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Ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sergio Moro, em 15 de maio de 2019. © 2019 Marcelo Camargo/Agência Brasil
Os incêndios e o desmatamento na Amazônia atraíram a atenção mundial em 2019 e não sem motivo. Especialistas alertam há tempos que a proteção da floresta é crucial para retardar as mudanças climáticas. Mesmo assim, o mundo assistiu cerca de 29.944 km2, área quase 20 vezes o tamanho da cidade de São Paulo, queimar em agosto do ano passado. Dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelam que as áreas com alertas de desmatamento na Amazônia aumentaram 85% em 2019 em comparação com 2018.

Mas a urgente situação da Amazônia não pode ser resolvida simplesmente com o combate aos incêndios ou a plantação de árvores. Trata-se de uma crise de segurança pública, como a Human Rights Watch (HRW) documentou em um relatório de divulgado em setembro do ano passado. Constatamos que o desmatamento ilegal e a violência na Amazônia são impulsionados ​em grande parte ​por redes criminosas. Além de queimarem a floresta e cortarem árvores ilegalmente, essas redes lavam dinheiro, subornam agentes públicos e invadem terras públicas. Elas estão roubando a riqueza da floresta que pertence a todos os brasileiros.

As redes criminosas empregam milícias armadas que intimidam, atacam e às vezes matam agentes públicos e moradores que lutam para defender a floresta. E fazem isso com quase total impunidade. Mais de 300 pessoas foram mortas de forma violenta na última década no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos naturais na Amazônia, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a única instituição a contabilizar esses dados. Os suspeitos foram julgados em apenas 14 casos.

A HRW documentou 28 assassinatos, 4 tentativas e mais de 40 casos de ameaças de morte. Em apenas dois assassinatos, suspeitos foram a julgamento; e ninguém foi processado pelas ameaças.

Esta emergência de segurança pública requer atenção urgente de um ministério que pouco aparece no debate público sobre a Amazônia: o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Muitos dos crimes cometidos pelas redes criminosas na região têm jurisdição federal, pois ocorrem, por exemplo, em terras indígenas, unidades de conservação ou outras terras federais. Mesmo os crimes de competência estadual são frequentemente cometidos por redes criminosas envolvidas em crimes federais. Em qualquer caso, a polícia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, tem mandato e capacidade investigativa e o dever de zelar pelo patrimônio da União.

Finalmente, a impunidade na Amazônia resulta em grande parte da atuação insuficiente das instituições de justiça, em todos os níveis, para garantir que as redes criminosas sejam investigadas e processadas adequadamente. Sair dessa passividade exigirá liderança no setor de justiça. Ninguém está em melhor posição para exercê-la do que o Ministro da Justiça Sérgio Moro. Ele deve trabalhar em coordenação com o Procurador-Geral da República e as autoridades estaduais para elaborar um plano nacional eficaz, que garanta que a violência e outros crimes cometidos por pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira sejam investigadas e os autores levados à justiça. Para isso, entretanto, ele terá que atuar na contramão do seu próprio governo.

As políticas e a retórica do governo Bolsonaro têm encorajado a destruição da floresta por parte dessas redes criminosas, colocando em risco a floresta e o povo local. O presidente e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, menosprezam não apenas grupos ambientalistas, mas também os próprios agentes ambientais do governo federal, com acusações infundadas. Eles enfraqueceram as agências ambientais, cortando orçamento e removendo servidores experientes de posições-chave. De janeiro a setembro de 2019, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(IBAMA) impôs 25% menos multas por desmatamento ilegal e outras infrações em comparação a 2018. Essas medidas beneficiam apenas as redes criminosas. Não surpreende que o desmatamento tenha aumentado durante o primeiro ano do governo.

Em resposta à pressão internacional, o presidente recentemente anunciou a criação do Conselho da Amazônia, que será dirigido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. A função exata do Conselho permanece incerta. O vice-presidente se encontrou com o ministro Moro, segundo a imprensa, para discutir uma nova Força Policial Ambiental para a Amazônia. A força deverá recrutar policiais militares em vários estados. Destacá-los para áreas remotas a fim de combater o desmatamento seria importante, mas não é a solução.

Para ser eficaz, qualquer iniciativa precisará abordar a impunidade dos casos de violência e extração ilegal de madeira. A nova força deverá oferecer segurança e apoio aos fiscais do IBAMA, muitos dos quais disseram à HRW que se sentem abandonados pelo governo e sob o risco de serem atacados por redes criminosas.

Ela também precisará lidar com as falhas do passado nas investigações da violência contra defensores da floresta, causa fundamental da impunidade. Seria uma perda de tempo, recursos e oportunidade implantar uma nova força nacional sem garantir o apoio que as polícias federal e estaduais e os promotores estaduais e federais precisam para obter, ao final, condenações efetivas.

Os próximos meses revelarão se as novas iniciativas do governo são meras promessas para abrandar a pressão internacional. A menos que o governo mude radicalmente sua abordagem em relação às redes criminosas ​​que promovem o desmatamento e em relação às agências, ambientalistas e comunidades locais que defendem a floresta, é provável que a destruição da Amazônia acelere. Uma parte substancial dessa mudança depende do ministro Sérgio Moro. Veremos se ele está pronto para assumir sua responsabilidade para salvar a Amazônia.

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