(Nova Iorque, 14 de janeiro de 2020) – O governo chinês tem conduzido um intenso ataque ao sistema global de defesa dos direitos humanos, disse hoje o diretor executivo da Human Rights Watch, Kenneth Roth, no lançamento do Relatório Mundial 2020 da Human Rights Watch. Décadas de progresso que permitiram que pessoas de todo o mundo se expressassem livremente, vivessem sem medo de serem presas e torturadas arbitrariamente e desfrutassem de outros direitos humanos, atualmente estão sob ameaça, disse Roth.
No plano doméstico, o governo chinês tem criado um amplo Estado de vigilância com seu empenho para conseguir ter um total controle social. Agora, cada vez mais, a China usa sua influência econômica e diplomática para impedir os esforços globais no exterior que buscam responsabilizá-la por sua repressão. Para preservar o sistema internacional de direitos humanos como um importante mecanismo contra a repressão, os governos devem se unir para contestar os ataques de Pequim.
"Há muito que Pequim reprime o criticismo no país", disse Ken Roth. “Agora o governo chinês está tentando estender essa censura para o resto do mundo. Para proteger o futuro de todas pessoas, os governos precisam agir em conjunto para resistir aos ataques de Pequim ao sistema internacional de direitos humanos".
Na 30 ª edição do Relatório Mundial 2020, de 652 páginas, a Human Rights Watch analisou a situação dos direitos humanos em aproximadamente 100 países. Ken Roth destacou muitas outras ameaças aos direitos humanos em todo o mundo, incluindo na Síria e no Iêmen, onde forças do governo da Síria, Rússia e a coalizão liderada pela Arábia Saudita ignoram descaradamente as regras internacionais criadas para poupar civis, incluindo as proibições de atacar civis e bombardear hospitais.
Um terreno inóspito para os direitos humanos está ajudando o ataque do governo chinês. Um número crescente de governos – com os quais antes era possível contar, ao menos em algumas ocasiões, para que os direitos humanos fossem promovidos em suas políticas externas – agora têm líderes, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que não estão dispostos a se comprometer com a questão. E populistas autocráticos que assumem seus cargos demonizando minorias e se mantêm no poder eliminando jornalistas, juízes e ativistas independentes, enfrentam o mesmo corpo de leis internacionais de direitos humanos que o governo chinês está enfraquecendo.
Muitas pessoas na China, como em qualquer outro lugar, almejam o direito de viver livremente e com dignidade, disse Ken Roth. Mas o governo do presidente Xi Jinping está supervisionando a mais ampla e brutal opressão que a China já viu em décadas.
As autoridades têm impedido a atividade de grupos cívicos, silenciado o jornalismo independente e restringido gravemente as conversas online. Elas estão violando seriamente as liberdades já limitadas de Hong Kong sob o pretexto "um país, dois sistemas". E em Xinjiang, as autoridades construíram um horripilante sistema de vigilância para controlar milhões de uigures e outros muçulmanos turcos, detendo arbitrariamente 1 milhão de pessoas para forçar uma doutrinação política.
Pequim fez da tecnologia um instrumento central para sua repressão, afirmou Ken Roth. O governo tem realizado invasões massivas à privacidade das pessoas por meio de ferramentas como a coleta forçada de amostras de DNA e tem implementado a análise de big data e inteligência artificial para refinar seus meios de controle. O objetivo é criar uma sociedade livre de divergências.
Para evitar uma reação global à esmagadora repressão que leva a cabo no plano doméstico, o governo chinês tem aumentado significativamente seus esforços para enfraquecer as instituições internacionais projetadas para proteger os direitos humanos. A China intimida outros governos – por exemplo, ameaçando, em diversas situações, outros Estados membros das Nações Unidas para proteger sua imagem e desviar a discussão de seus abusos.
O governo chinês está saudando e é ele próprio saudado por governos, empresas e até instituições acadêmicas que ostensivamente apoiam os direitos humanos, mas que priorizam o acesso à riqueza da China. Eles sabem que a oposição pública à repressão de Pequim coloca em risco o acesso ao mercado chinês – 16% da economia mundial – como foi o caso da Associação Nacional de Basquete dos EUA após um tweet do gerente geral de uma equipe.
As autoridades chinesas enfrentaram poucas consequências de países que pretendem defender os direitos humanos. A União Europeia, ocupada com o Brexit, obstruída por Estados membros nacionalistas e dividida pela questão da migração, achou difícil adotar uma forte voz comum sobre os direitos humanos na China, embora governos europeus, individualmente, às vezes tenham sido sinceros. Trump tem saudado Xi Jinping, embora o governo dos EUA tenha imposto sanções por violações de direitos humanos ao Departamento de Segurança Pública de Xinjiang e a oito empresas de tecnologia chinesas.
Assumir o desafio de defender o mundo do ataque frontal de Pequim exige uma resposta sem precedentes daqueles que reconhecem que as pessoas e seus direitos humanos são importantes. Ao agir em conjunto, os governos podem combater a estratégia de dividir para conquistar de Pequim, disse Ken Roth.
Por exemplo, se a Organização de Cooperação Islâmica (OIC, na sigla em inglês) se manifestasse contra a repressão dos muçulmanos em Xinjiang, como fez para os muçulmanos Rohingya perseguidos em Mianmar, Pequim enfrentaria a pressão que lhe falta.
Governos e instituições financeiras internacionais deveriam oferecer alternativas atraentes e respeitadoras de direitos aos empréstimos "sem restrições" e à ajuda ao desenvolvimento que a China oferece. Empresas e universidades deveriam elaborar e promover códigos de conduta para lidar com a China – normas comuns fortes tornariam mais difícil para Pequim retaliar contra aqueles que defendem os direitos e liberdades básicos. Líderes comprometidos com os direitos humanos deveriam se comprometer com uma discussão sobre Xinjiang no Conselho de Segurança da ONU para que os oficiais chineses entendam que não ganharão o respeito que almejam enquanto perseguirem pessoas.
"A menos que queiramos voltar a uma era em que as pessoas são peões a serem manipulados ou descartados do jogo de acordo com os caprichos de seus senhores, devemos resistir ao ataque de Pequim a nossos direitos", disse Ken Roth. "Décadas de progresso sobre direitos, bem como o nosso futuro, estão em jogo."