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Palestinos dirigem em meio aos escombros de edifícios destruídos num ataque aéreo em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, em 12 de outubro de 2023. © 2023 SAID KHATIB/AFP via Getty Images

(Jerusalém) - O governo israelense precisa acabar imediatamente com o bloqueio total da Faixa de Gaza, que está colocando crianças palestinas e outros civis em grave risco. A punição coletiva da população é um crime de guerra. As autoridades israelenses deveriam permitir a entrada de recursos extremamente necessários como alimentos, ajuda médica, combustível, eletricidade e água em Gaza, e permitir que os civis doentes e feridos saiam para receber tratamento médico em outros lugares.

Israel anunciou em 18 de outubro de 2023 que permitiria que alimentos, água e remédios chegassem às pessoas no sul de Gaza a partir do Egito, mas sem eletricidade ou combustível para operar a usina local ou geradores, ou fornecimento transparente de ajuda para as pessoas no norte, isso deixa de atender às necessidades da população de Gaza.

O bombardeio israelense e o bloqueio total exacerbaram a crise humanitária de longa data resultante do fechamento ilegal de Gaza por 16 anos feito por Israel, onde mais de 80% da população depende de ajuda humanitária. Os médicos em Gaza relatam que não conseguem cuidar de crianças e outros pacientes porque os hospitais estão lotados de vítimas de ataques aéreos israelenses. No dia 17 de outubro, uma bomba atingiu o Hospital al-Ahli, na Cidade de Gaza, causando vítimas em grande escala; o Hamas culpou Israel pelo ataque, enquanto Israel disse que foi um foguete disparado por militantes palestinos. A Human Rights Watch está investigando o ataque.

As autoridades de saúde disseram que a falta de água, a contaminação de áreas por esgoto e a existência de muitos corpos que não podem ser mantidos em segurança nos necrotérios podem desencadear um surto de doenças infecciosas.

“O bombardeio de Israel e o bloqueio total ilegal de Gaza significam que inúmeras crianças feridas e doentes, entre muitos outros civis, morrerão por falta de cuidados médicos”, disse Bill Van Esveld, diretor associado de direitos da criança da Human Rights Watch. “O presidente dos EUA, Joe Biden, que está em Israel hoje, deveria pressionar as autoridades israelenses a suspenderem completamente o bloqueio ilegal e garantir que toda a população civil tenha acesso imediato a água, alimentos, combustível e eletricidade.”

Autoridades israelenses de alto escalão disseram que o bloqueio total da Faixa de Gaza, onde crianças e adolescentes representam quase metade da população de 2,2 milhões de habitantes, faz parte dos esforços para derrotar o Hamas, após o ataque de 7 de outubro contra Israel. Os combatentes palestinos liderados pelo Hamas mataram mais de 1.300 pessoas, de acordo com as autoridades israelenses, e fizeram muitos civis, inclusive mulheres e crianças, como reféns. Em 9 de outubro, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou “um cerco completo... sem eletricidade, sem água, sem comida, sem combustível. Estamos lutando contra animais humanos e agimos de acordo”. O Ministério da Saúde palestino informou que, até 18 de outubro, 3.478 palestinos foram mortos. O grupo de direitos palestinos Defense for Children International - Palestina informou que mais de 1.000 crianças estão entre os mortos.

As leis da guerra não proíbem cercos ou bloqueios das forças inimigas, mas não podem incluir táticas que impeçam o acesso de civis a itens essenciais para sua sobrevivência, como água, alimentos e medicamentos. As partes do conflito devem permitir e facilitar a passagem rápida de ajuda humanitária imparcial para todos os civis que necessitem. A ajuda pode ser inspecionada, mas não arbitrariamente atrasada.

Além disso, durante ocupações militares, como a de Gaza, a potência ocupante tem o dever, de acordo com a Quarta Convenção de Genebra, de garantir, na máxima medida dos meios disponíveis, “a alimentação e o suprimento médico da população”. A inanição como método de guerra é proibida e é um crime de guerra.

De acordo com o direito internacional dos direitos humanos, os Estados devem respeitar o direito à água, o que inclui abster-se de limitar o acesso ou destruir os serviços e a infraestrutura de água como medida punitiva durante conflitos armados, bem como respeitar as obrigações de proteger objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil.

O bloqueio total de Israel contra a população de Gaza faz parte dos crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição que estão sendo cometidos pelas autoridades israelenses contra os palestinos.

A mídia noticiou em 17 de outubro que Israel havia se recusado a autorizar a entrada de ajuda humanitária em Gaza, enquanto o Egito se recusava a autorizar que palestinos atravessassem para o Sinai. O Egito e Israel deveriam permitir que os civis passem por suas respectivas fronteiras para buscar, pelo menos, proteção temporária ou cuidados médicos capazes de salvar vidas, além de garantir que qualquer pessoa que deixe Gaza tenha o direito de retornar voluntariamente em segurança e dignidade.

 

Falta de atendimento médico

A escassez de equipamentos médicos, suprimentos e medicamentos em face do grande número de vítimas está causando mortes evitáveis nos hospitais da Faixa de Gaza. Mais de 60% dos pacientes são crianças, disse o Dr. Midhat Abbad, diretor geral de saúde em Gaza, à Human Rights Watch. Um médico residente da ala de emergência do hospital Al Aqsa chorou ao falar com a Human Rights Watch por telefone em 15 de outubro:

Ontem, a unidade de terapia intensiva estava lotada e todos os respiradores estavam em uso. Chegou uma criança com traumatismo craniano que precisava de um respirador. Eles tiveram que escolher entre duas crianças, que iriam morrer. Ele [o médico] decidiu que uma criança era mais promissora para o tratamento, então fomos obrigados a trocar o respirador, e a outra criança morreu.

Um médico do Northern Medical Complex disse que, na noite de 14 de outubro, os médicos da unidade de terapia intensiva tiveram que desconectar um paciente adulto de um respirador para usá-lo em uma criança de 10 anos. Ele disse que a falta de suprimentos médicos o obrigou a suturar o ferimento na cabeça de uma mulher sem luvas ou equipamento esterilizado.

Em uma mensagem de voz em 14 de outubro, um médico do hospital al-Shifa descreveu um grupo de pacientes com “ferimentos nas costas, incluindo fraturas compostas, que podem ser muito dolorosas”. Ele disse que o hospital havia ficado sem analgésicos para administrar a eles.

Ghassan Abu Sitta, um cirurgião britânico voluntário no hospital al-Shifa, publicou em uma rede social, em 10 de outubro, que “os hospitais, por causa do cerco, estão com tão poucos suprimentos que tivemos que limpar uma adolescente com 70% de queimaduras na superfície do corpo com sabão comum porque o hospital não tem clorexidina (antisséptico)”. Em 14 de outubro, ele disse em uma nota de voz compartilhada com a Human Rights Watch: “Não podemos mais fazer nada além das cirurgias que salvam vidas” porque os suprimentos médicos se esgotaram e as mortes e ferimentos causaram falta de pessoal.

Mais de 5.500 mulheres grávidas na Faixa de Gaza devem dar à luz no próximo mês, mas enfrentam “o comprometimento da operacionalidade das instalações de saúde” e a falta de “suprimentos essenciais para salvar vidas”, declarou o Fundo de População das Nações Unidas em 13 de outubro.

“Precisamos de insulina [para diabéticos]”, disse o chefe de um abrigo da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA) em 15 de outubro. “As pessoas estão morrendo.” O abrigo estava lotado com 15.000 pessoas deslocadas internamente.

A Organização Mundial da Saúde declarou, em 14 de outubro, que havia transportado suprimentos médicos e de saúde básica para 300.000 pacientes para o Egito, perto da fronteira sul da Faixa de Gaza, e que mais de 1.000 toneladas de outras ajudas humanitárias haviam sido enviadas para a área. No entanto, desde 17 de outubro, os trabalhadores e a ajuda humanitária continuam bloqueados na passagem de fronteira de Rafah. Segundo relatos, ataques israelenses atingiram a passagem repetidamente, tornando-a insegura. O ministro das Relações Exteriores do Egito, Sameh Shoukry, disse que quatro trabalhadores humanitários egípcios ficaram feridos nos ataques israelenses e que “ainda não há nenhum tipo de autorização para uma travessia segura a partir do outro lado da passagem”.

A ordem de Israel, dada em 13 de outubro, para que todos os civis localizados no norte da Faixa de Gaza evacuassem para o sul exacerbou a crise médica: 21 hospitais com mais de 2.000 pacientes estão localizados nessa região. A Organização Mundial da Saúde disse que as evacuações “podem ser equivalentes a uma sentença de morte” para os doentes e feridos, e disse que os hospitais já estavam além de sua capacidade no sul da Faixa de Gaza. Um médico pediatra do Hospital Kamal Adwan disse que a evacuação provavelmente causaria a morte de sete recém-nascidos na UTI que estavam conectados a respiradores.

O Dr. Abu Sitta disse que a ordem de evacuação de Israel forçou o fechamento do Hospital Pediátrico Mohammed al-Durra, a leste da Cidade de Gaza, incluindo uma unidade de tratamento intensivo neonatal apoiada pela instituição de caridade da qual ele é voluntário, a Medical Aid for Palestinians.

Os doentes e feridos, incluindo crianças, adolescentes e mulheres grávidas, não têm permissão para atravessar as passagens de Rafah para o Egito de Erez para Israel para receberem tratamento. O Dr. Abbad, diretor geral de saúde, disse: “Estamos precisando desesperadamente de uma imediata passagem humanitária segura para os pacientes, [e] precisamos de hospitais de campanha urgentemente”.

 

Energia Elétrica

Em 7 de outubro, as autoridades israelenses cortaram o fornecimento de eletricidade em Gaza, sendo esta a principal fonte de eletricidade da região. As autoridades israelenses também cortaram o fornecimento de combustível necessário para o funcionamento da única usina elétrica de Gaza. Desde então, a usina ficou sem combustível e foi desligada. Em 17 de outubro, o Dr. Abbad disse à Human Rights Watch por telefone que os geradores de emergência dos hospitais ficarão sem combustível “dentro de horas”.

O diretor regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha alertou, em 11 de outubro, que os cortes de energia estão “colocando em risco os recém-nascidos em incubadoras e os pacientes idosos que usam oxigênio. Diálises renais foram interrompidas e exames de raios X não podem ser feitos. Sem eletricidade, os hospitais correm o risco de se transformar em necrotérios”.

 

Água e esgoto

O Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) informou que 97% da água subterrânea em Gaza é “imprópria para consumo humano”, deixando a população dependente do fornecimento de água de Israel e das usinas de dessalinização do território. Israel cortou toda a água em 11 de outubro, e a maior parte da dessalinização também foi interrompida naquele dia devido ao corte de eletricidade, deixando cerca de 600 mil pessoas sem água potável, disse Omar Shatat, vice-diretor geral da Coastal Municipalities Water Utility de Gaza, à Human Rights Watch.

A última usina de dessalinização que estava em funcionamento  parou de funcionar em 15 de outubro. Israel retomou parcialmente o fornecimento de água naquele dia, mas apenas para a área leste de Khan Younis, e isso representa menos de 4% da água consumida em Gaza antes de 7 de outubro, de acordo com a OCHA.

A UNRWA (sigla em inglês para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente ) alertou que “as pessoas começarão a morrer de desidratação grave”, a menos que o acesso à água seja retomado. A Associated Press informou, em 15 de outubro, que um médico havia tratado 15 casos de crianças com disenteria bacteriana devido à falta de água limpa, que também pode causar doenças como a cólera, principalmente em crianças com menos de 5 anos.

“Israel cortou os insumos mais básicos necessários para a sobrevivência em Gaza, onde mais de um milhão de crianças estão em risco”, disse Van Esveld. “Cada hora que esse bloqueio continua custa vidas”.

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