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A armadilha contra Leopoldo López

Publicado em: El País

No dia 23 de outubro, um mês após uma corte venezuelana condenar o líder oposicionista Leopoldo López a 14 anos de prisão, Franklin Nieves, um dos promotores do caso, apareceu em Miami declarando que o julgamento havia sido "uma farsa". As provas contra López, segundo ele, eram inexistentes ou foram forjadas.

Dias depois, juntamente a uma equipe de advogados da Human Rights Watch, tive uma reunião com Nieves para avaliar se suas alegações eram consistentes com a documentação do processo à qual tivemos acesso. E eram.

López foi condenado em primeira instância por quatro crimes relacionados aos eventos do dia 12 de fevereiro de 2014, quando uma manifestação de rua em Caracas, que havia começado pacificamente, terminou com ataques de manifestantes ao escritório do Ministério Público e a veículos oficiais que estavam nas proximidades.

Entre os crimes pelos quais López foi condenado estava a prática de “incêndio”. Nieves defendeu, à época do julgamento, que López era responsável por um incêndio na biblioteca do Ministério Público, causado por um coquetel Molotov arremessado pelos manifestantes.

De acordo com Nieves, no entanto, não houve nenhum incêndio na biblioteca do Ministério Público, o que significa que esse delito não poderia tê-lo praticado López. Curiosamente, segundo um relatório produzido pelos peritos do Ministério Público e incluído nos autos do processo, a única coisa queimada encontrada na biblioteca era um pedaço do pavio de um coquetel Molotov que falhou em explodir.

É claro que uma bomba não detonada poderia servir de base para uma acusação de tentativa de incêndio. Para comprovar tal acusação, no entanto, os promotores teriam que demonstrar que ele orquestrou o ataque. Segundo Nieves, os promotores não possuíam tais provas, o que foi confirmado por nossa avaliação dos documentos. Os promotores também não apresentaram evidências de que López incitou quaisquer outros danos ao edifício - uma segunda acusação pela qual foi condenado.

A juíza Susana Barreiros citou um discurso proferido por López à multidão horas antes dos episódios violentos, mas não mencionou nenhum incitamento explícito à violência - ao contrário, reconheceu que ele pediu "paz e calma" aos manifestantes.

De modo semelhante, a juíza condenou López por um delito mais genérico de "instigação para o cometimento de crimes". Ela declarou que, embora López houvesse pedido uma "saída constitucional" para o governo de Maduro, sua intenção seria a de derrubar a administração atual por meio de protestos de rua, desobediência às leis e não reconhecimento das autoridades legítimas.

Para apoiar essa acusação, a promotoria se baseou no testemunho de dois peritos - escolhidos, segundo Nieves, por seus fortes laços com o governo - que analisaram vários discursos e centenas de mensagens do Twitter de López, antes e durante o dia 12 de fevereiro. Embora ambos declarassem que López nunca instigou explicitamente outros a cometerem crimes, os promotores argumentaram que ele havia usado "mensagens subliminares" para fazê-lo.

Em relação à quarta acusação, a de "pertencer a um grupo de crime organizado", a juíza declarou que, ao supostamente instigar a violência, López estaria agindo como parte de um "grupo estruturado de líderes políticos". A única evidência mencionada pela juíza para chegar a essa conclusão foi o fato de que dois outros políticos da oposição estavam com ele durante seu discurso do dia 12 de fevereiro.

Nieves foi pressionado por seus superiores a emitir um mandado de prisão no dia 12 de fevereiro, antes mesmo de receber um inquérito policial que justificasse a prisão. Nieves nos contou que no dia 13 de fevereiro ele obteve os relatos de testemunhas, inclusive de agentes de segurança do Ministério Público, mas os registrou com a data do dia anterior e os incluiu no processo para aparentar que o mandado teria sido emitido com base nesses testemunhos. No entanto, os testemunhos, registrados por dois agentes de segurança que se confundiram ou não estavam cientes da alteração da data, referem-se ao protesto como tendo ocorrido "ontem" - isto é, um dia antes da data em que realmente ocorreu.

Ainda sob pressão de seus superiores, Nieves prejudicou a defesa ao excluir a maior parte das provas que os advogados de López desejavam apresentar, segundo ele. Apesar de ter a obrigação, sob a lei venezuelana, de investigar as evidências solicitadas pela defesa, a declaração de Nieves a nós condiz com o que que disse o advogado de López: a promotoria inicialmente acolheu uma grande quantidade de provas apresentadas pela equipe de defesa, mas voltou atrás e as recusou dois dias depois.

O que verificamos com base nas declarações de Nieves e na documentação do processo foi que as acusações foram escolhidas e o processo desenhado para que López fosse condenado ao maior tempo possível de prisão. Se excluída a estranha condenação por "pertencer a um grupo de crime organizado", López receberia uma sentença inferior a nove anos de cadeia - caso em que, sob a lei venezuelana, estaria elegível a penas alternativas.

Nieves declarou que seus superiores disseram que a ordem para garantir que López fosse condenado a uma longa pena teria vindo do próprio presidente Nicolás Maduro. Embora esta alegação não possa ser corroborada em nossa investigação, não há dúvidas de que os autos do processo de López são consistentes com a denúncia de Nieves de que o julgamento foi descaradamente político.

Há anos, líderes de toda a América Latina fazem vista grossa à dramática deterioração da proteção aos direitos humanos na Venezuela. Duas semanas atrás, no entanto, o Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, fez uso de uma carta corajosa na qual criticou duramente a detenção de López e as muitas maneiras pelas quais o governo de Nicolás Maduro abusou de seu poder. Os líderes da região deveriam aproveitar esse momento para recorrer à OEA como instrumento para pressionar a Venezuela a libertar imediatamente López e outros que foram detidos arbitrariamente, e a permitir que organizações e observadores internacionais de direitos humanos possam visitar o país.

 

José Miguel Vivanco é diretor da divisão das Américas na Human Rights Watch

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