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Especialistas apontam mais de 100 empresas capazes de produzir vacinas de mRNA contra a Covid-19

Os governos dos EUA e da Alemanha devem pressionar os fabricantes de vacinas a transferir tecnologia de forma mais ampla

Empresas com fabricas de produtos farmacêuticos injetáveis estéreis que possuem certificação de Boas Práticas de Fabricação (GMP, sigla em inglês) concedida pela Agência Europeia de Medicamentos e/ou US Food and Drug Administration e/ou Organização Mundial de Saúde. Fonte: https://accessibsa.org/mrna, dezembro de 2021. © 2021 Human Rights Watch

(Washington) - A nova variante da Covid-19 reforça os perigos do acesso extremamente desigual às vacinas contra Covid-19 e da concentração da produção nos EUA e na Europa. Junto à outras organizações, a Human Rights Watch escreveu aos governos dos EUA e da Alemanha instando-os a utilizar uma nova lista – publicada hoje por especialistas – que identifica mais de 100 empresas na África, Ásia e América Latina com potencial para produzir vacinas de mRNA.

Essa nova lista deixa claro que é possível aumentar a produção de vacinas de mRNA fora dos Estados Unidos e da Europa. Isso ilustra que as empresas que desenvolveram vacinas de mRNA seguras e eficazes contra a Covid-19 não estão compartilhando amplamente seu conhecimento e tecnologia com fabricantes competentes. Os governos dos Estados Unidos e da Alemanha devem tomar todas as medidas disponíveis para garantir que os fabricantes de vacinas para Covid-19 transfiram tecnologia com urgência para outros fabricantes competentes da África, Ásia e América Latina e para o Hub de tecnologia da Organização Mundial da Saúde.

“As previsões sobre a produção global de vacinas, que sugerem que em breve haverá vacinas contra Covid-19 suficientes para todo o mundo, são enganosas”, disse Aruna Kashyap, diretora adjunta da divisão de empresas e direitos humanos da Human Rights Watch. “Os governos dos Estados Unidos e da Alemanha deveriam pressionar por transferências de tecnologia mais amplas e não permitir que as empresas ditem onde e como as vacinas e tratamentos que salvam vidas alcançarão grande parte do mundo à medida que o vírus sofre mutações”.

Diversificar e aumentar a produção global em países de baixa e média renda por meio do compartilhamento de conhecimento e tecnologia, especialmente para vacinas de mRNA, ajudaria a aumentar o estoque de vacinas e assim deixar o mundo mais bem preparado para responder coletivamente à pandemia.

A lista de potenciais fabricantes de mRNA foi compilada pelo coordenador do projeto AccessIBSA, que faz campanha pelo acesso a medicamentos na Índia, Brasil e África do Sul, e um especialista em vacinas da Campanha de Acesso dos Médicos Sem Fronteiras (MSF). A Human Rights Watch, o projeto AccessIBSA, o MSF dos EUA e o Centro Europeu para os Direitos Constitucionais e Humanos estão mediando em conjunto uma mesa redonda virtual em inglês para discutir a pesquisa em 16 de dezembro de 2021.

O acesso às vacinas contra Covid-19 em todo o mundo é extremamente desigual e a escassez de suprimentos põe em risco a saúde, vidas e meios de subsistência à medida que novas variantes surgem. Até 29 de novembro, os países de baixa renda haviam recebido apenas 0,6% das vacinas produzidas globalmente. A grande maioria das vacinas BioNTech-Pfizer, Moderna e J&J foram destinadas para países de alta renda, segundo dados coletados pela Airfinity, uma empresa de análise e informação científica, publicada pela People’s Vaccine Alliance (Aliança Popular pela Vacina, na tradução literal).

As empresas têm a responsabilidade, do ponto de vista dos direitos humanos, de compartilhar seu conhecimento e tecnologia de forma mais ampla, visando a preparação e recuperação mais rápidas contra uma pandemia, disse a Human Rights Watch.

O governo dos EUA forneceu aproximadamente US$ 1 bilhão em fundos públicos para a Moderna e a J&J, que produzem vacinas de vetor viral, para pesquisa e desenvolvimento da vacina contra Covid-19 durante a pandemia. Os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA financiaram inovações fundamentais que tornaram possíveis as vacinas da Moderna e da Pfizer-BioNTech. O governo dos EUA também realizou compras antecipadas de vacinas da Pfizer, Moderna e J&J.

O governo alemão forneceu financiamento significativo à BioNTech para pesquisa e desenvolvimento de sua vacina de mRNA com a Pfizer. Os governos dos Estados Unidos e da Alemanha têm a responsabilidade de pressionar essas empresas a compartilhar conhecimento e tecnologia de forma mais ampla, disse a Human Rights Watch.

A lista de mais de 100 potenciais fabricantes de vacinas de mRNA segue a publicação de uma lista de 10 fabricantes em potencial de mRNA, realizada pelo New York Times. Organizações da sociedade civil indiana identificaram uma lista de potenciais fabricantes para aumentar a produção da vacina da J&J.

“Existem mais de 100 empresas na África, Ásia e América Latina que têm a capacidade de produzir uma vacina de mRNA”, disse Achal Prabhala do projeto AccessIBSA. “Essas empresas podem ajudar a superar a enorme desigualdade no fornecimento de vacinas de mRNA em países com maior situação de pobreza. Tudo o que eles precisam é que os governos dos Estados Unidos e da Alemanha acabem com os monopólios e compartilhem a valiosa tecnologia que financiaram e essencialmente criaram com elas”.

Os fabricantes em potencial precisam de acesso à propriedade intelectual, tecnologia de vacinas e materiais para produzir mais vacinas, visando uma resposta mais rápida e justa à Covid-19. A proposta da Índia e da África do Sul de suspender temporariamente a certas regras internacionais de propriedade intelectual e comércio continua parada na Organização Mundial do Comércio.

A suspensão temporária permitiria aos governos colaborar na expansão da fabricação de vacinas, tratamentos e testes para Covid-19 sem temer retaliação comercial. Mais de 60 governos de baixa e média renda estão co-patrocinando a proposta. O governo dos EUA sinalizou apoio à suspensão. Governos de países de alta renda, incluindo a Alemanha e a Comissão Europeia, estão entre aqueles que têm bloqueado sistematicamente a proposta. Esses governos deveriam abandonar sua oposição à suspensão de regras do TRIPS (Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio) imediatamente e trabalhar para sua rápida adoção, disse a Human Rights Watch.

Grupos da sociedade civil em todo o mundo, incluindo a People’s Vaccine Alliance e seus membros, pediram a suspensão temporária de regras  do TRIPS e transferências de tecnologia mais amplas. Especialistas da ONU escreveram aos governos dos Estados Unidos e da Alemanha em 14 de outubro, entre outros, solicitando informações sobre seus esforços para “evitar o acúmulo de vacinas e garantir a aquisição e distribuição global de vacinas”, incluindo o fortalecimento da capacidade dos países de baixa e média renda “produzirem suas próprias vacinas”.

De acordo com a OMS, todos os dias há seis vezes mais doses de reforço sendo aplicadas em todo o mundo do que as primeiras doses em países de baixa renda.

As previsões de produção global encomendadas por uma associação da indústria farmacêutica, sugerindo que o mundo em breve terá doses suficientes de vacina contra Covid-19, são enganosas. A fabricação de vacinas segue aquém das projeções. Em setembro, a COVAX, a iniciativa global de aquisição de vacinas, anunciou uma redução de 25% em seu suprimento de vacinas esperado para 2021.

Essas previsões não discriminam onde vacinas específicas são aprovadas para uso, o que determina como e onde podem ser distribuídas. Essas previsões também não levam em consideração as doses adicionais necessárias para o reforço, vacinação de crianças mais novas ou para novas variantes, bem como aquelas perdidas com o desperdício. Esses fatores aumentam significativamente a demanda global.

Em 12 de outubro, governos de países de alta renda se comprometeram coletivamente a doar 1,8 bilhões de doses de vacinas, mas apenas 14% foram entregues, segundo dados do Airfinity citados pela People’s Vaccine Alliance.

Em 29 de novembro, o Fundo Africano de Aquisição de Vacinas (AVAT), os Centros Africanos para Controle e Prevenção de Doenças (CDC África) e a COVAX declararam que “a maioria das doações até o momento foram ad hoc, fornecidas com pouco aviso prévio e curtos prazos de vencimento”. A falta de transparência em torno dos cronogramas de entrega projetados torna impossível para os governos, COVAX e outros esforços de aquisição saberem quando as vacinas serão entregues para distribuição.

As promessas dos governos são inadequadas, uma vez que uma abordagem focada na redistribuição de dose não aumenta ou diversifica a capacidade de fabricação de produtos farmacêuticos em países de baixa e média renda, disse a Human Rights Watch. Os desenvolvedores de vacinas dos Estados Unidos e da Alemanha dependem principalmente da fabricação nos Estados Unidos e Europa. Limitar as transferências de tecnologia aos EUA e à Europa distorce significativamente a cadeia de fornecimento global, tornando o acesso à vacina precário e imprevisível.

Até agora, nenhuma das empresas aderiu às iniciativas lideradas pela OMS para reunir e compartilhar propriedade intelectual, e a Pfizer, BioNTech e Moderna ainda não participam do Hub de transferência de tecnologia de mRNA da OMS.

Os anúncios recentes da Moderna e da BioNTech de que construirão fábricas de mRNA na África não substituem o licenciamento mais amplo e as transferências de tecnologia para fabricantes capazes, assim como a participação no Hub de transferência de tecnologia de mRNA. A Moderna não especificou um local para sua unidade nem quando ela entraria em operação. A BioNTech afirmou que começará a construção de instalações em Ruanda e Senegal em meados de 2022.

O plano do governo dos Estados Unidos de expandir a fabricação nacional de vacinas no segundo semestre de 2022 reforça a dependência da produção e doações de vacinas dos Estados Unidos.

A Human Rights Watch escreveu às três empresas americanas entre abril e agosto de 2021 com perguntas detalhadas sobre suas políticas e práticas relacionadas à disponibilidade e acessibilidade das vacinas. A Pfizer respondeu a duas cartas da Human Rights Watch. Moderna respondeu à primeira carta, mas não respondeu a uma segunda. A J&J não respondeu aos vários pedidos de informações e comentários. A Human Rights Watch também se juntou a um grande grupo de organizações da sociedade civil e indivíduos que escreveram para essas empresas em dezembro de 2020.

Pfizer disse que “apenas algumas instalações no mundo são capazes de realizar as etapas críticas necessárias para fabricar vacinas de mRNA e possuem os insumos para produzir essas vacinas em grande escala.” A Pfizer afirmou que “acolhe iniciativas voluntárias que aumentam o conjunto de recursos e opções disponíveis para promover o acesso equitativo aos tratamentos e vacinas para COVID-19 e (...) permanece comprometida com o diálogo construtivo com todas as partes”.

A Moderna afirmou que “não estava ciente de qualquer capacidade ociosa de fabricação de mRNA”, mas disse que estava comprometida em “buscar parcerias adicionais em todo o mundo para acelerar a produção e entrega” de sua vacina. Um estudo recente da Campanha de Acesso dos MSF descobriu que a Pfizer e a Moderna levaram de três a sete meses para transferir tecnologia e começar a enviar vacinas de novas instalações.

Especialistas na questão do acesso à vacina têm criticado as práticas restritivas de licenciamento da J&J e a decisão de exportar milhões de doses de vacinas produzidas na África do Sul para a Europa. A J&J não respondeu às perguntas da Human Rights Watch sobre suas políticas e práticas.

“O mundo precisa imediatamente de uma liderança decisiva e transformadora por parte dos governos dos Estados Unidos e da Alemanha”, disse Margaret Wurth, pesquisadora sênior da Human Rights Watch. “Os líderes mundiais prometeram várias vezes solidariedade, cooperação com a comunidade global e uma resposta inteligente à Covid-19. Eles precisam cumpri-la com urgência”.

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