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O Brasil está se tornando um novo ponto crítico para os direitos digitais, após uma série de ações tomadas contra o WhatsApp, o serviço de mensagens instantâneas pertencente ao Facebook. No dia 02 de maio, um juiz do estado de Sergipe determinou que as operadoras de telefonia celular bloqueassem o WhatsApp por 72 horas em virtude da recusa da corporação em entregar dados de usuários às autoridades, apesar da declaração da empresa de que não tem acesso aos dados. Embora a ordem tenha sido rapidamente revogada com base em um recurso, o caso é um sinal preocupante para o direito à privacidade na era pós-Snowden.

Logos do WhatsApp App em um aparelho celular. São Paulo, Brasil. 16 de Dezembro de 2015. © 2015 Reuters

Embora muitos detalhes sobre o caso do WhatsApp permaneçam sobre segredo de justiça, o dilema pode ter sido causado em virtude da decisão da empresa de adotar criptografia de ponta a ponta para todas as mensagens trocadas pelo aplicativo. Isto significa que apenas os usuários podem acessar suas mensagens livremente, e não a empresa. A maneira como o Brasil responderá ao aumento do uso da criptografia para proteger dados pessoais estabelecerá um importante precedente mundial. O país já esteve na vanguarda dos direitos digitais, mas casos recentes arriscam levar o país a um retrocesso.

Este não é o primeiro incidente envolvendo o WhatsApp no Brasil, onde o serviço possui 100 milhões de usuários – mais de 90% daqueles que têm um celular – o que o torna um dos principais meios de comunicação móvel no país. Em dezembro, outro juiz havia determinado o bloqueio do serviço por 48 horas após a recusa da empresa em oferecer acesso aos dados de usuários. A decisão também foi revogada sob a alegação de que era desproporcional.

A Polícia Federal já havia prendido um diretor do Facebook no país, no dia 1º de março, após o WhatsApp se recusar a fornecer dados de usuários que haviam sido requisitados por um juiz em uma investigação sobre tráfico de drogas em um caso em Sergipe. O executivo foi liberado no dia seguinte.

Assim como o WhatsApp, muitas empresas de tecnologia, incluindo a Apple e o Google, começaram a incorporar a criptografia de ponta a ponta e melhores sistemas de segurança em seus produtos. Como resultado, nem mesmo as próprias companhias podem acessar os dados, nem mesmo sob a justificativa do cumprimento de ordens judiciais. Algumas empresas norte-americanas criaram esses sistemas justamente em uma tentativa de reconquistar a confiança dos usuários, abalada depois que Edward Snowden revelou o papel por elas desempenhado nas ações de vigilância massiva conduzidas pela Agência de Segurança Nacional dos EUA.

As autoridades brasileiras têm a responsabilidade de investigar crimes. Nesses casos, porém, o WhatsApp declarou estar à disposição para colaborar com as investigações, mas estaria impedido de fazê-lo por conta da criptografia utilizada.

Especialistas em segurança digital já declararam que esta pode ser a melhor saída para a segurança e os direitos digitais como um todo. Para usuários do WhatsApp em países autoritários, onde o governo monitora as redes sociais e reprime dissidentes, a criptografia protege as comunicações e pode ser crucial para a segurança das pessoas. No entanto, mesmo para usuários comuns no Brasil e em outros países, a criptografia é cada vez mais essencial para a proteção da privacidade e o combate aos crimes virtuais e aos abusos cometidos pelas agências de inteligência.

Conflitos similares em relação à criptografia entre empresas de tecnologia norte-americanas e governos estão em curso em todo o mundo. A incapacidade da Apple em decodificar dados armazenados em iPhones levou a processos e questionamentos nos EUA sobre se as autoridades podem obrigar empresas de tecnologia a reduzirem os sistemas de segurança que protegem os usuários. As redes sociais sofrem pressão na China e em alguns países europeus para enfraquecer a criptografia e possibilitar a vigilância massiva.

Após as revelações de Snowden, os governos de Brasil e Alemanha lideraram uma coalizão global que condenou os abusos do programa de vigilância dos EUA e ajudaram a defender o direito à privacidade junto à ONU. Além disso, em 2014, o Brasil aprovou o Marco Civil da Internet, que reafirma o direito dos usuários à comunicação privada e segura online. O país também foi sede de importantes encontros globais sobre a governança da Internet.

Ao longo do último ano, no entanto, o governo brasileiro nas diferentes esferas não tem praticado o que prega. Além dos casos envolvendo o WhatsApp, uma onda de projetos de lei sobre crimes cibernéticos tramita no Congresso Nacional, com disposições que trariam retrocessos aos direitos digitais no país. Se aprovados, esses projetos de lei possibilitariam a expansão dos poderes de vigilância e censura do governo, ao mesmo tempo em que comprometeriam as proteções aos direitos existentes, ainda que não seja claro como poderiam propiciar uma solução eficaz ao problema dos crimes virtuais.

O Brasil deve retomar a liderança mundial na necessária defesa dos direitos digitais. Seus magistrados devem parar com esses bloqueios massivos de serviços da Internet. Essas decisões desproporcionais não deveriam ter sido tomadas e são amplamente incompatíveis com os princípios incorporados no Marco Civil da Internet. O Ministério Público e o próprio Judiciário devem ser garantidores da privacidade e devem encorajar sistemas robustos de criptografia em serviços como o WhatsApp, em vez de punir empresas por adotarem medidas que protegem seus usuários da espionagem abusiva e as protegem de crimes cibernéticos.

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