(Washington, D.C.) – A Human Rights Watch afirmou hoje que a decisão de procuradores da Repúblicade apresentar denúncia contra um coronel da reserva por graves abusos cometidos na década de 70 é um passo histórico para a responsabilização destes atos no Brasil.
Procuradores da República anunciaram no dia 13 de março, terça-feira, a acusação contra o Coronel Sebastião Curió Rodrigues de Mourade“sequestro qualificado” devido a seu suposto envolvimento em cinco desaparecimentos forçados no estado do Pará em 1974. A denúncia será protocolada essa semana e um juiz federal determinaráse o caso irá a julgamento.
Trata-se da primeira denúncia criminal a ser apresentada contra um oficial brasileiro por crimes contra os direitos humanos cometidos durante o regime militar no país (1964-1985). Neste período, mais de 475 pessoas foram vítimas de desaparecimento forçado e milhares foram ilegalmente detidas ou torturadas.
“Essa é uma grande notícia para as famílias que perderam seus entes queridos na violenta onda de repressão que se seguiu ao golpe de 1964”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor executivo da Divisão das Américas da Human Rights Watch. “Quase 30anos após a transição democrática no Brasil, esses familiarescontinuam esperando por justiça”.
As cinco pessoas que teriam desaparecido eram membros de um movimento guerrilheiro e foram detidas durante operações militares em 1974. Segundo procuradores da República, testemunhas as viram pela última vez sob custódia militar. Até hoje, o destino delas permanece incerto.
A lei de anistia de 1979 impediu a realização de processos criminais relacionados aos abusos cometidos durante o regime militar. Em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou, em Gomes-Lund et al. (Guerrilha do Araguaia) v. Brasil,que “as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanossão incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a punição dos responsáveis”.
Posteriormente, o Congresso Nacional aprovou uma lei criando uma comissão da verdade para investigar graves violações de direitos humanos ocorridas desde 1946 atéo fim do regime militar. No entanto, não houve progresso na responsabilização criminal dos autores de tais violações.
O desaparecimento forçado é absolutamente proibido pelo direito internacional. Não é justificável no contexto de conflitos armados ou operações policiais, podendo constituir um crime de guerra ou crime contra a humanidade.
Como membro da Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado, ratificada pelo Brasil em novembro de 2010, o país deve cumprir obrigações específicas para garantir que, sempre que houver crime, haja investigação e processo penal, além de uma reparação legal para a vítima. O Brasil não apresentou reservas a respeito da aplicação da Convençãoa casos de desaparecimentos em curso ou anteriores à ratificação dessa Carta.
Além disso, o princípio da irretroatividade da lei penal não impede a punição de atos reconhecidos como criminosos pelo direito internacional no momento em que ocorreram, afirmou a Human Rights Watch. O Artigo 15 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), ratificado pelo Brasil em 1992, dispõe especificamente que “nenhuma disposição do presente Pacto impedirá o julgamento ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações”.
“Visto que os líderes políticos não revogarama lei de anistia, cabe aos procuradores da Repúblicae aos tribunais garantir que o Brasil cumpra sua obrigação internacional de levarà justiça os responsáveis pelas atrocidades do passado”, disse Vivanco.