(Washington, DC) – A Human Rights Watch afirmou hoje que o novo apelo do Presidente dos Estados Unidos Barack Obama pela transferência dos detentos da prisão de Guantánamo e pelo fim da “guerra” contra a al-Qaeda pode dar início a uma política de contraterrorismo mais consoante com as obrigações de direitos humanos do país. Entretanto, no discurso feito em 23 de maio de 2013 na Universidade de Defesa Nacional, Obama não conseguiu esclarecer muitas questões relacionadas ao programa de ataques com alvos específicos, incluindo como os Estados Unidos determinam quem pode se tornar alvo e em quais circunstâncias.
“A decisão do Presidente Obama de acabar com sua própria proibição em relação à transferência de detentos para o Iêmen indica que, finalmente, ele tem a vontade política necessária para cumprir sua promessa de fechar a prisão de Guantánamo”, afirmou Kenneth Roth, diretor-executivo da Human Rights Watch. “Contudo, a repetição de que os Estados Unidos estão em guerra contra ‘forças associadas’ inominadas e indefinidas sugere que uma transparência verdadeira é pouco provável”.
De acordo com a Human Rights Watch, Obama falou em seu discurso sobre o uso de drones em ataques com alvos específicos promovidos pelos Estados Unidos e sobre a prisão localizada na Baía de Guantánamo, mas não respondeu a perguntas importantes. Os Estados Unidos deveriam garantir a legalidade do seu programa de ataques com alvos específicos, inclusive com maior transparência e prestação de contas ao público sobre as vítimas civis. Além disso, o país deve transferir os detentos da prisão de Guantánamo para seus países de origem ou outros países, acabar com julgamentos fundamentalmente injustos em comissões militares e julgar os demais detentos em tribunais civis americanos.
Os ataques com alvos especificose a “guerra perpétua”
Obama declarou que não assinará nenhuma autorização relacionada à prorrogação da guerra e que trabalhará com o Congresso para limitar e, definitivamente, revogar a autorização atual para o uso de força militar. Isso sugere que ele está comprometido com a rejeição da noção de “guerra perpétua”.
Com exceção de declarações jurídicas genéricas, o governo Obama nunca revelou totalmente a base legal que utiliza para justificar j seu programa de ataques com alvos específicos, nem os critérios utilizados para identificar os alvos. Em seu discurso, Obama essencialmente confirmou declarações anteriores de funcionários do governo sobre os ataques, embora tenha mencionado que as mesmas regras se aplicam a cidadãos dos Estados Unidos e de outros países. Também disse que os ataques com alvos específicos se limitarão a situações em que a captura não é possível.
No entanto, ele não explicitou o significado de “iminência” no momento de determinar se um suspeito de terrorismo representa uma ameaça iminente aos Estados Unidos; tampouco explicou como o status de combatente é determinado. Além disso, ele não discutiu a prática amplamente divulgada de “signature strikes” – ataques a pessoas de identidade desconhecida, mas que são consideradas combatentes em função de seu comportamento ou da observação de determinados padrões de atividade. Esses ataques não cumprem os requisitos das leis internacionais necessariamente. É possível que sejam ilegais.
Durante o discurso de Obama, a Casa Branca divulgou um informe que supostamente estabelece limites adicionais; porém, trata-se de resumo não confidencial de um documento confidencial e, como tal, não é exato e não contém definições essenciais. Obama disse que assinou uma Orientação Política Presidencial referente ao uso de força contra suspeitos de terrorismo e que ela foi entregue ao Congresso, apesar de confidencial. Segundo a Human Rights Watch, deve haver mais clareza sobre a política de ataques com alvos específicos para que o público possa avaliar a observância das leis internacionais pelos Estados Unidos.
“Obama disse que haverá mais limites para os ataques com alvos específicos, o que é um passo na direção certa”, comentou Roth. “Porém, a mera promessa de que os Estados Unidos agirão de acordo com diretrizes secretas não garante a observância das leis internacionais por parte do país”.
As transferências dos detentos de Guantánamo
O Presidente Obama afirmou o fim da proibição do governo em relação à transferência de detentos da prisão de Guantánamo para o Iêmen. A proibição foi imposta após a tentativa de um ataque à bomba contra um avião de passageiros americano em 25 de dezembro de 2009 – supostamente planejado com a participação da al-Qaeda da Península Arábica, um grupo baseado no Iêmen. Ele também anunciou a nomeação de um enviado sênior dos Departamentos de Estado e de Defesa para supervisionar o processo de transferência e pediu que o Congresso acabe com as restrições impostas à transferência de detentos.
Em 2010, uma força-tarefa interagências concluiu que 86 dos 166 detentos de Guantánamo poderiam ser transferidos para seus países de origem ou outros países. Nos últimos dois anos, o Congresso impôs várias formas de restrições que dificultaram – mas não impossibilitaram – a transferência de detentos da prisão de Guantánamo. As mais recentes exigem que o governo certifique que os detentos não se envolverão com o terrorismo após a soltura ou que o governo renuncie a essa certificação, afirmando que a transferência é feita no interesse da segurança nacional dos Estados Unidos e que o risco de envolvimento com o terrorismo foi minimizado por meio de “medidas alternativas” indefinidas.
Mesmo se o governo estivesse disposto a certificar ou a renunciar às restrições do Congresso, sua própria proibição às transferências para o Iêmen impediu a soltura de 56 iemenitas – o maior grupo entre os 86 detentos considerados aptos para soltura.
“O fim da proibição às transferências para o Iêmen é um passo importante para o fechamento da prisão de Guantánamo”, disse Roth. “Mas não haverá nenhuma luz no fim do longo túnel de Guantánamo até que os iemenitas e outros detentos comecem a ser realmente transferidos”.
As comissões militares e a detenção por prazo indeterminado
Em seu discurso, o Presidente Obama forneceu poucas novas informações sobre o julgamento dos detentos da prisão de Guantánamo. A exceção foi o plano de transferir alguns deles para os Estados Unidos, onde seriam julgados por comissões militares. A transferência das comissões para os Estados Unidos pode resolver alguns problemas logísticos, mas não muda o fato de que elas são fundamentalmente injustas.
Obama falou sobre a situação de 46 detentos que, segundo a força-tarefa interagências, são “muito perigosos” para serem soltos, mas não podem ser julgados – em alguns casos, disse ele, porque as provas contra eles foram comprometidas ou eram inadmissíveis no tribunal. Apesar de afirmar que tem certeza de que esse “problema herdado” pode ser resolvido de acordo com as normas jurídicas, Obama não forneceu nenhuma indicação de que os 46 homens não ficarão detidos por tempo indeterminado. Na visão da Human Rights Watch, não sendo possível julga-los, esses detentos devem ser soltos.
“A detenção prolongada por tempo indeterminado sem acusação formal ou julgamento viola as leis internacionais de direitos humanos”, disse Roth. “Porém, o plano aparente de Obama – que consiste em transferir os detentos para os Estados Unidos, onde serão julgados por comissões militares desacreditadas e realocadas para o país – não é a solução”.
Segundo a Human Rights Watch, embora as regras tenham sido reeditadas três vezes desde a formação das comissões militares em 2005 e proteções processuais tenham sido adicionadas durante o governo Obama, essas comissões ainda não cumprem as normas internacionais de um processo justo. Entre outras falhas, elas não têm independência judicial, admitem determinados depoimentos obtidos por coação, permitem que os militares escolham o júri e não protegem comunicações privilegiadas entre o advogado e o seu cliente.
“A declaração de Obama de que a prisão de Guantánamo nunca deveria ter sido aberta foi recebida com aplausos. Ele deveria ouvir esses aplausos e fechar a prisão de uma vez por todas”, afirmou Roth. “O fim da detenção por tempo indeterminado, a volta do uso de tribunais civis federais e o reconhecimento do mal que foi feito aos homens detidos ilegalmente mostrariam que, além de fechar a prisão, o presidente deseja acabar com a ideia de Guantánamo”.