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(São Paulo) - José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da Human Rights Watch, fez hoje a seguinte declaração sobre o trabalho da Comissão Nacional da Verdade.

Comentaristas no Brasil estão utilizando de forma equivocada trechos de declarações feitas pela Human Rights Watch para descreditar o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Como a Human Rights Watch já disse, o relatório é um passo fundamental rumo à reparação das atrocidades cometidas durante a ditadura militar no país (1964 - 1985). A Comissão encontrou provas contundentes de que membros das Forças Armadas e da polícia cometeram graves violações dos direitos humanos, como tortura, execuções e desaparecimentos forçados. Esses abusos constituíram uma ação "generalizada e sistemática", conduzida como parte de uma "política de Estado", concebida e implementada a partir de decisões emanadas do mais alto escalão do governo, diz o relatório.

A Comissão confirmou que 191 pessoas foram mortas e 243 desapareceram durante o regime militar. De acordo com uma estimativa da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, aproximadamente 20 mil pessoas foram torturadas. Os autores dessas atrocidades podem e devem ser responsabilizados pelos crimes cometidos, apesar da lei de anistia aprovada em 1979. O direito internacional determina que anistias não devem ser usadas para evitar a investigação e responsabilização em casos de crimes contra a humanidade, nem se aplicam a crimes que perduram no tempo, como os desaparecimentos forçados, em que o paradeiro ou o destino da vítima continua desconhecido.

A Comissão Nacional da Verdade publicou uma resolução três meses após sua criação, em maio de 2012, definindo como seu objetivo investigar as graves violações dos direitos humanos cometidas por "agentes públicos, pessoas a seu serviço, com apoio ou no interesse do Estado" e não relatar crimes por parte de agentes não estatais. A avaliação da Human Rights Watch tem sido que, para estabelecer um relato que seja o mais abrangente possível dos fatos ocorridos em períodos passados de violência patrocinada pelo Estado, comissões da verdade também deveriam olhar para alegações de sérios crimes cometidos por agentes não estatais, ainda que sejam em número reduzido e já tenham sido objeto de investigação pelo Estado.

É a posição que adotamos como questão de princípio a orientar o nosso próprio trabalho: analisar, sempre que possível,  alegações de violações perpetradas por todos os atores nos contextos de guerra civil ou conflito, ou onde golpes de Estado levaram a regimes ditatoriais. Acreditamos que essa abordagem nos auxilia a manter nossa credibilidade como organização neutra – o que, consequentemente, é fundamental para nossa capacidade de defender as vítimas e buscar a responsabilização dos autores de atrocidades.

No caso do Brasil, a inclusão de um relato objetivo da natureza e escopo de alegados crimes violentos cometidos por grupos não estatais no relatório final da Comissão Nacional da Verdade poderia ter contribuído para enterrar o mito ainda presente em alguns setores da sociedade brasileira de que as atrocidades do Estado foram de algum modo “proporcionais” às ações daqueles agentes. Teria dificultado sobremaneira o argumento daqueles que defendem a ditadura militar no Brasil de que as conclusões do relatório foram parciais.

A Human Rights Watch acredita que o relatório da Comissão Nacional da Verdade é uma conquista histórica. A decisão da comissão de concentrar esforços na identificação dos abusos estatais de forma alguma invalida a importância e seriedade das suas conclusões, nem elimina a obrigação do Estado de promover a responsabilização criminal dos autores desses abusos. Além de respeitar os direitos e agir dentro da legalidade, membros das forças de segurança têm o dever adicional de proteger os cidadãos contra todas as formas de violações e promover o respeito ao Estado de Direito. Como resultado do trabalho da Comissão Nacional da Verdade, essas graves violações – e a obrigação do Estado de promover a responsabilização dos seus autores - já não poderão mais ser ignoradas.

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