(Joanesburgo) – As eleições realizadas por toda a África subsariana em 2011 assinalaram um crescente compromisso formal para com a democracia. No entanto, os líderes africanos fizeram uso de violência e restringiram direitos durante e após os períodos eleitorais para se manterem no poder, anunciou hoje a Human Rights Watch no seu Relatório Mundial 2012.
Durante 2011, realizaram-se eleições presidenciais na República Democrática do Congo (RDC), Libéria, Nigéria, Uganda e Zâmbia, entre outros países da África subsariana.Na RDC e no Uganda, as forças de segurança do estado fizeram uso de força excessiva contra apoiantes dos partidos da oposição e visaram jornalistas, candidatos dos partidos da oposição e ativistas da sociedade civil, bem como cidadãos comuns.Na RDC, foram mortas pelo menos 42 pessoas nos dias que antecederam e precederam a votação. Em alguns casos, as mortes foram provocadas por soldados que dispararam contra grupos de alegados apoiantes da oposição.Em alguns países, o difícil rescaldo das eleições de 2010 ressoou ao longo de 2011.
“O último ano demonstrou o desejo de tantos africanos de escolherem os seus próprios líderes pacificamente e de forma justa”, disse Daniel Bekele, diretor de África da Human Rights Watch.“Infelizmente, os votos foram frequentemente prejudicados pela intimidação do governo, os abusos do exército e da polícia e o conflito incitado pelos políticos.Se este graves problemas não forem remediados, é possível que os africanos assistam a mais do mesmo em eleições futuras”.
No seu relatório de 676 páginas, a Human Rights Watch avaliou o progresso em matéria de direitos humanos ao longo do último ano em 90 países, incluindo os levantamentos populares no mundo árabe que poucos terão imaginado.Tendo em conta as forças violentas que resistem à “Primavera Árabe”, a comunidade internacional desempenha um papel importante na ajuda ao nascimento de democracias respeitadoras dos direitos na região, afirmou a Human Rights Watch no relatório.
Em África, quando a Costa do Marfim realizou a segunda volta das eleições presidenciais em novembro de 2010, o ex-presidente Laurent Gbagbo recusou renunciar ao cargo após a derrota eleitoral que deu a vitória a Alassane Ouattara.Tal provocou seis meses de violência durante os quais foram mortas pelos menos 3000 pessoas.Atualmente, Gbagbo aguarda julgamento na Haia pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), o que reflete o alcance alargado da justiça internacional.No entanto, não foi envidado qualquer esforço para punir os graves crimes perpetrados pelas forças leais ao Presidente Ouattara, quer na Costa do Marfim, quer pelo TPI.
As eleições na Nigéria em abril de 2011 foram aclamadas por muitos como as mais justas na história da nação.Ainda assim, foram mortas pelo menos 165 pessoas em campanhas de violência e a eleição presidencial desencadeou tumultos e assassinatos sectaristas no Norte da Nigéria que tiraram a vida a mais de 800 pessoas.A Nigéria não trouxe à justiça os responsáveis por estes crimes.
A Guiné e o Burundi realizaram eleições em 2010 mas os desenvolvimentos que tiverem lugar em 2011 revelaram a necessidade de reforçar os seus sistemas de justiça, de controlar os membros dos serviços de segurança cronicamente abusivos e de resistir à tendência de se transformarem em estados unipartidários.No Ruanda, a intolerância contra a oposição política permanece inalterada desde as eleições de 2010.O Quénia, apesar de cooperar formalmente com o TPI, levou a cabo uma série de manobras jurídicas e políticas para impedir a condenação de seis líderes políticos e de opinião acusados de incitarem à violência por altura das eleições de 2007.
O Sudão realizou um referendo sobre a independência do Sul do país em janeiro de 2011, no qual os habitantes do Sul votaram esmagadoramente a favor da separação do Norte após duas décadas de guerra, ao abrigo dos termos do acordo de paz de 2005.A independência do Sudão do Sul foi proclamada oficialmente em julho, tornando-se assim no 54º país africano, uma nação que enfrenta enormes desafios políticos e económicos.Apesar de a separação do Sudão do Sul ter sido relativamente pacífica, as forças governamentais sudanesas atacaram civis em Abyei, a área fronteiriça em disputa, e em dois estados voláteis – Nilo Azul e Kordofan do Sul – localizados a norte da fronteira com o Sul.O governo do Sudão também levou a cabo ataques contra a população civil no Darfur.O Presidente Omar al-Bashir enfrenta um mandato de captura pendente do TPI pela atrocidades cometidas no Darfur.
Ao longo do ano, conflitos armados e crises humanitárias desgastaram a Somália, o Norte e Leste da RDC e partes do Sudão, agravando as dificuldades económicas e requerendo a intervenção internacional de forças de manutenção da paz das Nações Unidas e da União Africana.Apenas no Sul do Sudão, o conflito matou mais de 2600 pessoas.Na Somália, os média divulgaram cerca de 2500 vítimas apesar de o número ser indubitavelmente superior.A Human Rights Watch urgiu estes governos, as forças internacionais e os grupos armados da oposição a porem termo às violações cometidas pelas respetivas forças.Os governos devem investigar e exigir a prestação de contas por parte dos responsáveis por crimes de guerra.As forças internacionais, em particular, têm de dedicar mais energia a proteger os civis contra a violência e a prestar assistência aos deslocados internos, afirmou a Human Rights Watch.
Em 2011, os Estados Unidos da América enviaram 100 conselheiros militares para prestar assistência às forças regionais envolvidas nas operações militares contra o Exército de Resistência do Senhor, um grupo rebelde ugandês altamente abusivo que opera atualmente no Nordeste da RDC, no Sudão do Sul e na República Centro-Africana.O Quénia e a Etiópia enviaram tropas para a Somália para subjugar al-Shabaab, um grupo armado islamista que impôs um domínio severo sobre grandes áreas do país.
“Os conflitos armados africanos estão a ser combatidos em todas as frentes com pouca consideração pela população civil”, afirmou Bekele.“Os organismos intergovernamentais e os países influentes devem dedicar esforços de maior envergadura para protegerem os civis contra a totalidade dos males suscitados pelos tempos de guerra”.
A satisfação dos direitos económicos e sociais na África subsariana é ainda um enorme desafio, afirmou a Human Rights Watch.Apesar das declarações de compromisso da parte dos governos para com a saúde materno-infantil, as taxas de mortalidade e doença associadas à natalidade continuam elevadas e sem solução em países como a África do Sul e o Quénia, os quais detêm os recursos necessários à prestação de melhores cuidados de saúde.O acesso a serviços de cuidados de saúde infantis é insuficiente em todo o continente, incluindo no Quénia.
Outros países ricos em recursos, tais como a Guiné Equatorial, Angola, Nigéria e Guiné, investiram pouco da sua receita em serviços de carácter social ou no combate à corrupção, à custa dos direitos sociais e económicos dos seus residentes.O Ruanda e a Etiópia pareceram ter feito progressos em alguns indicadores de desenvolvimento.No entanto, em ambos os países, os governos opressores reprimiram ativistas nacionais pelos direitos humanos e detiveram jornalistas, membros dos partidos da oposição e outros indivíduos considerados críticos.
Um número crescente de países, em particular a China e a Índia, reforçou o seu envolvimento no continente.Apesar de o aumento de investimentos destes países oferecer oportunidades económicas aos governos africanos e respetivas populações, suscitou igualmente preocupações para as populações particularmente desfavorecidas.No Sudão do Sul e na Etiópia, por exemplo, os terrenos utilizados pelos agricultores locais estavam a ser reatribuídos à força a investidores para fins de agricultura comercial, o que pode pôr em risco a segurança alimentar.
Os maus-tratos sofridos pelos trabalhadores em minas de cobre detidas por chineses na Zâmbia, bem como a exposição de trabalhadores infantis a mercúrio em minas de ouro no Mali, evidenciaram a necessidade de haver uma proteção mais sólida dos trabalhadores contra riscos profissionais extremos.Os governos africanos, em particular, desempenharam um papel essencial na criação de uma convenção internacional para regular o tratamento dos trabalhadores nacionais.Os maus-tratos sofridos por trabalhadores infantis nacionais é um problema endémico no continente.
Os ecos da “Primavera Árabe” atravessaram devagar a África subsariana à medida que as populações tentavam exercer os seus direitos à liberdade de reunião, associação e expressão.Sem grandes celebrações internacionais, realizaram-se manifestações contra o domínio autoritário, a injustiça política e as preocupações económicas em Angola, Guiné-Bissau, Quénia, Malavi, Senegal, Sudão, Suazilândia e Uganda.Exceto as quenianas, todas as manifestações foram violentamente reprimidas.
No Zimbabué, com eleições agendadas para 2012, as autoridades detiveram ativistas por terem visto um filme sobre os acontecimentos no Médio Oriente. Vários zimbabueanos foram vítimas de assédio e detenções arbitrárias.No Senegal, que também se prepara para uma eleição em 2012, houve manifestações contra as propostas de alterações constitucionais que iriam fortalecer a permanência no poder do Presidente.O governo reprimiu líderes da sociedade civil, um sinal preocupante num país frequentemente apontado como um modelo de democracia estável em África.Na África do Sul, outro bastião do continente, o parlamento votou a promulgação da Lei da Proteção da Informação, que ameaça restringir a liberdade de expressão e o acesso público à informação, caso a medida entre em vigor.
“A Primavera Árabe mostrou ao mundo quanto as populações do Médio Oriente e do Norte de África querem ser tratadas com dignidade e respeito”, afirmou Bekele.“Os africanos a Sul do Sara têm as mesmas aspirações.Os governos da região e de outros locais têm de prestar atenção às suas preocupações”.