foram sujeitos ao pagamento de multas até US$800, um valor muito elevado para famílias pobres de Luanda.

Agostinho, um residente de Maiombe detido a 4 de fevereiro, foi condenado dois dias depois a três meses de prisão e ao pagamento de uma multa no valor de US$290. O seu irmão contou à Human Rights Watch que o juiz se recusou a ouvir o testemunho de Agostinho quando este se apresentou perante o tribunal. O irmão também envidou esforços para recorrer a várias autoridades com provas relativas ao processo de Agostinho.

“Mas a polícia e a administração não mostraram qualquer interesse e não me deixaram estar presente em tribunal”, disse.

José, também detido a 4 de fevereiro, foi condenado a três meses de prisão e ao pagamento de uma coima no valor de 750 USD sob a acusação de ocupação ilegal de terras. Três familiares contaram à Human Rights Watch que José nunca residiu em Maiombe e que, por acaso, tinha chegado ao bairro no dia anterior à detenção para visitar a família.

Os eventos de fevereiro não são os primeiros casos de detenções arbitrárias e de condenações por alegada ocupação de terras no Cacuaco. Em setembro, funcionários do tribunal do Cacuaco contaram à Human Rights Watch que nos dois meses anteriores, o tribunal tinha condenado 141 pessoas por desobediência, alegadamente pela ocupação ilegal de terras. Foram condenados à prisão com pena suspensa e ao pagamento de multas.

Restrições à Liberdade de Expressão e Recusa de Assistência
Na manhã de 23 de fevereiro, agentes da polícia de intervenção rápida, assistidos por vários helicópteros policiais a voar a baixa altitude, impediram, à força, uma delegação de 50 membros do principal partido da oposição, a UNITA, encabeçada pelo presidente do partido, Isaías Samakuva, de se reunir com a comunidade de Maiombe e de lhe disponibilizar assistência, incluindo água e comida.

Segundo o noticiário da noite do canal de televisão do estado, a Televisão Pública de Angola (TPA), um comandante da polícia disse que a delegação estava "a tentar entrar numa zona de segurança" e foi impedida de o fazer por razões de segurança. Outros comentadores televisivos disseram que a UNITA pretendia perturbar o trabalho da administração e “incitar à violência e à desobediência.”

Um membro da delegação, Adriano Sapiñala, disse à Human Rights Watch que as forças de segurança formaram dois cordões para impedir a delegação da UNITA de ter acesso aos residentes de Maiombe. Sapiñala disse que a polícia utilizou porretes e que o agrediram a si, a um membro do Parlamento, José Pedro Katchiungo, e à líder da Liga da Mulher Angolana (LIMA), a ala feminina da UNITA, quando avançavam à frente da delegação, em direção aos residentes. Também disse que agentes da polícia começaram a apreender telefones e Ipads, no que aparenta ter sido uma tentativa de impedir as pessoas de porem imagens e vídeos dos acontecimentos a circular.

Membros da comunidade de Maiombe disseram à Human Rights Watch que tinham tentado reunir-se com a delegação porque estavam desesperados por comida e água.

“O governo não tem o direito de recusar aos seus cidadãos a assistência de que tanto necessitam, quer esta venha do governo, de um partido da oposição ou de outras proveniências”, alertou Lefkow.

Uma História de Despejos Forçados
Desde o final da guerra civil em 2002, o governo de Angola tem um historial de levar a cabo despejos forçados abusivos e em massa.

Em 2010, estima-se que 25 000 pessoas foram vítimas de despejos forçados no Lubango, a capital provincial da província da Huila, sem qualquer aviso ou disponibilização de habitação alternativa e de serviços, provocando uma crise humanitária. Planos oficiais para despejar à força mais 3500 pessoas no Lubango em 2011 foram abandonados na sequência da pressão popular.

Em 2009, as autoridades destruíram 3000 casas nos bairros Iraque e Bagdad em Luanda, deixando cerca de 15 000 pessoas sem-abrigo, sem que tivessem providenciado qualquer habitação alternativa.

Em 2007, a Human Rights Watch e a SOS Habitat publicaram um relatório conjunto intitulado “Eles Partiram as Casas: Despejos Forçados e Insegurança da Posse da Terra para os Pobres da Cidade de Luanda”, que documenta 18 despejos em massa em Luanda, levados a cabo entre 2002 e 2006, que também afetaram cerca de 20 000 pessoas, na totalidade.
 

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