Exmo. Sr. Dr. Antônio Augusto Brandão de Aras
Os seguidos retrocessos nas políticas ambientais e a diminuição das ações de fiscalização têm deixado o caminho livre para o avanço de ações criminosas e da degradação ambiental na Amazônia. Como consequência, tivemos entre 2019 e 2020 a maior taxa de desmatamento da região nos últimos 12 anos, bem como o aumento das queimadas, da exploração ilegal de madeira e do garimpo ilegal.
Os crimes ambientais deixam um rastro de destruição ambiental e violação de direitos, especialmente de povos indígenas e comunidades tradicionais, e ameaçam a integridade de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação. Ao lado disso, podem causar danos econômicos, como restrições à entrada de produtos brasileiros em mercados estrangeiros, fuga de investimentos e obstáculos à assinatura de acordos comerciais.
Por sua gravidade, essas são as faces mais visíveis e debatidas do problema. Mas, por trás dos crimes ambientais existem grupos organizados que realizam diversos outros ilícitos para alcançar os seus objetivos, como demonstram operações do próprio Ministério Público Federal e da Polícia Federal, a exemplo da Arquimedes, Karipuna e Ojuara. Corrupção, lavagem de capitais, fraude, evasão fiscal, falsidade ideológica, formação de milícias, tráfico de drogas são exemplos de parte desses ilícitos.
Os crimes ambientais, portanto, além de impossibilitarem a sustentabilidade socioambiental e poderem prejudicar a economia do país, ainda representam graves ameaças à segurança pública, ao funcionamento das instituições e ao próprio Estado de Direito.
Como instituição detentora de competência privativa para promover ação penal pública e a quem incumbe o papel constitucional da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o Ministério Público Federal possui papel central no enfrentamento desse problema.
Por esse motivo, a notícia da criação da Força-Tarefa Amazônia, em agosto de 2018, foi bem recebida pela sociedade civil, pois apontou para o reforço da atuação da instituição na região. Os resultados foram expressivos, seja no campo criminal, por meio de 19 operações contra crimes ambientais, seja em iniciativas voltadas à reparação de danos, promoção da tutela coletiva e controle de políticas públicas. Como exemplo do seu impacto, as operações Karipuna e Floresta Virtual, realizadas em parceria com Polícia Federal e com o apoio de lideranças indígenas e organizações da sociedade civil resultaram na queda de 40% do desmatamento na terra indígena Karipuna em 2020.
Tais resultados foram possíveis, pois o modelo de Força-Tarefa permitiu uma atuação mais coordenada entre procuradores(as), facilitando o intercâmbio de métodos e conhecimentos, a especialização de seu trabalho e a despersonalização da atuação, o que é especialmente relevante no enfrentamento do crime organizado. Além disso, fortaleceu a interlocução do MPF junto a outros órgãos públicos, instituições de pesquisa e a organizações da sociedade civil que atuam na região. Vale mencionar que tais resultados foram alcançados praticamente sem custos adicionais para a instituição.
O encerramento da Força-Tarefa Amazônia, em fevereiro deste ano, sem a sinalização sobre a sua renovação e sem a criação de uma estrutura que a substitua, é extremamente preocupante. Além de um sinal de recuo da atuação do MPF no enfrentamento aos crimes e à degradação ambiental – o que se soma ao enfraquecimento da atuação dos órgãos ambientais federais na região –, a descontinuidade da Força-Tarefa implica a perda de uma ação mais estratégica e coordenada, bem como dos demais benefícios que tal modelo proporciona.
Consideramos a criação dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECOs), apresentados como substitutos das Forças-Tarefas do MPF, uma iniciativa relevante para o enfrentamento do crime organizado. Porém, acreditamos que seria de fundamental importância a existência de uma estrutura especializada no enfrentamento aos crimes ambientais na Amazônia, dadas as especificidades de tais ilícitos e a gravidade do problema.
Visando contribuir com esse propósito, as organizações signatárias deste documento apresentam as seguintes recomendações que consideram essenciais para que o MPF possa realizar sua missão de combater a ilegalidade e garantir a aplicação da lei na Amazônia:
- Renovação da Força-Tarefa Amazônia ou estabelecimento de uma estrutura permanente do MPF para a região, que permita maior coordenação e escala de atuação, especialmente dedicada ao combate dos crimes ambientais e da degradação ambiental;
- No caso da criação de uma nova estrutura, a definição do melhor desenho institucional pode ser realizada aproveitando-se a experiência da própria Força-Tarefa Amazônia, dos recém-criados GAECOs do MPF e dos Grupos de Atuação Especializada em Meio Ambiente (GAEMAs), esses últimos existentes no Ministério Público de alguns Estados, como São Paulo e Paraná;
- Independentemente do desenho institucional escolhido, ressaltamos a necessidade de que a estrutura possua os recursos materiais e humanos necessários, incluindo a desoneração de procuradores(as), a participação de procuradores(as) de ofícios da Amazônia e de outras regiões, mesmo que sem desoneração, além da existência de equipes técnicas e administrativas de apoio;
- Fortalecimento do MPF na Amazônia de forma ampla, em especial a garantia de um número e distribuição territorial adequados de ofícios e procuradores(as) dedicados à defesa do meio ambiente e dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, bem como a existência de equipes técnicas e administrativas de apoio;
- Manutenção e fortalecimento de iniciativas do MPF que incidem na região, como o Amazônia Protege, que de forma inovadora permite a instauração de ações civis públicas na escala necessária para o enfrentamento do desmatamento no bioma.
Renovando os votos de estima e consideração, nos colocamos à disposição das instâncias e membros do Ministério Público Federal para dialogar sobre os temas e as propostas apresentadas neste documento
Assinam:
- 350.org Brasil
- Amigos da Terra - Amazônia Brasileira
- Associação Brasileira de Agricultores Orgânicos
- Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida - Apremavi
- Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente - AIDA
- BVRio
- Center for Climate Crime Analysis - CCCA
- Centro de Defesa e Educação Ambiental - CEDEA
- Centro de Trabalho Indigenista - CTI
- Coalicion Latinoamericana contra el Fracking por el Clima Água y Vida COESUS
- Coalizão Não FRACKING Brasil pelo Clima Água e Vida - COESUS
- Conectas Direitos Humanos
- CSF-Brasil
- Ecoa - Ecologia e Ação
- Força Ação e Defesa Ambiental - FADA
- Fundação Avina
- Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável - FBDS
- GT Infraestrutura
- Hivos - Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
- Human Rights Watch
- Instituto 5 Elementos
- Instituto Amazônia Livre
- Instituto Brasileiro para a Transição Justa
- Instituto Carbono Zero
- Instituto Centro de Vida - ICV
- Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia - IDESAM
- Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
- Instituto de Pesquisa e Formação Indigena - Iepé
- Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ
- Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia - IMAZON
- Instituto Ecológica
- Instituto Escolhas
- Instituto Igarapé
- Instituto Internacional ARAYARA
- Instituto Internacional de Educação do Brasil - IEB
- Instituto Sociedade, População e Natureza - ISPN
- Instituto Socioambiental - ISA
- International Rivers - Brasil
- Mater Natura - Instituto de Estudos Ambientais
- Movimento de Ação Ecológica - MAE
- Observatório do Carvão Mineral - OCM
- Observatório do Clima
- Observatório do Código Florestal
- Observatório do Petróleo e Gás - OPG
- Projeto Saúde e Alegria
- Rede de Cooperação Amazônica - RCA
- Rede Fé, Paz e Clima
- Rede GTA
- Rede Mar Sem Petróleo
- Rede Pantanal
- Rede Zero Fósseis Brasil
- Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental - SPVS
- SOS Amazônia
- Transparência Internacional - Brasil
- Uma Gota No Oceano
- WWF-Brasil