Atualização: A Human Rights Watch recebe com satisfação o compromisso da Ucrânia de analisar minuciosamente o relatório abaixo sobre minas terrestres antipessoal, conforme anunciado em uma declaração do Ministério das Relações Exteriores em 31 de janeiro. Esperamos que o governo promova uma investigação imediata, completa e imparcial sobre nossas descobertas. Estamos abertos à continuação do diálogo com as autoridades ucranianas sobre esta questão.
(Kyiv, 31 de janeiro de 2023) – A Ucrânia deveria investigar o possível uso de milhares de minas terrestres antipessoal por seus militares disparadas por foguetes dentro e ao redor da cidade oriental de Izium quando as forças russas ocuparam a área, disse a Human Rights Watch hoje.
A Human Rights Watch documentou vários casos em que foguetes carregando minas antipessoal PFM, também chamadas de “minas borboleta” ou “minas pétalas”, foram disparados contra áreas ocupadas pela Rússia perto de instalações militares russas. A Ucrânia é um Estado parte do Tratado de Proibição de Minas de 1997, que proíbe qualquer uso de minas antipessoal.
As forças russas usaram minas antipessoal em várias áreas da Ucrânia, incluindo armadilhas ativadas por vítimas, desde a invasão em grande escala da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. A Human Rights Watch publicou anteriormente três relatórios documentando o uso de minas terrestres antipessoal pelas forças russas na Ucrânia em 2022.
“Aparentemente, as forças ucranianas espalharam, por uma vasta área, minas terrestres em Izium, causando mortes civis e representando um risco contínuo”, disse Steve Goose, diretor da Divisão de Armas da Human Rights Watch. “As forças russas usaram repetidamente minas antipessoal e cometeram atrocidades em todo o país, mas isso não justifica o uso ucraniano dessas armas proibidas”.
Enquanto a maioria dos tipos de minas antipessoal são colocadas manualmente, as minas antipessoal PFM, usadas em Izium e arredores, opera quando espalhado por aeronaves, foguetes e artilharia, ou quando disparadas de veículos ou lançadores especializados. O uso de minas antipessoal viola o direito humanitário internacional por ser um armamento que não distingui civis e combatentes. Minas terrestres ativadas impulsionam o deslocamento, impedem a entrega de ajuda humanitária e impedem as atividades agrícolas.
Os militares russos tomaram Izium e as áreas vizinhas em 1º de abril e exerceram controle total até o início de setembro, quando as forças ucranianas iniciaram uma contraofensiva. Durante a ocupação, as forças russas detiveram, interrogaram e torturaram arbitrariamente residentes e, em alguns casos, desapareceram à força e mataram civis.
A Human Rights Watch conduziu uma investigação no distrito de Izium de 19 de setembro a 9 de outubro, entrevistando mais de 100 pessoas, incluindo testemunhas do uso de minas terrestres, vítimas de minas terrestres, socorristas, médicos e sapadores (desarmadores de minas terrestres) ucranianos. Todos os entrevistados disseram ter visto minas no solo, conheciam alguém que foi ferido por uma ou foram avisados dapresença de minas durante a ocupação russa de Izium.
A Human Rights Watch documentou o uso de minas PFM em nove áreas diferentes dentro e ao redor da cidade de Izium e verificou 11 vítimas civis dessas minas.
Profissionais de saúde disseram que trataram cerca de 50 civis, incluindo pelo menos cinco crianças, que possivelmente foram feridos por minas antipessoal na região durante ou após a ocupação militar russa. Cerca de metade das lesões envolveram amputações traumáticas do pé ou da perna, lesões consistentes com minas explosivas PFM. Os pesquisadores não conseguiram determinar se militares russos foram feridos ou mortos em ataques com foguetes que dispersaram minas terrestres.
“Eles estão por toda parte”, disse um sapador ucraniano, referindo-se às minas PFM na área de Izium. Os desminadores estimaram que poderia levar décadas para limpar a área de minas terrestres e outras munições não detonadas.
A Human Rights Watch viu evidências físicas do uso de minas antipessoal da PFM em sete das nove áreas dentro e ao redor de Izium. Isso inclui minas não detonadas, restos de minas e estojos de metal que carregam as minas nos foguetes. Em vários locais, os pesquisadores observaram padrões de explosão consistentes com a quantidade de explosivo contido em minas antipessoal PFM. Nas outras duas áreas, várias testemunhas disseram ter visto minas que correspondiam à descrição das minas PFM.
Em seis das nove áreas, testemunhas descreveram ataques consistentes com minas terrestres lançadas por foguetes de artilharia. Em três locais na área de Izium, a Human Rights Watch observou como o motor de um foguete de artilharia da série Uragan, que pode ser usado para dispersão de minas, ficou alojado no solo ou atingiu um prédio de tal forma que indicava que teria vindo da direção onde as forças ucranianas controlavam o território e estavam dentro do alcance máximo de 35 quilômetros desses foguetes, no momento do ataque.
As nove áreas estavam todas perto de onde as forças militares russas estavam posicionadas na época, sugerindo que elas eram o alvo. As forças russas estavam se retirando dessas posições no início de setembro, mas testemunhas disseram que os dois ataques documentados pela Human Rights Watch em 9 e 10 de setembro ocorreram quando as forças russas ainda estavam presentes nessas áreas.
Mais de 100 moradores de Izium e arredores disseram que as forças russas ou as autoridades de ocupação colocaram e distribuíram panfletos para alertar sobre o perigo das minas terrestres. Eles também retiraram minas terrestres de áreas públicas e de propriedade privada de civis e levaram algumas vítimas de minas para a Rússia para receber cuidados médicos – ações incoerentes com o ser responsável pela colocação das minas. A Human Rights Watch entrevistou duas vítimas de minas terrestres que disseram que as forças russas as transferiram de helicóptero militar para a Rússia para receber cuidados médicos.
A Human Rights Watch documentou o uso de outros tipos de minas antipessoal pela Rússia na Ucrânia, mas não verificou as alegações de forças russas usando minas PFM no conflito armado.
O Tratado de Proibição de Minas de 1997 proíbe totalmente as minas antipessoal e exige a destruição de estoques, limpeza de áreas minadas e assistência às vítimas. A Ucrânia assinou o Tratado de Proibição de Minas em 24 de fevereiro de 1999 e ratificou-o em 27 de dezembro de 2005. A Rússia não aderiu ao tratado, mas ainda viola o direito internacional ao usar minas antipessoal devido à sua natureza inerentemente indiscriminada. O Tratado de Proibição de Minas entrou em vigor em 1º de março de 1999, e seus 164 estados incluem todos os estados membros da OTAN, exceto os EUA, e todos os Estados membros da União Européia.
A Ucrânia herdou um estoque substancial de minas antipessoal após a dissolução da União Soviética. Destruiu mais de 3,4 milhões de minas antipessoal entre 1999 e 2020, incluindo minas PFM. Em 2021, a Ucrânia relatou ao secretário-geral da ONU que 3,3 milhões de minas PFM armazenadas ainda precisavam ser destruídas. De acordo com autoridades ucranianas, o único tipo de mina antipessoal remanescente nos estoques da Ucrânia são minas PFM contidas em foguetes 9M27K3 de 220 mm. A Human Rights Watch documentou anteriormente o uso de minas antipessoal na Ucrânia em 2014 e 2015 por grupos armados apoiados pela Rússia.
De acordo com o Artigo 20 do Tratado de Proibição de Minas, um Estado envolvido em um conflito armado não pode se retirar do tratado antes do final do conflito armado. O tratado também não está sujeito a reservas.
A Human Rights Watch enviou uma série de perguntas sobre o uso de minas terrestres antipessoal de PFM em Izium e arredores aos Ministérios de Defesa e Relações Exteriores da Ucrânia e ao Gabinete do Presidente em 3 de novembro e solicitou uma reunião. A Human Rights Watch também contatou vários funcionários do governo para facilitar uma reunião.
Em 23 de novembro, o Ministério da Defesa respondeu por escrito, dizendo que os militares cumprem suas obrigações internacionais, incluindo a proibição do uso de quaisquer minas antipessoal, mas sem abordar nenhuma das questões sobre o uso de minas PFM em Izium e arredores, observando que “as informações sobre os tipos de armas usadas pela Ucrânia ... não devem ser comentadas antes do fim da guerra”.
Na 20ª Reunião dos Estados Partes do Tratado de Proibição de Minas em 24 de novembro de 2022, a Ucrânia disse que é uma “parte responsável” do tratado e “nunca considerou” usar seus estoques de minas antipessoal para fins defensivos.
A Ucrânia deveria se comprometer novamente com as proibições estritas do Tratado de Proibição de Minas, abrir uma investigação sobre o possível uso recente de minas antipessoal PFM, responsabilizar os envolvidos e tomar medidas para proteger e destruir seus estoques de minas antipessoal, disse a Human Rights Watch. A Ucrânia também deveria garantir que tenta identificar e ajudar as vítimas, inclusive fornecendo compensação adequada e oportuna, assistência médica e de outros tipos, como o fornecimento de próteses quando apropriado e apoio contínuo à reabilitação, incluindo apoio psicossocial.
A Rússia deveria parar de usar minas terrestres antipessoal devido à sua natureza indiscriminada, investigar o uso delas por suas forças e aderir ao Tratado de Proibição de Minas, disse a Human Rights Watch.
A Human Rights Watch co-fundou e preside a Campanha Internacional para a Proibição de Minas Terrestres (ICBL, na sigla em inglês), co-laureada com o Prêmio Nobel da Paz em 1997.
“Qualquer uso de minas terrestres antipessoal é ilegal, e a Ucrânia deveria investigar minuciosamente o que aconteceu e garantir que suas forças não as usem”, disse Goose. “As autoridades também deveriam garantir que a assistência seja prestada a qualquer civil ou familiar que tenha sido ferido ou morto por essas armas indiscriminadas”.
Para obter mais informações sobre os incidentes com minas terrestres documentados pela Human Rights Watch e a resposta do governo ucraniano, consulte abaixo em inglês.