(Nova York) – Milhares de crianças e adolescentes sofreram violência sexual relacionada à vida escolar no Equador desde 2014, afirma a Human Rights Watch em relatório divulgado hoje. Embora o Equador tenha adotado medidas importantes para tratar do problema e promover justiça desde 2017, suas políticas e protocolos ainda não são implementados de forma adequada por muitas escolas, Ministério Público e Judiciário.
O relatório “‘É uma batalha constante’: violência sexual na vida escolar e a luta de jovens sobreviventes por justiça no Equador” (em inglês, “‘It’s a Constant Fight’: School-Related Sexual Violence and Young Survivor’s Struggle for Justice in Ecuador”, de 75 páginas) documenta a violência sexual contra crianças desde a pré-escola até o ensino médio e os sérios obstáculos que as vítimas e suas famílias enfrentam ao buscar justiça. A Human Rights Watch constatou que professores, funcionários de escolas, zeladores e motoristas de transporte escolar cometeram violência sexual contra crianças de todas as idades, incluindo crianças com deficiência, em escolas públicas e privadas. Casos em andamento mostram que a violência sexual contra estudantes continua.
“O Equador fracassou em proteger muitas crianças e adolescentes da violência sexual durante a vida escolar, afetando suas vidas inteiras, incluindo seus direitos à educação, à justiça e seus direitos sexuais e reprodutivos.” disse Elin Martinez, pesquisadora sênior de direitos da criança na Human Rights Watch e autora do relatório. “Graves lacunas nos sistemas educacional e de justiça do Equador deixam muitas crianças e adolescentes desprotegidos, expostos a abusos horríveis, estigmatizados por denunciarem abusos e em riscos de revitimização.”
De acordo com dados governamentais analisados pela Human Rights Watch, entre 2014 e maio de 2020, 4.221 alunos e alunas sofreram violência sexual vinculada à vida escolar. De fevereiro de 2019 a setembro de 2020, a Human Rights Watch entrevistou 83 pessoas, incluindo sobreviventes, seus familiares, advogados e promotores, e analisou 38 casos e dados oficiais sobre violência sexual relacionada à vida escolar.
Os casos documentados envolviam estupros e abusos sexuais, incluindo crianças sendo forçadas a praticar atos sexuais dentro ou fora das dependências escolares. Alunos também abusaram sexualmente, assediaram e praticaram violência sexual online contra colegas. Após terem denunciado abusos, alguns sobreviventes enfrentaram assédio, bullying e intimidação por parte de professores, diretores, famílias de agressores e associações de pais e mestres.
A violência sexual é um problema de longa data nas instituições educacionais do Equador. Sua dimensão só se tornou pública em 2017, quando a Assembleia Nacional criou uma comissão multipartidária para investigar casos de violência sexual em escolas, após denúncias de famílias afetadas.
A comissão, nomeada AAMPETRA em homenagem a um caso envolvendo o abuso sexual de 41 crianças na Academia Aeronáutica “Mayor Pedro Traversari”, uma escola particular no sul de Quito, avaliou as iniciativas adotadas por instituições estatais para prevenir e coibir abusos em escolas e proporcionar acesso adequado à justiça, com foco em casos entre 2013 e 2017. A comissão constatou que os ex-ministros do governo do presidente Rafael Correa fracassaram no enfrentamento da violência sexual.
Em julho de 2017, o governo do atual presidente Lenín Moreno divulgou dados que mostram altos índices de violência sexual nas escolas e promulgou uma política de tolerância zero. Um protocolo vinculante foi adotado, exigindo que professores, conselheiros escolares e outros funcionários registrem alegações de violência sexual dentro de 24 horas. O governo criou um banco de dados abrangente e uma ferramenta para rastrear o registro de casos, investigações e processos judiciais.
Entretanto, a Human Rights Watch encontrou graves lacunas na implementação desta política e na garantia de observância dos seus protocolos vinculantes. O esforço é significativamente comprometido pela grave escassez de conselheiros escolares e psicólogos, que são fundamentais na identificação e notificação dos casos. Em algumas escolas ou distritos, os conselheiros não possuem apoio suficiente e os professores, funcionários escolares e autoridades distritais os desencorajam a denunciarem casos. O governo também parece não ter conseguido assegurar o cumprimento das políticas nas escolas privadas.
Muitas crianças e suas famílias também enfrentaram sérios obstáculos no acesso à justiça. Os processos judiciais frequentemente atrasam e nem sempre são conduzidos no melhor interesse das crianças e adolescentes. Dados do Ministério Público analisados pela Human Rights Watch mostram que, entre 2015 e 2019, apenas três por cento dos casos denunciados de violência sexual foram a julgamento. A maioria das famílias acreditam que devem lutar por justiça, às vezes esgotando seus recursos financeiros, afetando a saúde mental e o bem-estar de toda a família.
Em 2020, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizou julgou pela primeira vez um caso sobre violência sexual em escolas. O Equador foi julgado responsável por abusos contra Paola Guzmán Albarracín, uma estudante do ensino médio estuprada pelo vice-diretor de sua escola por mais de um ano. Ela se suicidou em 2002. A corte ordenou ao governo equatoriano que reparasse integralmente a família de Paola e realizasse uma cerimônia pública de alto nível para reconhecer publicamente suas responsabilidades internacionais até dezembro de 2020.
O Presidente Moreno deve assegurar que todas as medidas determinadas pela Corte Interamericana em junho de 2020 entrem em vigor ou estejam em curso de implementação dentro dos prazos prescritos pela Corte, antes de deixar a presidência em maio de 2021, disse a Human Rights Watch. Moreno também deve direcionar o quanto antes um pedido de desculpas público a todos os sobreviventes de violência sexual relacionada à vida escolar. O governo de Moreno deve estabelecer rapidamente um fundo nacional de reparação para os sobreviventes de violência sexual, com um sistema de monitoramento para assegurar que as instituições governamentais cumpram integralmente as ordens da Corte Nacional.
O Equador deveria adotar uma agenda de longo prazo de tolerância zero liderada pelo Estado, com forte ênfase na prevenção de novos casos, e com adequada resposta aos casos que ocorrerem, disse a Human Rights Watch. O governo deveria aumentar os recursos para prevenir e combater a violência sexual em instituições educacionais e reestabelecer os orçamentos para suas políticas nacionais de prevenção à violência de gênero e à gravidez na adolescência.
O governo do Equador deve também aumentar e garantir apoio aos conselheiros e psicólogos escolares, assegurar que todas as escolas públicas e privadas sejam igualmente responsáveis por reportar casos de violência sexual, e garantir que todas as denúncias sejam adequadamente investigadas. As instituições judiciais devem assegurar que os processos sejam conduzidos de forma adequada ao tratamento de crianças e adolescentes e garantam apoio a suas famílias, defendendo seus direitos a um julgamento justo e a reparações.
“As ações do Equador nos últimos anos para identificar e investigar a violência sexual nas escolas foram passos importantes, mas o país também deve se concentrar na prevenção de novos abusos”, disse Elin Martinez. “Todos os professores, funcionários de escola e autoridades do governo precisam proteger os alunos e alunas e garantir que as crianças e adolescentes se sintam seguros nas escolas para tornar a tolerância zero uma realidade”.