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O presidente filipino Rodrigo Duterte fala durante um programa de televisão noturno ao vivo em Manila, Filipinas, em 3 de abril de 2020. © 2020 Toto Lozano/Divisão de Fotografos Presidenciais deMalacanang via AP

Este mês, em Genebra, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deve examinar mais uma vez a brutal “guerra às drogas” do governo filipino, que tem resultado em milhares de mortes. Tendo em vista os crescentes abusos sob a administração de Rodrigo Duterte, é extremamente importante que o Conselho de Direitos Humanos instaure uma investigação internacional independente, semelhante à estabelecida para os abusos na Venezuela.

Contudo, ainda restam dúvidas se o Brasil pretende posicionar-se contra as violações de direitos nas Filipinas.

Em julho de 2019, diversos países latino-americanos mostraram apoio crucial a uma resolução do Conselho de Direitos Humanos condenando os abusos nas Filipinas. Argentina, México, Peru e Uruguai foram os Estados membros da América Latina que votaram a favor da medida e contribuíram para sua margem de aprovação. O único país latino-americano que votou contra a resolução foi Cuba. Brasil e Chile se abstiveram, desperdiçando a oportunidade de se posicionar em defesa dos direitos humanos.

A aprovação da resolução liderada pela Islândia trouxe novos ares à, até então, terrível situação de direitos humanos nas Filipinas, em rápida deterioração. A resolução resultou, em junho, em um relatório do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que concluiu que os assassinatos nas Filipinas têm “caráter generalizado e sistemático”. Desde que Duterte assumiu o cargo em julho de 2016, aponta o relatório, pelo menos 8.663 pessoas foram assassinadas no contexto de sua letal campanha antidrogas, e outras estimativas chegam ao triplo desse número. Outros 208 defensores de direitos humanos, jornalistas e sindicalistas foram assassinados por suas atividades, constatou o alto comissariado.

Desde o início da “guerra às drogas” em julho de 2016, milhares de filipinos foram assassinados pela polícia e agências de combate às drogas, bem como por homens armados não identificados, muitos deles sicários (pistoleiros) trabalhando em associação com a polícia ou governos locais. Grupos de direitos humanos nas Filipinas estimam que mais de 27.000 pessoas foram assassinadas. A Human Rights Watch documentou que 101 crianças foram mortas em circunstâncias típicas de execuções extrajudiciais ou por engano durante operações entre julho de 2016 e dezembro de 2019.

A pandemia de Covid-19 e as medidas de isolamento social intensificaram estas mortes. De abril a julho, os assassinatos aumentaram mais de 50 por cento em relação aos quatro meses anteriores à pandemia. Isso é particularmente preocupante porque as Filipinas apresentam a pior situação de Covid-19 no sudeste da Ásia – o que significa que os filipinos mais pobres, trancados em suas casas para se protegerem do vírus, estão particularmente vulneráveis à ação de homens armados que invadem seus lares.

Os militares e a polícia também têm atuado especificamente contra ativistas políticos e defensores de direitos, jornalistas, membros da oposição política, críticos, advogados, sindicalistas, ambientalistas e ativistas de povos indígenas, transformando-os em alvos de assédio e execuções extrajudiciais.

A documentação da Human Rights Watch e de outras organizações indica o envolvimento das forças de segurança nesses assassinatos e outros abusos de direitos. Em vários casos relacionados a drogas, a polícia ou seus agentes plantaram evidências, como armas e drogas, nas vítimas no local do crime. O exército frequentemente classifica pessoas ou grupos de ativistas críticos ao governo como comunistas. Pistoleiros não identificados assassinaram muitos dos assim classificados, e os casos nunca foram seriamente investigados. Essas práticas têm gerado um clima de medo dos esquadrões da morte e restringido o espaço democrático no país.

O governo também tem fracassado na responsabilização dos envolvidos em execuções extrajudiciais. As autoridades investigaram poucos desses assassinatos, e muito menos os levaram a julgamento. Dos milhares de casos relacionados à “guerra às drogas”, apenas um resultou na condenação de policiais.

O governo de Duterte tem anunciado a criação de um “painel de revisão” que examinará mais de 5.000 assassinatos cometidos pela polícia, mas isso seria como colocar a raposa cuidando do galinheiro. Há diversas razões para duvidar desse painel, principalmente porque ele inclui e é dirigido por pessoas e agências que planejaram e realizaram a campanha de “guerra às drogas”. Os Estados membros do Conselho de Direitos Humanos não devem se deixar enganar por esse painel de revisão, que parece ter sido designado exclusivamente para iludir outros países e evitar mais escrutínio.

As atrocidades nas Filipinas precisam parar. E os responsáveis ​​– independentemente do cargo ou escalão – precisam ser levados à justiça.

A maioria dos países latino-americanos no Conselho defendeu a população das Filipinas ao apoiarem a resolução de 2019. Os filipinos contam mais uma vez com o apoio dos Estados latino-americanos na sua busca por justiça.

Os brasileiros, particularmente, deveriam compreender sofrimento dos filipinos, dado os altos índices de violência policial em seu próprio país. Em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou o compromisso de seu governo com os direitos humanos. O Brasil tem acertadamente criticado os abusos generalizados dos direitos humanos na Venezuela, mas agora deve mostrar que não usa dois pesos e duas medidas. O Brasil não deve decepcionar a população das Filipinas.

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