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A morte do adolescente de 17 anos, Eduardo Felipe Santos Victor, no Morro da Providência, no Rio de Janeiro, em 29 de setembro, é semelhante a centenas de outros casos – pelo menos de acordo com os policiais envolvidos no incidente. Os policiais patrulhavam a área quando, segundo eles, alguém disparou contra eles. Os policiais atiraram de volta, acertando Eduardo, que, segundo a polícia, tinha uma arma, munição e um rádio transmissor.

Só que desta vez, um vídeo chocante com imagens gravadas por moradores do Morro em plena luz do dia mostra cinco policiais militares simulando um tiroteio. Um policial atira no ar e outro coloca uma arma na mão de Eduardo, que está no chão e sangrando muito, e dispara duas vezes. Os policiais passam cinco minutos movendo o corpo de Eduardo e alterando a cena do crime, mas, em nenhum momento, qualquer um deles socorre Eduardo, que veio a falecer.

Ainda, no mês passado, foram divulgados vídeos de um policial militar atirando um homem de um telhado em São Paulo e um outro de policiais tirando as algemas de um homem e arrastando-o para trás de uma parede onde aparentemente o mataram e colocaram uma arma ao lado de seu corpo. Em seus relatos oficiais, os policiais disseram que perseguiam os dois homens que teriam roubado uma motocicleta e os mataram durante um tiroteio.

Policiais patrulham a favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. 14 de setembro de 2012. © 2012 Reuters

Mortes em decorrência de intervenção policial tiveram um salto no ano passado no Rio de Janeiro e São Paulo e continuam a subir. Segundo o Instituto de Segurança Pública, de janeiro a agosto de 2015, a polícia matou 459 pessoas no Rio, um aumento de 18 por cento sobre o mesmo período de 2014. Em São Paulo, os números divulgados pela Secretaria de Segurança Pública revelam que a polícia matou 415 pessoas nos primeiros seis meses de 2015, um aumento de 22 por cento em relação ao primeiro semestre de 2014.

Dado o histórico da polícia no Rio de Janeiro e São Paulo, há boas chances de que parte significativa do aumento corresponda a execuções extrajudiciais como as registradas nos vídeos, que evidenciam o que a Human Rights Watch e outros grupos locais vêm documentando há anos. Enquanto policiais matam algumas pessoas em legítima defesa própria ou de terceiros, outros casos são execuções extrajudiciais.

Em nosso relatório de 2009, "Força Letal", a Human Rights Watch documentou 51 casos em São Paulo e Rio de Janeiro em que evidências críveis apontavam para execuções extrajudiciais. Em 2013, documentamos outros 22 casos em São Paulo em que coletamos provas substanciais de que foram execuções extrajudiciais cometidas pela polícia. A Anistia Internacional alcançou conclusões semelhantes em um estudo impactante publicado este ano, que documentou nove homicídios em decorrência de intervenção policial na favela de Acari, no Rio de Janeiro.

Os estados de Rio e São Paulo implementaram algumas medidas para coibir os abusos policiais, mas essas medidas não trataram efetivamente de uma questão fundamental: a responsabilização criminal. Nos dois casos recentes no Rio de Janeiro e em São Paulo, os policiais envolvidos foram detidos após os vídeos serem publicados. No entanto, nos casos em que ninguém grava a cena com uma câmera de vídeo, a impunidade é a regra. Pesquisas feitas tanto pela Human Rights Watch como pela Anistia Internacional e outras organizações revelam que policiais responsáveis por execuções extrajudiciais no Rio e em São Paulo raramente são responsabilizados criminalmente.

Um delegado e um policial da delegacia de homicídios afirmaram à Human Rights Watch em junho deste ano que a polícia do Rio de Janeiro muitas vezes está mais interessada em encontrar provas de que a pessoa morta por policiais estava ligada ao tráfico de drogas do que na investigação das circunstânicas da morte. Sob essa lógica, suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas é o suficiente para justificar uma sentença de morte.

A intenção da polícia civil do Rio de Janeiro de que a Divisão de Homicídios do Estado investigue as mortes em decorrência de intervenção policial é um passo bemvindo para se romper com essa lógica.

Dada a alta taxa de criminalidade do Brasil e o poder das facções criminosas, a polícia brasileira enfrenta uma tarefa difícil e por vezes perigosa, como demonstrado nesta semana por notícias da morte trágica de dois policiais no Rio de Janeiro. O uso injustificado da força letal pela polícia, no entanto, é contraproducente para manter a paz. Execuções extrajudiciais pela polícia contribuem para a violência ao invés de coibi-la e geram medos e desconfiança nas comunidades, o que por sua vez dificulta os esforços de policiais que cumprem a lei para realizar sua importante missão.

Após a morte de Eduardo, o jornal Extra publicou um vídeo que, segundo o comando da UPP Providência, mostrava Eduardo vendendo drogas, como se isso fosse uma justificativa para matá-lo e depois alterar as provas do crime.

A polícia precisa parar de culpar as vítimas e começar a deter suspeitos de homicídio, mesmo aqueles que usam uniforme.

 

Uma versão deste artigo foi publicada hoje no jornal O Globo.

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