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A ameaça global da China aos direitos humanos

Manifestantes em Hong Kong, em 5 de junho de 2019.

 

© 2019 Chris McGrath/Getty Images

O governo da China vê os direitos humanos como uma ameaça existencial. Mas é sua reação que pode representar uma ameaça existencial aos direitos das pessoas ao redor do mundo.

No plano doméstico, o Partido Comunista Chinês, preocupado com o fato de que permitir a liberdade política poderia comprometer seu poder, construiu um Estado orwelliano de vigilância altamente tecnológico e um sofisticado sistema de censura na internet para monitorar e abafar o criticismo público. No exterior, ele tem usado sua crescente influência econômica para silenciar críticos e realizar o mais intenso ataque ao sistema global de proteção dos direitos humanos desde sua emergência em meados do século XX.

Pequim se dedicou à criação de um “Grande Firewall” para impedir que chineses tivessem acesso a qualquer crítica do exterior ao seu governo. Agora, o governo chinês está atacando cada vez mais seus críticos, quer sejam eles representantes de um governo estrangeiro, façam parte de uma empresa ou universidade estrangeira, ou manifestem – real ou virtualmente – suas discordâncias.

Nenhum outro governo detém um milhão de membros de uma minoria étnica para doutrinação forçada e, simultaneamente, ataca qualquer um que se atreva a desafiar sua repressão. E enquanto outros governos cometem graves violações dos direitos humanos, nenhum outro flexiona seus músculos políticos com tanto vigor e determinação para enfraquecer os princípios e instituições internacionais de direitos humanos que poderiam responsabilizá-lo.

Se não forem combatidas, as ações de Pequim prenunciam um futuro distópico, em que ninguém está fora do alcance da censura chinesa, e onde o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, tão enfraquecido, não servirá mais como um freio à repressão governamental.

Certamente, o governo chinês e o Partido Comunista não são as únicas ameaças atuais aos direitos humanos, como mostra o Relatório Mundial 2020 da Human Rights Watch. Em muitos conflitos armados, como na Síria e no Iêmen, as partes em conflito ignoram descaradamente as regras internacionais destinadas a poupar os civis dos perigos da guerra – desde a proibição de armas químicas até a proibição de bombardear hospitais.

Em outros lugares, populistas autocráticos assumem cargos demonizando minorias, e depois se mantêm no poder atacando os freios e contrapesos a seus governos, como jornalistas independentes, juízes e ativistas. Alguns líderes, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, desafiam o mesmo corpo de normas internacionais de direitos humanos do qual a China desdenha, atiçando seus públicos ao forjar um combate fantasioso com os "globalistas" que ousam sugerir que todos os governos devem respeitar as mesmas normas.

Vários governos que, em suas políticas externas, eram uma fonte de esperança na defesa dos direitos humanos, ao menos em certas ocasiões, abandonaram em grande parte essa causa. Outros, diante de seus próprios desafios domésticos, traçam uma defesa descoordenada.

Mesmo diante desse cenário perturbador, o governo chinês se destaca pelo alcance e pela influência de seus esforços contra os direitos humanos. O resultado para a causa dos direitos humanos é um “perfeito turbilhão” – um poderoso Estado centralizado, um grupo de governantes com ideias semelhantes, um vazio de liderança entre os países que poderiam defender os direitos humanos e uma decepcionante coleção de democracias dispostas a dar mais corda ao que está estrangulando o sistema de direitos que elas alegam defender.

A lógica do governo chinês

A motivação para o ataque de Pequim aos direitos humanos decorre da fragilidade de um governo repressivo, e não do consentimento popular. Apesar de décadas de impressionante crescimento econômico na China, impulsionado por centenas de milhões de pessoas finalmente emancipadas para sair da pobreza, o Partido Comunista Chinês morre de medo de seu próprio povo.

Aparentemente confiante em seu sucesso em representar pessoas no país inteiro, o Partido Comunista Chinês se preocupa com as consequências de um debate popular e uma. organização política livres e, assim, tem medo de ter de se sujeitar ao escrutínio popular.

Como resultado, Pequim enfrenta a incômoda tarefa de gerir uma enorme e complexa economia sem a participação popular nem o debate que as liberdades políticas permitem. Sabendo que, na ausência de eleições, a legitimidade do partido depende em grande parte de uma economia em crescimento, os líderes chineses temem que a desaceleração do crescimento econômico aumente as demandas populares por maior voz no governo. As campanhas nacionalistas do governo para promover o "sonho Chinês" e seu questionável discurso sobre os esforços anticorrupção não mudam essa realidade implícita.

O resultado, sob a administração Xi Jinping, é a opressão mais ampla e brutal que a China já viu nas últimas décadas. A breve e modesta abertura que existiu nos últimos anos para as pessoas se expressarem sobre assuntos de interesse público tem claramente caminhado rumo ao fim. Organizações da sociedade civil têm sido caladas. O jornalismo independente já não existe. Os debates nas redes virtuais foram reduzidos e substituídos por uma bajulação orquestrada. As minorias étnicas e religiosas sofrem graves perseguições. Pequenos passos rumo ao Estado de Direito foram substituídos pelo tradicional Estado por Direito imposto pelo Partido Comunista. As limitadas liberdades de Hong Kong sob a política "um país, dois sistemas" estão sendo severamente desafiadas.

Xi Jinping emergiu como o líder mais poderoso da China desde Mao Tse Tung, construindo um culto descarado à personalidade, removendo limites ao mandato presidencial, difundindo o "pensamento Xi Jinping" e promovendo visões grandiosas para uma nação poderosa, mas autocrática. Para garantir a continuidade da priorização de seu próprio poder em detrimento das necessidades e desejos do povo chinês, o Partido Comunista lançou um ataque às liberdades políticas que poderiam mostrar ao público que ele poderia ser qualquer coisa, menos conformado com esse governo.

Amplo estado de vigilância

Mais do que qualquer outro governo, Pequim tornou a tecnologia uma ferramenta central da sua repressão. Em Xinjiang, região ao noroeste do país, onde vivem cerca de 13 milhões de muçulmanos – uigures, cazaques e outras minorias de origem turca –, um terrível sistema de monitoramento público, o mais intrusivo que o mundo já conheceu, foi implantado. O Partido Comunista Chinês há muito que procura monitorar as pessoas em busca de qualquer sinal de dissidência; mas a combinação de recursos econômicos e capacidades técnicas crescentes conduziu a um regime de vigilância em massa sem precedentes.

O objetivo ostensivo é evitar a repetição de um punhado de incidentes violentos ocorridos há vários anos por supostos separatistas, mas a empreitada ultrapassa qualquer ameaça perceptível à segurança. Um milhão de oficiais e quadros do partido foram mobilizados a serem "hóspedes" não convidados, "visitando" regularmente e permanecendo nas casas de algumas dessas famílias muçulmanas para monitorá-las. A missão desses agentes é a de examinar a vida dessas pessoas e relatar "problemas", como pessoas que rezam ou mostram outros sinais de prática ativa da fé islâmica, ou que entram em contato com membros da família no exterior, ou que demonstram qualquer outra coisa que não fidelidade absoluta ao Partido Comunista.

Esta vigilância pessoal é apenas a ponta do iceberg, um prelúdio analógico do espetáculo digital. Sem consideração alguma pelo internacionalmente reconhecido direito à privacidade, o governo chinês implantou câmeras de vídeo em toda a região, combinou-as com tecnologia de reconhecimento facial, implantou aplicativos de telefone celular para inserir dados das observações das autoridades, bem como pontos de verificação eletrônicos, e processou as informações resultantes usando big data.

Os dados coletados são usados para determinar quem deve ser detido para "reeducação". No maior caso de detenção arbitrária em décadas, um milhão ou mais de muçulmanos de origem turca foram privados de sua liberdade, colocados em detenção indefinida para doutrinação forçada. As detenções foram responsáveis pelo surgimento de inúmeros "órfãos" – crianças cujos pais são mantidos sob custódia, e que agora são mantidas em escolas e orfanatos administrados pelo Estado, nos quais também são submetidas a doutrinação. Crianças que frequentam as escolas regulares em Xinjiang podem receber formação ideológica similar.

Ao que parece, o objetivo é destituir muçulmanos de qualquer identidade com sua fé, etnia ou opiniões políticas independentes. A possibilidade de detidos recuperarem suas liberdades depende da capacidade de persuadirem agentes penitenciários de que falam mandarim, adoram Xi Jinping e o Partido Comunista e não aderem ao Islã. Esse esforço descarado reflete um impulso totalitário para reformar o pensamento das pessoas até que elas aceitem a supremacia do partido.

O governo chinês está construindo sistemas semelhantes de vigilância e engenharia de comportamento em todo o país. O mais notável é o "sistema de crédito social", em que o governo promete punir o mau comportamento, tais como tráfego imprudente e o não pagamento de custas judiciais, e recompensar a boa conduta. A "confiabilidade" das pessoas – conforme avaliada pelo governo – determina o acesso a bens sociais desejáveis, como o direito de viver em uma cidade agradável, colocar as crianças em uma escola particular ou viajar de avião ou trem de alta velocidade. Por enquanto, critérios políticos não estão incluídos neste sistema, mas falta pouco para que isto seja feito.

De forma ameaçadora, o estado de vigilância é algo exportável. Poucos governos têm a capacidade de empregar os recursos humanos que a China tem investido em Xinjiang, mas a tecnologia está ganhando mercado; atraindo governos com fracas proteções de privacidade, como Quirguistão, Filipinas e Zimbábue. As empresas chinesas não são as únicas vendendo esses sistemas abusivos – empresas da Alemanha, Israel e Reino Unido também vendem essa tecnologia –, mas os pacotes acessíveis da China se mostram atraentes aos governos que desejam imitar esse modo de vigilância.

Modelo chinês para uma ditadura próspera

Muitos autocratas olham com inveja a mistura sedutora da China de desenvolvimento econômico bem-sucedido, rápida modernização e um controle aparentemente firme do poder político. Longe de ser desprezado como um ponto fora da curva, o governo chinês é cortejado em todo o mundo, seu presidente não eleito recebe tratamento de tapete vermelho onde quer que vá e o país organiza eventos de prestígio, como os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022. O objetivo é retratar a China como um país aberto, acolhedor e poderoso, ainda que sucumba a um domínio autocrático cada vez mais implacável.

A sabedoria convencional pregava que, à medida que a China crescesse economicamente, isso daria lugar a uma classe média que exigiria seus direitos. Isso levou a crer que não havia necessidade de pressionar Pequim sobre sua repressão; bastava manter relações comerciais com o país.

Hoje, poucos acreditam nessa lógica conveniente, mas a maioria dos governos encontrou novas maneiras de justificar o status quo. Eles continuam a priorizar as oportunidades econômicas na China, mas sem a pretensão de uma estratégia para melhorar o respeito aos direitos das pessoas no país.

De fato, o Partido Comunista Chinês mostrou que o crescimento econômico pode reforçar uma ditadura, dando-lhe os meios para fortalecer seu regime – gastando o que for necessário para manter o poder, desde legiões de funcionários de segurança dedicados ao regime de censura que o país mantém até o estado de vigilância generalizado que o governo implementa. Esses vastos recursos que amparam o governo autocrático negam a capacidade das pessoas em toda a China de terem alguma influência sobre como são governadas.

Isso é música para os ouvidos dos ditadores pelo mundo. Seus governos, eles gostariam de nos fazer acreditar, a partir do exemplo da China, também podem levar à prosperidade sem a incômoda intervenção do livre debate ou eleições contestadas. Pouco importa que a história de governos sem controles esteja repleta de devastação econômica.

Para cada Lee Kwan Yew, o falecido líder de Singapura que é frequentemente evocado por defensores do regime autocrático, há muitos outros – Robert Mugabe do Zimbabué, Nicolás Maduro da Venezuela, Abdel Fattah al-Sisi do Egipto, Omar al-Bashir do Sudão, ou Teodoro Obiang Nguema Mbasogo da Guiné Equatorial – que levaram seus países à ruína. Governos sem freios e contrapesos tendem a colocar seus próprios interesses acima dos de seu povo. Eles priorizam seu poder, suas famílias e seus companheiros. O resultado frequente é negligência, estagnação e pobreza persistente, se não hiperinflação, crises de saúde pública e colapso econômico.

Mesmo na China, um sistema de governo sem freios e contrapesos não permite que os excluídos da crescente economia chinesa tenham voz. As autoridades se vangloriam do progresso econômico do país, mas censuram informações sobre sua crescente desigualdade de renda, acesso discriminatório a serviços públicos, seletivos processos judiciais contra casos de corrupção e que uma a cada cinco crianças são abandonadas nas áreas rurais enquanto seus pais procuram trabalho em outras partes do país. As autoridades escondem também as demolições e deslocamentos forçados, os ferimentos e mortes que acompanham alguns dos projetos massivos de infraestrutura do país, e as incapacidades permanentes resultantes de alimentos e drogas inseguros e não regulamentados. Mesmo o número de pessoas com deficiência é arbitrariamente subestimado.

Além disso, não é preciso recuar muito na história da China para encontrar o enorme número de pessoas que são vítimas de um governo sem transparência e controles. O mesmo Partido Comunista Chinês que hoje proclama um milagre chinês só recentemente impôs o fim da Revolução Cultural e o Grande Salto Adiante, com dezenas de milhões de mortes.

A campanha da China contra as normas internacionais

Para evitar uma repercussão global negativa por conta de seu desrespeito aos direitos humanos no plano doméstico, o governo chinês tenta enfraquecer as instituições internacionais responsáveis por proteger esses direitos. As autoridades chinesas há muito rebatem a preocupação estrangeira com os direitos humanos sob o pretexto de violação de sua soberania, mas esses esforços foram relativamente modestos. Agora, a China intimida outros governos, insistindo que a aplaudam em fóruns internacionais e se unam aos seus ataques ao sistema internacional de direitos humanos.

Pequim parece estar metodicamente construindo uma rede de países, “líderes de torcida”, que dependem de sua ajuda ou negócios. Aqueles que a obstruem correm risco de retaliação, como as ameaças à Suécia depois que um grupo sueco independente concedeu um prêmio a um editor sediado em Hong Kong (e cidadão sueco) e que o governo chinês havia detido e mantido em custódia sob desaparição forçada depois de ele ter publicado livros com críticas ao governo chinês.

A atuação de Pequim coloca a China em desacordo com o propósito dos direitos humanos internacionais. Onde alguns veem pessoas que sofrem perseguição e cujos direitos precisam ser defendidos, os governantes chineses veem um potencial precedente de aplicação de direitos que poderia se voltar contra eles. Usando sua voz, sua influência e, às vezes, seu poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, o governo chinês procura impedir as medidas da ONU para proteger algumas das populações mais perseguidas do mundo, dando as costas aos civis na Síria que enfrentam ataques aéreos indiscriminados de aviões russos e sírios; aos muçulmanos Rohingya que enfrentam uma limpeza étnica coordenada pelo governo de Mianmar por meio de assassinatos, estupros e incêndios; aos civis no Iêmen que enfrentam bombardeios e barricadas da coalizão liderada pela Arábia Saudita; e ao povo venezuelano que sofre devastação econômica devido à corrupta e má gestão de Nicolás Maduro. Em todos estes casos, Pequim prefere deixar as vítimas a sua própria sorte do que adotar um modelo de defesa dos direitos que possa se voltar contra seu próprio regime repressivo.

Os métodos de Pequim costumam ter uma certa sutileza. O governo chinês adota tratados internacionais de direitos humanos, mas depois tenta reinterpretá-los ou prejudicar sua aplicação. Ele tem se tornado habilidoso em parecer cooperar com as análises da ONU sobre seu histórico de direitos, mas sem poupar esforços para impedir discussões honestas. Ele impede que críticos nacionais viajem para o exterior, nega o acesso de especialistas internacionais importantes ao país, coordena seus aliados – muitos deles notoriamente repressivos – para ecoar elogios e muitas vezes apresenta informações descaradamente desonestas.

Mesmo quando se trata de direitos econômicos, Pequim não quer uma avaliação independente de seu progresso, porque isso exigiria examinar não apenas seu indicador preferido – o crescimento do produto interno bruto –, mas medidas como a situação dos menos favorecidos na China, incluindo minorias perseguidas e os esquecidos nas áreas rurais. E certamente não deseja uma avaliação independente dos direitos civis e políticos, porque o respeito a eles criaria um sistema de prestação de contas – a ativistas, jornalistas independentes, partidos políticos e juízes independentes, bem como eleições livres e justas – que o governo está determinado a evitar.

Fatores propulsores

Embora a China seja a força motriz por trás desse ataque global aos direitos humanos, ela conta com cúmplices à disposição. Entre eles estão ditadores, autocratas e monarcas que têm um interesse permanente em enfraquecer o sistema de direitos humanos que poderia responsabilizá-los. Entre os cúmplices estão também governos, empresas e até instituições acadêmicas que estão ostensivamente comprometidas com os direitos humanos, mas que priorizam o acesso à riqueza da China.

Para piorar a situação, vários países com os quais antes se podia contar para defender os direitos humanos têm deixado a desejar. O presidente dos EUA, Trump, está mais interessado em acolher autocratas amigáveis do que em defender os princípios de direitos humanos que eles desprezam. A União Europeia, distraída com o Brexit, obstruída pelos Estados membros nacionalistas e dividida pela questão da migração, tem tido dificuldade em adotar uma voz compartilhada forte para em defesa dos direitos humanos. Mesmo nos momentos em que as pessoas tomaram as ruas protestando por direitos humanos, democracia e Estado de Direito em países como a Argélia, Sudão, Líbano, Iraque, Bolívia, Rússia e Hong Kong, em uma impressionante onda de manifestações globais, os governos democráticos frequentemente responderam com um apoio fraco e pontual. Essa inconsistência torna mais fácil para a China alegar que as preocupações expressas sobre seu histórico de direitos humanos são mais uma questão de política que de princípio.

Foram raras as exceções a essa aceitação em relação à opressão da China. Em julho, no Conselho de Direitos Humanos da ONU, 25 governos se uniram pela primeira vez em tamanha proporção para expressar preocupação com a repressão extraordinária em Xinjiang. Surpreendentemente, temendo a ira do governo chinês, ninguém estava disposto a ler a declaração em voz alta no Conselho, como é habitual. Em vez disso, contando com a segurança dos números, o grupo simplesmente enviou a declaração conjunta por escrito. Isso mudou em outubro, na Assembleia Geral da ONU, quando o Reino Unido leu em voz alta uma declaração paralela de uma coalizão de governos semelhante; mas a hesitação inicial mostra a grande relutância, mesmo de países mais comprometidos, em enfrentar a China. Esse medo sustenta a impunidade da qual goza a China no âmbito internacional, apesar da natureza abrangente de seus abusos.

Outros governos ficaram felizes de poder colaborar com Pequim. Em resposta a essas duas instâncias de oposição coletiva, o governo chinês organizou suas próprias declarações de apoio conjuntas, fazendo com que suas “medidas de combate ao terrorismo e desradicalização em Xinjiang” que levaram a um “forte senso de felicidade, satisfação, e segurança” fossem descaradamente aplaudidas. Ao todo, 54 governos foram signatários, incluindo notórios violadores de direitos humanos como Rússia, Síria, Coréia do Norte, Mianmar, Bielorrússia, Venezuela e Arábia Saudita. Esse grupo de governos repressivos pode ter pouca credibilidade, mas ilustram a árdua batalha enfrentada pelos poucos países dispostos a confrontar a China em matéria de direitos humanos.

Seria de se esperar que a Organização para a Cooperação Islâmica (OIC, na sigla em inglês) – grupo formado por 57 nações majoritariamente muçulmanas – defendesse os muçulmanos perseguidos em Xinjiang, como fizeram com os muçulmanos Rohingya sujeitos à limpeza étnica das forças armadas de Mianmar. Em vez disso, a OIC emitiu um tributo subserviente, elogiando a China por "prestar assistência a seus cidadãos muçulmanos". O Paquistão – apesar de seu papel como coordenador da OIC e de sua responsabilidade de se pronunciar contra os abusos enfrentados por muçulmanos – defendeu tais esforços.

Notavelmente, no entanto, Turquia e Albânia, ambos membros da OIC, apoiaram o pedido de uma avaliação independente da ONU sobre Xinjiang, enquanto Catar se retirou da declaração de resposta da China. No total, cerca de metade dos Estados membros da OIC se recusou a assinar as tentativas da China de “lavar” seu histórico em Xinjiang – um primeiro passo importante, mas dificilmente suficiente, diante de abusos tão pujantes.

Os membros da OIC e outros Estados pouco dispostos a desafiar Pequim também participaram das “visitas de propaganda” que o governo chinês organizou em Xinjiang para combater as críticas contra a detenção de muçulmanos. Construindo uma Grande Muralha de Desinformação, as autoridades chinesas absurdamente alegaram que essa privação de liberdade em massa era uma forma de "treinamento vocacional". Em seguida, visitas a alguns dos "treinamentos" foram organizadas para delegações de diplomatas e jornalistas. A pouca oportunidade de falar livremente com os presos muçulmanos rapidamente ficou evidente. A encenação era por vezes tão absurda que falava por si só, como quando um grupo de reclusos foi forçado a cantar, em inglês, a música infantil If you’re happy and you know it clap your hands (Se você está feliz e sabe disso, bata palmas).

O objetivo dessas “visitas espetaculares” não era ser convincente; era dar aos governos uma desculpa para não criticarem Pequim. Elas eram a sombra da árvore que esconde o sol, um álibi para a indiferença.

Os líderes mundiais que visitaram a China, incluindo aqueles que se consideram defensores dos direitos humanos, não tiveram um desempenho muito melhor. Por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron visitou a China em novembro de 2019, mas não fez nenhuma menção pública aos direitos humanos. Os líderes que visitam o país normalmente justificam o silêncio público dizendo que tratam dos direitos humanos com as autoridades chinesas em discussões privadas. Mas há poucas evidências, se é que há alguma, de que essas conversas às escuras não sejam conversa fiada.

A diplomacia silenciosa sozinha não faz nada para acanhar um governo que busca aceitação como um membro legítimo e respeitado da comunidade internacional. Em vez disso, as fotos de oficiais sorridentes combinadas com o silêncio público quanto à situação dos direitos humanos enviam ao mundo – e, mais importante, ao povo chinês, que é o principal agente de mudança – a mensagem de que esses visitantes estão indiferentes à repressão chinesa.

Os elementos do poder chinês

As autoridades chinesas orquestram seus ataques às críticas relacionadas à situação dos direitos humanos no país em parte por meio do emprego centralizado de seu poderio econômico. Nenhum negócio com a China pode se dar ao luxo de ignorar os ditames do Partido Comunista; logo, quando se trata de punir um país por suas críticas a Pequim – por exemplo, não comprando seus produtos –, uma empresa não tem escolha a não ser obedecer. O resultado é que qualquer governo ou empresa não chinesa que pretenda fazer negócios com a China, se se opuser publicamente à repressão de Pequim, enfrentará não apenas uma série de decisões individuais de empresas chinesas, mas um comando central, arriscando o acesso a todo o mercado chinês – ou seja, 16% da economia mundial. Por exemplo, depois que o gerente geral da Houston Rockets (equipe de basquetebol dos EUA) irritou o governo chinês por tuitar seu apoio aos manifestantes pró-democracia em Hong Kong, todos os 11 parceiros comerciais chineses da Associação Nacional de Basquete – incluindo um site de viagens, um produtor de leite e uma rede de fast food – suspenderam relações com a equipe.

O governo Trump é um governo que está disposto a enfrentar a China, como ficou evidente com a imposição de sanções, em outubro de 2019, ao Gabinete de Segurança Pública de Xinjiang e a oito empresas de tecnologia chinesas por sua cumplicidade em violações de direitos humanos. Mas a forte retórica das autoridades norte-americanas que condenam violações dos direitos humanos na China é muitas vezes prejudicada pelos elogios de Trump a Xi Jinping e a outros autocratas parceiros, como Vladimir Putin da Rússia, Recep Tayyip Erdoğan da Turquia, Abdel Fattah al-Sisi do Egito e Mohammad bin Salman da Arábia Saudita. Isso sem mencionar as políticas domésticas do governo Trump que violam os direitos, como sua separação forçada, cruel e ilegal de crianças e seus pais na fronteira EUA-México.

Essa inconsistência torna mais fácil para Pequim desconsiderar as críticas de Washington sobre direitos humanos. Além disso, a saída equivocada do governo Trump do Conselho de Direitos Humanos da ONU, por causa de preocupações com Israel, abriu caminho para o governo chinês exercer maior influência sobre essa instituição central para a defesa de direitos.

Um importante instrumento da influência da China tem sido a "Iniciativa do Cinturão e Rota" (BRI, na sigla em inglês) de Xi Jinping – um programa de infraestrutura e investimentos de trilhões de dólares que facilita o acesso da China a mercados e recursos naturais em 70 países. Ajudado pela frequente ausência de investidores alternativos, a BRI garantiu ao governo chinês uma considerável reputação entre os países em desenvolvimento, mesmo que Pequim tenha conseguido impor muitos dos custos aos países que pretende ajudar.

Os métodos de operação da China geralmente têm o efeito de reforçar o autoritarismo nos países "beneficiários". Os projetos da BRI – conhecidos por seus empréstimos "sem compromisso" – ignoram amplamente os direitos humanos e os padrões ambientais. Eles pouco consideram, se é que consideram, a opinião das pessoas que podem ser prejudicadas por esses projetos. Algumas negociações ocorrem em acordos às escuras, propensos à corrupção. Às vezes, eles beneficiam e consolidam o poder de elites dominantes enquanto enterram o povo do país sob montanhas de dívidas.

Alguns projetos da BRI são notórios: o porto de Hambantota, no Sri Lanka, que a China recuperou por 99 anos por conta da impossibilidade de pagamento da dívida, ou o empréstimo para construir a ferrovia Mombasa-Nairobi, no Quênia, que o governo está tentando pagar forçando os transportadores de carga a usá-la, apesar de poder contar com alternativas mais baratas. Alguns governos – incluindo Bangladesh, Malásia, Mianmar, Paquistão e Serra Leoa – começaram a recuar nos projetos da BRI porque não parecem economicamente razoáveis. Na maioria dos casos, o devedor com dificuldades busca manter uma boa imagem perante Pequim.

Assim, em vez de realmente ser "sem compromisso", os empréstimos da BRI impõem efetivamente um conjunto de condições políticas que exigem apoio à agenda antidireitos da China. Isso garante, na melhor das hipóteses, o silêncio, e na pior, o aplauso diante da repressão chinesa, bem como a apoio a Pequim no enfraquecimento de instituições internacionais de direitos humanos.

O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, por exemplo, cujo governo é um dos principais beneficiários da BRI, não disse nada sobre seus colegas muçulmanos em Xinjiang ao visitar Pequim, enquanto seus diplomatas ofereciam elogios exagerados pelos “esforços da China em cuidar de seus muçulmanos”. Da mesma forma, Camarões fez elogios subservientes à China logo depois que Pequim perdoou sua dívida de milhões: ao fazer referência à Xinjiang, Camarões elogiou Pequim por “proteger totalmente [o exercício] dos direitos legais das populações de minorias étnicas”, incluindo “crenças e atividades religiosas normais”.

Os bancos de desenvolvimento chineses, como o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China, têm um alcance global crescente, mas carecem de salvaguardas cruciais de direitos humanos. O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, fundado na China, não é muito melhor. Suas políticas exigem transparência e prestação de contas nos projetos que financia e incluem padrões sociais e ambientais, mas não exigem que o banco identifique e lide com riscos de direitos humanos. Entre os 74 membros do banco, há muitos governos que se colocam como respeitadores de direitos: grande parte da União Europeia, incluindo França, Alemanha, Holanda, Suécia e Reino Unido, além de Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

A subversão das Nações Unidas

O governo chinês, avesso à pressão estrangeira sobre seus problemas domésticos de direitos humanos, não pensa duas vezes em proteger sua imagem em fóruns internacionais. Visto que um propósito fundamental da ONU é promover os direitos humanos universais, ela tem sido um alvo central. A pressão tem sido sentida em todos os níveis. O Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, não tem se mostrado disposto a exigir publicamente o fim da detenção em massa de muçulmanos de origem turca na China, elogiando o tempo todo as proezas econômicas de Pequim e a BRI.

No Conselho de Direitos Humanos da ONU, a China frequentemente se opõe a praticamente todas as iniciativas de direitos humanos que criticam um determinado país, a menos que seja branda o suficiente para garantir o consentimento do governo em questão. Nos últimos anos, a China se opôs a resoluções condenando violações de direitos humanos em Mianmar, Síria, Irã, Filipinas, Burundi, Venezuela, Nicarágua, Iêmen, Eritreia e Bielorrússia. A China também busca distorcer a estrutura internacional de direitos, sugerindo que o progresso econômico deve preceder a necessidade de respeitar direitos e instando à "cooperação ganha-ganha" (posteriormente renomeada "cooperação mutuamente benéfica"), que coloca os direitos como uma questão de cooperação voluntária e não de obrigação legal.

Quando o histórico de direitos humanos da China esteve sujeito à revisão periódica universal entre 2018 e 2019, no Conselho de Direitos Humanos, as autoridades chinesas ameaçaram delegações críticas e incentivaram os aliados a proferirem elogios. Pequim também preencheu a lista reservada a porta-vozes de organizações da sociedade civil com grupos apadrinhados pelo governo e encarregados de enaltecerem o histórico do país. Enquanto isso, seus diplomatas deram informações manifestadamente falsas ao órgão de revisão, ameaçaram as delegações caso participassem de um painel de discussão sobre abusos em Xinjiang e procuraram impedir que um grupo independente dedicado à situação em Xinjiang falasse no Conselho. Para completar, as autoridades chinesas montaram uma grande exposição de fotos fora das salas de reuniões da ONU, retratando os uigures como pessoas felizes e gratas ao governo.

Na sede da ONU em Nova York, uma grande prioridade do governo chinês tem sido evitar a discussão sobre sua conduta em Xinjiang. Muitas vezes trabalhando em conjunto com a Rússia, a China também tem adotado uma abordagem cada vez mais regressiva em relação a qualquer ação sobre direitos humanos no Conselho de Segurança, no qual tem poder de veto. Por exemplo, Pequim deixou claro que não tolerará pressões sobre Mianmar, apesar da conclusão de uma missão de inquérito da ONU de que os principais líderes militares de Mianmar devem ser investigados e responsabilizados por genocídio. Juntamente com a Rússia, a China se opôs – embora sem êxito – a que o Conselho de Segurança discutisse a crise humanitária da Venezuela. Em setembro, quando 3 milhões de civis enfrentavam o bombardeio indiscriminado de jatos russos e sírios, a China se juntou à Rússia para vetar uma exigência do Conselho de Segurança por uma trégua.

Censura global

Além de práticas de longa data, como censura à mídia estrangeira, limitação do financiamento de fontes estrangeiras a grupos da sociedade civil doméstica e a recusa de vistos a acadêmicos e outros, Pequim aproveitou ao máximo a busca do lucro por empresas para estender sua censura aos críticos no exterior. Nos últimos anos, diversas empresas cederam a Pequim por conta de ofensas percebidas ou por críticas à China por seus funcionários.

As companhias aéreas da Cathay Pacific, com sede em Hong Kong, ameaçaram demitir funcionários em Hong Kong que apoiaram ou participaram dos protestos pró-democracia de 2019. O executivo-chefe da Volkswagen, Herbert Diess, disse à BBC que "não estava ciente" de relatos sobre campos de detenção que mantêm milhares de muçulmanos em Xinjiang, apesar de a Volkswagen ter uma fábrica lá desde 2012. A Marriott demitiu um gerente de mídias sociais por "curtir" um tweet elogiando a empresa por chamar o Tibete de país e prometeu "garantir que erros como esse não voltariam a acontecer". A gigante da contabilidade PwC repudiou uma declaração publicada em um jornal de Hong Kong apoiando os protestos pró-democracia e feita por funcionários das quatro grandes empresas de contabilidade (as chamadas Big Four). Hollywood está cada vez mais censurando seus filmes de acordo com as sensibilidades de Pequim, como a remoção digital de uma bandeira de Taiwan da jaqueta de Tom Cruise na recente sequência do filme Top Gun, de 1986.

Esta lista é reveladora. Primeiro, ela demonstra quão pequenas e insignificantes são as ligeiras percepções que provocam a ira de várias vozes na China. Mesmo que o Grande Firewall impeça a maioria das pessoas na China de acompanhar as críticas feitas no exterior, e embora o Partido Comunista Chinês dedique enormes recursos para censurar as mídias sociais no plano doméstico e espalhar sua propaganda por lá, poderosos atores na China ainda se irritam com críticas estrangeiras. Com essa sensibilidade em mente, as empresas que buscam fazer negócios com a China costumam silenciar e exigir o mesmo de seus funcionários, mesmo sem uma diretriz de Pequim.

Segundo, ela mostra que a censura chinesa está se tornando uma ameaça global. Já é bastante difícil para as empresas cumprirem as restrições de censura quando operam na China; e é muito pior impor essa censura a seus funcionários e clientes em todo o mundo. Não se pode mais fingir que a supressão da China de vozes independentes termina em suas fronteiras.

Problemas de liberdade de expressão também estão surgindo nas universidades de todo o mundo. O objetivo de manter o fluxo de estudantes da China, que costumam pagar mensalidades integrais, pode facilmente se tornar uma desculpa para as universidades evitarem assuntos desconfortáveis. Na Austrália, Canadá, Reino Unido e nos EUA, alguns estudantes pró-Pequim tentaram encerrar discussões nos campi sobre violações dos direitos humanos em Hong Kong, Xinjiang ou no Tibete. Em outros casos, chineses que desejam participar de debates acadêmicos sobre ideias que seriam tabus em seu país sentem que não podem fazê-lo por medo de serem denunciados às autoridades chinesas. As universidades pouco fizeram, publicamente, para reivindicar o direito à liberdade de expressão nesses casos.

Essa tendência é apenas agravada pelo esforço deliberado de Pequim de recrutar cidadãos chineses no exterior para propagarem suas opiniões, monitorarem uns aos outros e relatarem qualquer crítica ao governo de Xi Jinping. Por exemplo, funcionários da embaixada chinesa em Washington se reuniram e elogiaram um grupo de estudantes por censurarem um estudante chinês na Universidade de Maryland por criticar o governo chinês em um discurso de formatura.

As autoridades chinesas também costumam ameaçar, na China, os parentes de dissidentes no exterior, visando a silenciar suas críticas. Um consultor de tecnologia em Vancouver disse: "Se eu criticar publicamente o [Partido Comunista Chinês], os benefícios de aposentadoria de meus pais, e todos os benefícios de seguro de saúde poderão ser revogados". Uma correspondente de um jornal de língua chinesa baseada em Toronto, cujos pais na China foram assediados por conta de seu trabalho, disse: “Não acho que haja liberdade de expressão. Não posso informar livremente".

A censura também é uma ameaça na medida em que a tecnologia chinesa se expande para o exterior. O WeChat, uma plataforma de mídia social combinada com um aplicativo de mensagens amplamente usado pelo povo chinês na China e no exterior, censura mensagens políticas e suspende as contas de usuários por motivos políticos, mesmo que estejam fora da China.

Respondendo ao desafio

Uma ameaça extraordinária requer uma resposta proporcional – e ainda há muito a ser feito para defender os direitos humanos em todo o mundo contra os ataques frontais de Pequim. Apesar do poder e da hostilidade do governo chinês aos direitos humanos, sua ascensão como uma ameaça global aos direitos não é inevitável. Responder a esse desafio exige uma ruptura radical com a complacência dominante e a abordagem business as usual, de manutenção do status quo. Exige uma resposta sem precedentes por parte daqueles que ainda acreditam numa ordem mundial em que os direitos humanos são importantes.

Governos, empresas, universidades, instituições internacionais e outros devem apoiar as pessoas na e da China que estão lutando para proteger e promover direitos. Como princípio básico, ninguém deve equiparar o governo chinês ao povo da China. Isso seria culpar um povo inteiro pelos abusos de um governo em que eles não têm voz nem participação. Em vez disso, os governos devem apoiar vozes críticas na China e insistir publicamente que, na ausência de eleições genuínas, Pequim não representa o povo chinês.

Assim como os governos pararam de promover a conveniente e fictícia ideia de que o comércio por si só promoveria os direitos humanos na China, eles deveriam abandonar a visão confortadora, mas falsa, de que basta uma diplomacia silenciosa. A pergunta a ser feita às autoridades que visitam Pequim e que alegam discutir o histórico de direitos humanos na China é se o povo da China – o principal agente de mudança – pode ouvi-los. Essas pessoas se sentem encorajadas ou desiludidas com sua visita? Eles ouvem uma voz de empatia e preocupação ou apenas veem uma foto da assinatura de mais contratos comerciais? Repreendendo regular e publicamente Pequim por sua repressão, os governos devem aumentar o custo desse abuso enquanto dão força e coragem às vítimas.

O modelo repressivo chinês de crescimento econômico pode ser refutado, destacando-se os riscos de um regime sem controles e contrapesos, as milhões de pessoas relegadas ao esquecimento na China e até a devastação causada por personalidades como Mugabe, do Zimbábue, ou Maduro, da Venezuela. Lançar luz sobre o modo como os ditadores de todo o mundo alegam servir a seu povo, quando na realidade servem a si mesmos, atinge em grande parte o mesmo propósito.

Os governos e instituições financeiras internacionais devem oferecer alternativas convincentes e respeitadoras dos direitos no que diz respeito à ajuda ao desenvolvimento e empréstimos "sem compromisso" chineses. Eles devem ampliar sua participação em organizações como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura a fim de pressionar pelo respeito aos mais importantes fundamentos dos direitos humanos no desenvolvimento, em vez de permitir uma competição global que nos leva ao fundo do poço.

Os governos comprometidos com os direitos humanos devem estar atentos à ideia de “dois pesos, duas medidas” do “excepcionalismo chinês”, que pode passar despercebido e permitir que Pequim evite esponder pelos mesmos tipos de abusos pelos quais outros governos mais pobres e menos poderosos seriam responsabilizados. Se eles procuram responsabilizar as autoridades de Mianmar pelo tratamento abusivo dos muçulmanos, por que não as autoridades chinesas? Se eles estão atentos aos esforços sauditas ou russos para ganhar legitimidade, por que não aos esforços chineses semelhantes? Se eles incentivam debates sobre violações dos direitos humanos por Israel, Egito, Arábia Saudita ou Venezuela, por que não a China? Eles questionaram, com razão, a terrível política do governo Trump de separar crianças de seus pais na fronteira EUA-México, então por que não desafiar a separação de crianças e pais promovida pelo governo chinês em Xinjiang?

Os governos deveriam deliberadamente contrariar a estratégia usada pela China de dividir-e-conquistar, de modo a garantir o silêncio dos países quanto a sua opressão. Se cada governo sozinho enfrenta uma escolha entre buscar oportunidades econômicas com a China e se manifestar contra a repressão chinesa, muitos optam pelo silêncio. Mas se os governos se unirem para enfrentar a violação dos direitos humanos na China, o equilíbrio de poder muda. Por exemplo, se a OIC protestasse contra a repressão do governo chinês aos muçulmanos de origem turca em Xinjiang, Pequim precisaria retaliar 57 países. A economia chinesa não pode enfrentar o mundo inteiro.

Da mesma forma, empresas e universidades devem elaborar e promover códigos de conduta para lidar com a China. A adoção de fortes normas ou códigos comuns tornaria mais difícil para Pequim ostracizar aqueles que defendem os direitos e liberdades fundamentais. Essas normas tornariam também as questões de princípio um elemento mais importante na imagem pública das instituições. Consumidores estariam em melhor posição para insistir que estas instituições não sucumbam à censura chinesa como preço a pagar pelo comércio com os chineses e para que nunca beneficiem ou contribuam com os abusos da China. Os governos devem regular rigorosamente a tecnologia que fortalece a vigilância e a repressão em massa na China e reforçar as proteções de privacidade para verificar a disseminação de tais sistemas de vigilância.

As universidades, em particular, devem oferecer um espaço no qual estudantes e acadêmicos chineses possam aprender e criticar o governo chinês sem medo de serem monitorados ou denunciados. E elas nunca devem aceitar que Pequim restrinja a liberdade acadêmica de qualquer um de seus estudantes ou professores.

Além de emitir declarações, os governos comprometidos com os direitos humanos devem redobrar os esforços interregionais com o objetivo de apresentar uma resolução no Conselho de Direitos Humanos da ONU que estabeleça uma missão de inquérito para que o mundo possa saber o que está acontecendo em Xinjiang. Esses Estados também devem forçar uma discussão sobre Xinjiang no Conselho de Segurança da ONU, para que as autoridades chinesas entendam que terão que responder por suas ações.

Mais fundamentalmente, Estados membros da ONU e seus altos funcionários deveriam defender as Nações Unidas como uma voz independente na questão dos direitos humanos. Por exemplo, até que uma missão de inquérito da ONU seja criada, os relatórios do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) e dos especialistas do Conselho de Direitos Humanos são cruciais. Se a China conseguir sair intacta da ONU com seu histórico de direitos humanos, todos nós sofreremos.

Os governos comprometidos com os direitos humanos também devem parar de tratar a China como um parceiro respeitável. O tratamento de tapete vermelho para as autoridades chinesas deve estar condicionado a progressos reais em direitos humanos. Uma visita de Estado deve vir com uma demanda pública para dar aos peritos da ONU acesso independente a Xinjiang. As autoridades chinesas devem sentir que nunca ganharão a respeitabilidade que desejam enquanto perseguirem seu povo.

De forma mais específica, as autoridades chinesas diretamente envolvidas na detenção em massa de uigures devem se tornar persona non grata. Suas contas bancárias estrangeiras devem ser congeladas. Elas devem ter medo de serem responsabilizadas por seus crimes. E as empresas chinesas que constroem e ajudam a administrar as instalações de detenção em Xinjiang, e qualquer empresa que explora o trabalho de detentos ou fornece infraestrutura de vigilância e processamento de dados big data, devem ser expostas e pressionadas a cessar tais atividades.

Por fim, o mundo deve reconhecer que a grandiosa retórica de Xi Jinping sobre estabelecer uma "comunidade de futuro compartilhado para a humanidade" é realmente uma ameaça – uma visão dos direitos para o mundo todo, segundo o que é estabelecido e tolerado por Pequim. É hora de reconhecer que o governo chinês busca repudiar e subverter um sistema internacional de direitos humanos que se baseia na crença de que a dignidade de cada pessoa merece respeito – e que, independentemente dos interesses oficiais em jogo, existem limites sobre o que os Estados podem fazer às pessoas.

A menos que queiramos regressar a uma era em que as pessoas são peças de um tabuleiro a serem manipuladas ou descartadas de acordo com os caprichos dos seus mestres jogadores, o ataque do governo chinês ao sistema internacional de direitos humanos tem de ser combatido. Chegou a hora de escolher um lado. Estão em jogo décadas de progresso em matéria de direitos humanos.