No dia 31 de maio de 2016, ministros de Relações Exteriores se reuniram na Organização dos Estados Americanos (OEA) para discutir a crise da Venezuela. O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, fez uma forte defesa dos direitos humanos e da democracia na Venezuela — desencadeando uma reação bastante negativa do colunista Elio Gaspari.
Em 4 de junho, Gaspari publicou um texto criticando a política externa do governo Temer em relação à Venezuela, argumentando que a OEA é “irrelevante”, que, de qualquer forma, a Venezuela deixou a organização, e que o Brasil não tinha votos suficientes para adotar uma resolução em 31 de maio. Ele argumentou que jogar o Brasil em uma briga com a Venezuela é uma “irresponsabilidade” porque “um dia os bolivarianos vão embora” e, inexplicavelmente, na visão dele, os venezuelanos se irritarão com a interferência do Brasil em seus assuntos
Seja adotando uma posição baseada em princípios ou uma posição pragmática, Gaspari está errado.
Tratar da situação dos direitos humanos na Venezuela é exatamente o que o Brasil deve fazer, não apenas por princípio, mas também por pragmatismo. Por princípio, os governos podem e devem denunciar seus vizinhos quando eles violam os direitos humanos — não se trata de um tipo de “interferência” nefasta, um argumento utilizado há décadas por governos abusivos em todo o mundo. Os direitos humanos são universais, e os governos não devem usar o argumento da soberania para se livrar do escrutínio internacional e da responsabilização quando cometem abusos.
De um ponto de vista puramente pragmático, é do interesse do Brasil unir forças com a grande maioria dos governos democráticos na região, que estão empenhados em restaurar os direitos básicos e o estado de direito na Venezuela. A legitimidade e a credibilidade do Brasil perante a comunidade internacional dependerão de o país ser considerado parceiro confiável e comprometido com valores universais. Se, em vez de apoiar esse processo, o governo brasileiro não se envolver, a percepção será de que não se importa, de que não é forte o suficiente para liderar ou, pior ainda, de que apoia silenciosamente uma ditadura.
O governo venezuelano se preocupa com o que outros países fazem e dizem. A decisão de se afastar da OEA é uma tática para tentar limitar o impacto das crescentes críticas na região. Curiosamente, o governo venezuelano anunciou que seu ministro das Relações Exteriores participará da próxima reunião da Assembleia Geral da OEA, que ocorrerá no México.
Ademais, de acordo com as regras da OEA, a decisão de deixar a organização só entrará em vigor daqui a dois anos. Dessa forma, a Venezuela continua vinculada às obrigações democráticas e de direitos humanos que estão previstas tanto na Carta da OEA quanto na Carta Democrática Interamericana.
O sucesso desse esforço multilateral — do qual o Brasil e outras nações, como o México, o Peru, o Canadá e os Estados Unidos, podem se vangloriar — é garantir que tratar da crise venezuelana continue sendo uma prioridade regional. Devemos esperar para ver se serão capazes de negociar uma resolução forte por consenso, mas, enquanto isso, está claro que pelo menos 14 governos estão trabalhando juntos nesta mesma estratégia — mostrando que o Brasil não é um outlier.
Irresponsável — usando a expressão de Elio Gaspari — seria manter o silêncio diante da repressão à oposição, da supressão das eleições e da crise humanitária na Venezuela sob a administração Maduro.