(Washington, DC) – Ataques por parte de policiais e militares a comunidades vulneráveis e de imigrantes na Venezuela resultaram em denúncias generalizadas de abusos, declararam o Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos (PROVEA) e a Human Rights Watch em um relatório conjunto publicado hoje. As denúncias incluem execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias em massa, maus-tratos a pessoas detidas, remoções forçadas, destruição de residências e deportação arbitrária de colombianos.
O relatório “Poder Sem Limite: Ataques policiais e militares a comunidades vulneráveis e de imigrantes na Venezuela”, de 39 páginas, documenta denúncias de abusos ocorridos durante operações de segurança conduzidas em todo o país a partir de julho de 2015, como parte da “Operação para Libertar e Proteger o Povo” (OLP), aprovada em lei como sendo uma operação contra facções criminosas. Um ponto comum a todos os casos, assim como em outros abusos por parte do governo documentados pelo PROVEA e pela Human Rights Watch ao longo da última década, é o forte sentimento por parte das vítimas – e de seus familiares – de que não têm a quem recorrer para pedir reparações ou proteção a seus direitos fundamentais.
“Os venezuelanos enfrentam uma das maiores taxas de homicídios do hemisfério e necessitam de proteção urgente contra os crimes violentos”, disse José Miguel Vivanco, diretor para as Américas na Human Rights Watch. “No entanto, em um grande número de operações em todo o país, membros das próprias forças de segurança são suspeitos de cometer graves abusos – incluindo execuções extrajudiciais – nas mesmas comunidades as quais deveriam defender”.
As duas organizações apresentarão suas conclusões à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em uma audiência pública no dia 4 de abril de 2016, para a qual representantes do governo venezuelano foram convidados a participar.
O PROVEA e a Human Rights Watch entrevistaram – ou revisaram os depoimentos escritos de – dezenas de moradores da capital do país, Caracas, e de cinco estados (Carabobo, Miranda, Nueva Esparta, Vargas e Zulia) que declararam terem sido vítimas de abusos durante ataques promovidos no âmbito da OLP ou testemunharam abusos sofridos por outros. Em dois outros estados, Mérida e Táchira, entrevistamos ativistas de direitos humanos que haviam documentado supostos abusos e revisamos informações publicadas por organizações internacionais que conduziram pesquisas na área da fronteira colombiana. Também revisamos fontes oficiais, incluindo documentos judiciais e declarações de autoridades, assim como fotografias e vídeos.
Em fevereiro de 2016, a Procuradora Geral Luisa Ortega Diaz disse que 245 pessoas foram mortas em ataques realizados no âmbito da OLP em 2015, em incidentes nos quais "membros de diferentes forças de segurança participaram". Outras dezenas morreram desde o começo de 2016, de acordo com relatos da imprensa. Autoridades do governo têm declarado rotineiramente que as mortes ocorridas durantes essas ações são causadas por "confrontos" com criminosos armados. No entanto o relatório "Poder Sem Limite" inclui 20 casos nos quais famílias das vítimas ou testemunhas dos mortos declararam que não houve confronto algum - em vários deles, as vítimas foram vistas com vida pela última vez já sob custódia da polícia.
Em um caso, ocorrido em 17 de agosto, agentes da polícia investigativa mataram o jovem Ángel Joel Torrealba, de 16 anos, em sua própria cama, de acordo com a sua mãe, que testemunhou o homicídio. Os agentes teriam então espancado seus pais e sua irmã, e forçado toda a família a abandonar a casa. A mãe disse que os agentes então dispararam outros tiros dentro da residência e declararam que o garoto havia sido morto em um tiroteio. Fontes oficiais reconhecem que apenas uma pessoa morreu durante uma operação ocorrida naquele dia na localidade de Margarita, onde a família vive, mas consta ali que a vítima teria "confrontado" as forças de segurança.
O governo não divulgou números relativos à totalidade de membros das forças de segurança mortos ou feridos durante as operações. No entanto, ao revisar documentos oficiais e relatos da imprensa sobre as operações, o PROVEA e a Human Rights Watch encontraram informações sobre três mortes e 14 feridos entre os membros das forças de segurança. A enorme disparidade entre as baixas de ambos os lados traz descrédito à alegação do governo de que as mortes teriam ocorrido quando criminosos confrontaram violentamente a polícia.
Moradores disseram ao PROVEA e à Human Rights Watch que agentes de segurança também conduziram detenções em massa de forma indiscriminada. De acordo com fontes oficiais, as forças de segurança detiveram temporariamente mais de 14.000 pessoas em operações ocorridas entre julho e janeiro, para "verificar" se eram investigadas por terem cometido algum crime, mas menos de 100 delas chegaram a ser processadas. Mais de 1.700 colombianos foram deportados, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. Centenas de colombianos deportados teríam solicitado asilo ou haviam sido reconhecidos como refugiados pela Venezuela, e estima-se que pelo menos 22.000 outros tenham deixado o país por medo de abusos ou deportação.
Testemunhas disseram que, em alguns casos, agentes de segurança espancaram ou cometeram outros abusos contra pessoas detidas durante as operações. Elas também declararam que alguns agentes roubaram dinheiro, laptops, telefones celulares e itens básicos como alimentos e fraldas enquanto revistavam residências ou detinham seus moradores.
Em outras operações, de acordo com moradores, autoridades expulsaram milhares de pessoas arbitrariamente de suas casas, tanto de projetos de moradia do próprio governo quanto de residências particulares, além de demolirem centenas de casas. Imagens de satélite obtidas pela Human Rights Watch confirmam que centenas de residências foram destruídas em comunidades de dois estados, onde agentes de segurança teriam conduzido remoções em massa. Moradores disseram não terem recebido nenhum aviso prévio nem oportunidade de contestar a decisão do governo de removê-los.
Não há informações disponíveis publicamente sobre a situação de quaisquer investigações oficiais sobre essas alegações de abusos ocorridos durante ações da OLP. Representantes da Procuradoria Geral disseram ao PROVEA que 25 agentes de segurança estão sob investigação, mas não revelaram nomes ou detalhes dos casos. O órgão não respondeu à carta enviada em fevereiro pela Human Rights Watch que solicitava informações detalhadas sobre a situação das investigações sobre abusos ocorridos nessas operações.
O governo da Venezuela deve garantir que todas as operações de segurança sejam conduzidas em conformidade com suas obrigações internacionais de direitos humanos, incluindo a proibição do uso ilegal da força durante operações de segurança, declararam o PROVEA e a Human Rights Watch. Para coibir os abusos das forças de segurança, é essencial que o governo responsabilize criminalmente quaisquer agentes de segurança que cometeram violações contra os direitos humanos. Para que esta seja uma perspectiva realista, as autoridades venezuelanas devem tomar medidas urgentes para restaurar a independência do poder judiciário do país.
“Por mais de uma década, o governo venezuelano exerceu poderes praticamente ilimitados contra seus críticos e opositores - encarcerando políticos, chantageando sindicalistas, censurando e fechando veículos de imprensa, intimidando ativistas de direitos humanos e reprimindo protestos pacíficos” disse Rafael Uzcátegui, diretor executivo do PROVEA. “Os ataques ocorridos no âmbito da OLP ilustram o quanto os venezuelanos de todas os espectros ideológicas - incluindo pessoas em comunidades onde havia forte apoio ao governo - estão totalmente indefesos contra os abusos de poder.