Em uma mistura de descrença e desespero, observei pessoas fugindo da guerra. Pessoas paradas na beira da estrada no escuro, se aquecendo com fogueiras improvisadas. Uma mulher ninando uma criança pequena. Um cachorro espiando pela mochila de um homem. Um carrinho abandonado na beira da estrada. Uma mala deixada para trás.
Enquanto dirigíamos em direção a Lviv, a cerca de 75 quilômetros da fronteira da Ucrânia com a Polônia, vimos uma fila quase imóvel de carros na estrada para a Polônia que se estendia por quilômetros. Muitas pessoas estavam caminhando para a fronteira. Uma mulher chamada Sofia, de Lviv, com quem falei por telefone, disse que entrou na fila com seu carro naquela noite. Quatorze horas depois, ela ainda estava na fila com uma amiga e os dois filhos dela, de 2 e 5 anos. Eles finalmente chegaram à Polônia três dias depois.
Outra mulher com quem conversei, Oksana, passou três noites na fronteira romena em um carro com a mãe, dois cachorros, uma filha de 8 anos e um bebê. “Estamos nos movendo muito devagar”, ela me disse pelo telefone. “Hoje avançamos 200m. Temos comida e água que trouxemos conosco, mas estamos exaustas”.
Encontramos várias explicações diferentes sobre o porquê da travessia estar sendo dolorosamente tão lenta. Várias pessoas me disseram que era porque muitas pessoas estavam atravessando a fronteira a pé, retardando o progresso dos carros. Mariia, uma organização voluntária de apoio do lado polonês, disse que os guardas da fronteira ucraniana disseram que seus sistemas eletrônicos estavam repetidamente inoperantes, possivelmente devido a ataques cibernéticos DDoS. Seja qual for o motivo, as pessoas que esperam horas a pé ou em carros em filas quilométricas, suportando temperaturas congelantes, precisam urgentemente de comida, água, acesso a banheiros portáteis, aquecimento e similares.
Como Sofia disse: “Estamos bem, mas vejo pessoas passando e é uma distância enorme para caminhar… As pessoas aqui precisam de mais cuidados, comida, banheiros… talvez lugares para se aquecer”.
Yulia, uma mulher de 41 anos de Lviv, me contou sobre sua experiência ao pegar um trem de evacuação de Lviv em 25 de fevereiro com seu filho de 5 anos: “Saímos porque moramos no quinto andar, sem abrigo antiaéreo. Nosso trem para a Polônia partiria depois da meia-noite, mas chegamos à estação de trem mais cedo, por causa do toque de recolher”. Yulia disse que todo o processo foi extremamente bagunçado.
“Nosso horário de embarque no trem estava no quadro eletrônico, depois sumiu. Pessoas com crianças pequenas e malas corriam de um lado para o outro tentando encontrar sua plataforma. Você não conseguia encontrar nenhuma informação, não há lugar para onde você possa ligar.”
Quando o trem chegou, apenas mulheres, crianças, idosos e alguns cidadãos não ucranianos foram autorizados a embarcar. Trinta minutos após a partida, o trem superlotado parou por cerca de 2,5 horas. Em algum momento, disse Yulia, um guarda de fronteira ucraniano recolheu os passaportes das pessoas e saiu, dizendo que, como o trem tinha mais de 1.000 passageiros, o processo seria longo. Quando ela e seu filho chegaram à Polônia, eles estavam na estrada há 14 horas com quase nenhuma água e pouca comida.
Os ucranianos com quem conversei disseram que sua partida era temporária e pretendiam voltar assim que fosse seguro. “Meu marido ficou para trás e se juntou às forças de defesa voluntárias”, disse-me Yulia com orgulho. “Vou voltar para casa assim que puder.”
O número de refugiados da Ucrânia que cruzaram para a Polônia, Hungria, Romênia, Moldávia e outros países chegou a 500.000 e continua a aumentar rapidamente. Os ucranianos com quem conversei que cruzaram a fronteira para a Polônia e a Romênia elogiaram a recepção calorosa e generosa que receberam das populações anfitriãs.
Mas nem todos que fogem da guerra são ucranianos – dezenas de milhares de estrangeiros estão tentando voltar para casa, mas enfrentam desafios assustadores. Em 27 de fevereiro, o governo nigeriano divulgou uma declaração alegando tratamento injusto de nigerianos pela polícia ucraniana e guardas de fronteira, bem como “relatos separados de funcionários poloneses simplesmente recusando a entrada de cidadãos nigerianos na Polônia a partir da Ucrânia”. Yulia relatou que quando seu trem para a Polônia parou, ela testemunhou um guarda de fronteira ucraniano removendo um grande grupo de pessoas negras, que não eram ucranianas, do trem.
Quando falei com Ahmed, um estudante de medicina da Índia, ele estava enfrentando o mesmo desafio que dezenas de milhares de ucranianos – presos na enorme fila na estrada para cruzar a fronteira. Ele estava em um carro com outros sete estudantes, também da Índia, esperando na fila da fronteira Korczowa-Krakovets para a Polônia. Ahmed tinha ficado na fila a noite inteira, mas avançou apenas um quilômetro. Seus amigos se reuniram ao redor, ouvindo nossa conversa, tremendo no vento gelado. Ao longo da noite, eles ligaram e desligaram o motor para economizar combustível e se manterem aquecidos no carro.
Ahmed estava na Ucrânia há apenas dois meses quando a guerra começou, tendo chegado a Kiev para seus estudos em meados de dezembro. “Quando as explosões começaram [em Kiev], eu não aguentei”, disse ele, acrescentando que, até onde sabia, havia pelo menos 20.000 estudantes indianos tentando sair. Muitos já haviam cruzado a fronteira para a Polônia e estavam em aviões para casa. Ele não tinha ouvido falar de nenhum problema importante na fronteira. “Tinha tanta gente saindo que eu estava com medo de que houvesse uma debandada. Deixei minha mala na estação de Kiev. Eu me importo com a vida, não com as coisas.”
“Peço a Deus que todos atravessem”, disse Ahmed, acenando com a mão para a fila de carros à frente. Nesse ponto ele ainda estava a 30 quilômetros da fronteira.
Outros cidadãos não ucranianos que tentaram sair também enfrentaram problemas. Na estação de trem de Lviv, um colega e eu conversamos com um grupo de estudantes do Marrocos fugindo de Kharkiv, que foi fortemente e repetidamente bombardeada nos últimos dias. Os estudantes marroquinos estavam cansados e famintos e pareciam totalmente aterrorizados. Eles disseram que dormiram no chão da estação de trem por duas noites, porque os trens estavam tão lotados que eles simplesmente não podiam embarcar. Um deles machucou o pé. As autoridades marroquinas os disseram para irem para a Eslováquia.
A Ucrânia está se defendendo contra o ataque das forças russas. As autoridades ucranianas estão compreensivelmente em modo de crise e suas capacidades de resposta foram muito reduzidas. Mas pelo que testemunhei e ouvi, as pessoas que esperam cruzar a fronteira precisam de acesso a comida, água, saneamento e, idealmente, lugares aquecidos. A assistência humanitária é urgentemente necessária, e todos os esforços devem ser feitos para garantir que aqueles que podem prestá-la sejam capazes de fazê-lo. Da mesma forma, as autoridades ucranianas devem procurar garantir que não haja atrasos desnecessários nas passagens de fronteira e que os cidadãos estrangeiros possam sair em igualdade de condições com os demais.