A democracia brasileira exerce grande influência em assuntos regionais e globais, porém continua enfrentando sérios desafios internos na área de direitos humanos. Diante de altos índices de criminalidade, alguns policiais brasileiros cometem abusos ao invés de seguirem políticas legítimas de policiamento. Autoridades judiciais que tentam responsabilizar policiais por atos ilegais sofrem ameaças de violência. Em agosto de 2011, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada a tiros na porta de sua residência no Estado do Rio de Janeiro, aparentemente em represália à sua ordem de prisão de policiais suspeitos de assassinato.
Diversos centros de detenção no Brasil estão superlotados, longos períodos de prisão provisória são a regra, e a tortura continua sendo um proble ma grave. O trabalho forçado persiste em alguns estados apesar de esforços do governo federal para erradicá-lo.
Segurança Pública e Conduta Policial
Muitas áreas metropolitanas do Brasil são assoladas por violência cometida por gangues criminosas e policiais abusivos. A violência afeta principalmente comunidades de baixa renda. No Rio de Janeiro, por exemplo, traficantes de drogas que rotineiramente cometem crimes violentos e extorsão controlam centenas de favelas. Em novembro de 2010, facções do crime organizado iniciaram uma onda de ataques nas ruas da cidade, ateando fogo em carros e promovendo assaltos em massa, gerando um deslocamento maciço de forças policiais e do exército para a comunidade do Complexo do Alemão.
O abuso policial é um problema crônico e inclui execuções extrajudicias. Segundo dados oficiais, a polícia foi responsável por 372 mortes no Estado do Rio de Janeiro e 252 mortes no Estado de São Paulo nos seis primeiros meses de 2011. Policiais frequentemente alegam que tratam-se de “autos de resistência” ou “resistências seguidas de morte” que ocorrem em confrontos com criminosos. Embora muitas mortes provocadas pela polícia sejam, sem dúvida, resultado do uso legítimo da força, muitas outras não o são, fato este documentado pela Human Rights Watch e outros grupos, e também reconhecido por autoridades da justiça criminal brasileira.
Esforços de reforma deixam a desejar porque os sistemas de justiça criminal dos estados dependem quase exclusivamente de investigadores da polícia para resolver esses casos, deixando a polícia em grande parte encarregada de policiar a si própria. Em 2010, o procurador-geral do Estado de São Paulo deu um passo importante para resolver o problema da violência policial, estabelecendo que todos os casos envolvendo suposto abuso policial seriam investigados por uma unidade especial do Ministério Público.
O Estado do Rio de Janeiro lançou o Sistema de Metas e Acompanhamento de Resultados em 2009, segundo o qual policiais recebem uma compensação financeira ao atingirem metas de redução de criminalidade. Essas metas foram redefinidas em janeiro de 2011 e passaram a incluir homicídios cometidos por policiais. Além disso, quase 20 Unidades da Polícia Pacificadora (UPPs) foram instaladas no Rio de Janeiro desde 2008, a fim de estabelecer uma presença policial eficaz em certas comunidades. Entretanto, o Estado ainda não tomou medidas adequadas para garantir que policiais culpados de abusos sejam responsabilizados.
Diversas comunidades do Rio de Janeiro antes controladas pelo tráfico de drogas estão agora nas mãos de milícias integradas por policiais da ativa, ex-policiais civis e militares, agentes penitenciários e bombeiros. Tais milícias cobram dos residentes taxas ilegais por ligações clandestinas de luz, gás e outros serviços, além de transporte e segurança, e foram implicadas em execuções sumárias e o seqüestro e tortura de jornalistas que investigavam suas atividades. Em outubro de 2011, o deputado estadual Marcelo Freixo (RJ) anunciou que deixaria o Brasil após receber várias ameaças de morte. Em 2008, Freixo havia presidido a Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias na Assembléia Legislativa do Rio, a qual levou ao indiciamento de diversas pessoas. Desde então, Freixo vem denunciando relações entre determinadas milícias e políticos locais.
Juízes e magistrados que aceitam denúncias contra milicianos sofrem ameaças. Em agosto de 2011, a juíza Patrícia Acioli foi assassinada a tiros na porta de sua casa na cidade de São Gonçalo, aparentemente em represália ao mandado de prisão que havia expedido contra policiais suspeitos de assassinato. Antes do atentado, ela havia recebido quatro ameaças de morte. O ex-comandante da polícia militar do Rio de Janeiro pediu demissão imediatamente e diversos policiais de São Gonçalo foram indiciados. No entanto, a Associação Brasileira de Magistrados relatou que o número de funcionários do judiciário que solicitaram proteção do governo aumentou em 400% desde o assassinato de Patrícia Acioli.
Condições Carcerárias, Tortura e Maus-Tratos
Muitas prisões e cadeias brasileiras são violentas e superlotadas. Segundo o INFOPEN, Sistema de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça, a taxa de encarceramento no Brasil triplicou nos últimos 15 anos e a população carcerária atualmente é superior a meio milhão de pessoas. Atrasos no sistema judiciário contribuem para a superlotação carcerária: quase metade dos detentos está cumprindo prisão provisória. No dia 4 de julho de 2011, o Congresso aprovou uma lei que proíbe a prisão provisória para crimes puníveis com menos de quatro anos de detenção.
A tortura é um problema recorrente em centros de detenção e delegacias em grande parte do país. Um relatório de 2010 da Comissão Pastoral Carcerária documentou casos de tortura em 20 dos 26 estados brasileiros. Taxas de incidência de AIDS e tuberculose em presídios brasileiros são superiores às taxas da população em geral. Condições desumanas facilitam a disseminação de doenças e o atendimento médico de prisioneiros continua inadequado. No início de setembro de 2011, centenas de detentos no Estado do Maranhão se rebelaram contra a prisão provisória prolongada, instalações insalubres, acesso limitado à água potável, e o abuso sexual por guardas penitenciários. Facções rivais mataram pelo menos 18 prisioneiros.
No dia 30 de setembro de 2011, a Presidente Dilma Roussef propôs a criação de um mecanismo nacional – o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – para monitorar centros de detenção em todo país e investigar alegações de tortura e maus-tratos.
Saúde da Mulher e Direitos Reprodutivos
Embora a taxa de mortalidade materna tenha caído significativamente nas duas últimas décadas, as estatísticas nacionais escondem sérias disparidades raciais, econômicas, regionais, e rurais ou urbanas. Em agosto de 2011, o Comitê da ONU para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher concluiu que no caso de Alyne da Silva Pimentel, que morreu por falta de atendimento médico adequado, o Brasil havia descumprido sua obrigação de garantir às mulheres "serviços apropriados relativos à gestação, ao parto e ao pós-parto.”
O Código Criminal Brasileiro criminaliza o aborto exceto em casos de estupro ou quando necessário para salvar a vida da mãe. Mulheres e jovens que procuram o procedimento voluntariamente estão sujeitas a penas de até três anos de prisão e seus médicos a penas de até dez anos. Invasões a clínicas de planejamento familiar e processos penais dificultam ainda mais o acesso de mulheres e jovens aos serviços de saúde reprodutiva. Atualmente há mais de 40 projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados para restringir o acesso aos métodos contraceptivos ou punir o aborto de forma mais rígida. O Ministério da Saúde calcula que todos os anos mais de um milhão de abortos ilegais são realizados e centenas de mulheres e jovens procuram atendimento médico devido a complicações decorrentes de abortos ilegais.
Orientação Sexual e Identidade Sexual
Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável para casais do mesmo sexo em virtude da garantia constitucional de não-discriminação em função de sexo, raça, cor ou preferência sexual. Pela decisão do Supremo, os homossexuais passam a ter reconhecido o direito de receber pensão alimentícia, ter acesso à herança de seu companheiro em caso de morte, podem ser incluídos como dependentes nos planos de saúde, e poderão adotar filhos e registrá-los em seus nomes, dentre outros direitos. No mês seguinte, um tribunal de primeira instância do Estado de São Paulo reconheceu o primeiro casamento civil entre parceiros do mesmo sexo no Brasil. Em outubro, o Superior Tribunal da Justiça criou outro precedente importante ao interpretar que o Código Civil Brasileiro permite o casamento entre parceiros do mesmo sexo.
Trabalho Forçado
Desde 1995, o governo federal tem dado passos importantes para erradicar o trabalho forçado, inclusive com a criação de unidades de investigação móvel para examinar as condições nas áreas rurais e a publicação de uma “lista suja do trabalho escravo”, um cadastro de pessoas físicas e jurídicas flagradas explorando mão de obra escrava. Dados oficiais sugerem que mais de 39.000 trabalhadores foram libertados desde 1995. No entanto, a Comissão Pastoral da Terra relatou que mais de 4.000 trabalhadores foram coagidos a fazer trabalho forçado em 2010. A responsabilização penal de empregadores infratores ainda é relativamente rara.
Violência no Campo
Líderes indígenas e trabalhadores sem-terra continuam sofrendo ameaças e violência. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 34 pessoas foram mortas e 55 foram vítimas de tentativas de assassinato em todo o país em 2010. Mais de 1.900 ativistas rurais receberam ameaças de morte na última década e 42 destes foram assassinados. O Estado do Pará registra grande número de episódios de violência rural e as áreas de fronteira nos estados do Maranhão, Mato Grosso e Rondônia estão cada vez mais perigosas tanto para ambientalistas como autoridades do governo.
Confrontando Abusos do Passado
O Brasil concedeu mais de US$ 1 bilhão em indenizações para pelo menos 12.000 vítimas de abusos cometidos por oficiais do estado durante a ditadura militar (1964-1985). No dia 26 de outubro de 2011, o Congresso aprovou uma lei criando uma Comissão Nacional da Verdade para “examinar e esclarecer” os abusos de direitos humanos perpetrados entre 1946 e 1988.
No entanto, houve pouco progresso no julgamento de pessoas responsáveis por atrocidades durante a ditadura. A Lei de Anistia de 1979 tem sido interpretada como impedindo processos penais contra oficiais do estado, uma interpretação que foi endossada pelo Supremo Tribunal Federal em abril de 2010.
Liberdade de Expressão e Acesso à Informação
Em julho de 2009, um juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios concedeu uma liminar proibindo o jornal O Estado de São Paulo de publicar reportagens com informações da Operação Faktor. O recurso judicial foi apresentado pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney. Apesar de acirradas críticas por parte de organizações nacionais e internacionais em prol da liberdade de imprensa, o Supremo Tribunal Federal manteve a liminar em dezembro de 2009.
Em decisão unânime, no dia 15 de junho de 2011 o Supremo Tribunal Federal liberou a realização dos eventos chamados “marcha da maconha”, que reúnem manifestantes favoráveis à descriminalização da droga. Para os ministros, os direitos constitucionais de reunião e de livre expressão do pensamento garantem a realização dessas marchas. Alguns juízes estaduais haviam proibido tais manifestações alegando que estimulavam ou glorificavam o uso de drogas.
Em setembro de 2011, Vanderlei Canuto Leandro, apresentador de um programa da Rádio Frontera, foi assassinado por agressores não identificados na cidade de Tabatinga, no Estado do Amazonas, supostamente em represália às suas investigações de corrupção de funcionários do governo local. Este foi o quinto assassinato de jornalistas no Brasil em 2011, segundo o relator especial do Sistema Interamericano para a liberdade de expressão.
Principais Atores Internacionais
O Sistema Interamericano tem desempenhado um papel chave no tratamento de questões relacionadas aos direitos humanos. Em maio de 2010, a relatora especial da ONU sobre formas contemporâneas de escravidão instou o Brasil a aumentar esforços para eliminar brechas na legislação brasileira que perpetuam a prática do trabalho escravo em áreas rurais.
Em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos. Em resoluções de fevereiro e setembro de 2011, a Corte também instruiu o Estado do Espírito Santo a tomar medidas com relação a casos de abusos contra adolescentes detidos na Unidade de Internação Socioeducativa (UNIS).
Em abril de 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu medidas cautelares contra o Brasil solicitando a suspensão da obra da usina hidroelétrica de Belo Monte, prevista para ser a terceira maior do mundo, devido a uma alegada falta de consulta prévia aos povos indígenas afetados. O governo da presidente Dilma Rousseff rejeitou publicamente as medidas cautelares da comissão, chamando-as de “prematuras e injustificadas”. No dia 29 de julho de 2011, a comissão modificou suas medidas cautelares com base em informações prestadas pelo governo brasileiro. No entanto, em setembro de 2011 a 9ª Vara Federal proibiu obras no leito do Rio Xingu que poderiam trazer prejuízos para a comunidade ribeirinha. O consórcio responsável pela construção da represa recorreu da decisão em novembro.
O Brasil se destacou como voz importante e influente em debates na ONU sobre medidas internacionais contra violações de direitos humanos. Em reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU entre julho de 2010 e junho de 2011, o Brasil votou favoravelmente a resoluções referentes aos casos de muitos países, dentre os quais o Sudão, Coréia do Norte, Irã, Bielorrússia e Síria. Entretanto, na reunião do Conselho de Segurança da ONU realizado em outubro de 2011, o Brasil não apoiou uma resolução condenando a violência patrocinada pelo governo da Síria.