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(Washington, DC) – O governo venezuelano tem sistematicamente se utilizado de tratamento brutal contra manifestantes críticos ao governo e opositores políticos, incluindo tortura, afirmaram a Human Rights Watch e o Foro Penal, uma ONG venezuelana, em um relatório divulgado hoje.

Um manifestante é preso pela Guarda Nacional durante uma manifestação contra o governo em Caracas no dia 27 de julho de 2017. © 2017 Ronaldo Schemidt/AFP/Getty Images

O relatório de 73 páginas, Arremetida contra opositores: Brutalidad, tortura y persecución política en Venezuela (em português, “Repressão à dissidência: brutalidade, tortura e perseguição política na Venezuela”), documenta 88 casos envolvendo pelo menos 314 pessoas, muitas das quais descreveram terem sido submetidas a graves violações de direitos humanos em Caracas e em 13 estados entre abril e setembro de 2017. Membros das forças de segurança espancaram pessoas detidas severamente e os torturaram com choques elétricos, asfixia, agressão sexual e outras técnicas brutais. As forças de segurança também fizeram uso desproporcional da força contra pessoas nas ruas, além de terem arbitrariamente detido e processado opositores do governo. Embora não tenha sido a primeira repressão à dissidência sob a administração de Nicolás Maduro, a extensão e a gravidade da repressão em 2017 atingiram níveis nunca vistos na história recente da Venezuela.

“Os terríveis e generalizados abusos contra opositores do governo na Venezuela, incluindo os casos de flagrante tortura e a impunidade absoluta dos agressores, sugerem a responsabilidade do governo nos níveis mais altos”, disse José Miguel Vivanco, diretor da divisão das Américas da Human Rights Watch. “Não se trata de abusos isolados ou excessos ocasionais por agentes de segurança pública inescrupulosos, mas sim de uma prática sistemática das forças de segurança venezuelanas”.

Os terríveis e generalizados abusos contra opositores do governo na Venezuela, incluindo os casos de flagrante tortura e a impunidade absoluta dos agressores, sugerem a responsabilidade do governo nos níveis mais altos.
José Miguel Vivanco

Diretor para as Américas

O relatório se baseia em entrevistas com mais de 120 pessoas, incluindo vítimas e suas famílias, advogados associados ao Foro Penal que estiveram presentes em audiências judiciais, e profissionais de saúde que prestaram assistência a pessoas feridas em manifestações ou perto delas. Também analisamos evidências disponíveis que corroboravam os relatos – incluindo fotografias, imagens de vídeo, relatórios médicos e decisões judiciais – e revisamos relatórios governamentais e declarações oficiais.

Em alguns casos, as forças de segurança fizeram uso de bombas de gás lacrimogêneo em ambientes fechados, onde pessoas eram mantidas detidas, mantiveram detidos em pequenas celas de confinamento por períodos prolongados e lhes negaram acesso à comida ou à água – ou os forçaram a comer alimentos que estavam propositalmente contaminados com dejetos humanos, com cinzas de cigarro ou com insetos.

Em vários casos, os detidos sofreram abusos físicos e psicológicos, aparentemente com a intenção de puni-los ou forçá-los a incriminarem a si mesmos ou a outros, incluindo líderes da oposição. A natureza e o momento em que muitos dos abusos aconteceram – bem como o uso de frequentes alcunhas políticas pelos agressores – sugerem que o objetivo não era aplicar a lei ou dispersar protestos, mas sim punir as pessoas por suas supostas opiniões políticas, afirmaram a Human Rights Watch e o Foro Penal.

A repressão estendeu-se para além dos protestos, com agentes de inteligência do governo tirando pessoas de suas casas ou as prendendo nas ruas, mesmo quando não ocorriam manifestações. Muitas pessoas detidas nesses casos eram opositores políticos do governo, incluindo ativistas menos conhecidos, ou pessoas que o governo afirmou terem vínculos com a oposição política.

“Não é mais sobre lideranças políticas, não é mais sobre figuras públicas, são apenas cidadãos comuns – fui eu”, disse Ernesto Martin (pseudônimo), 34 anos, detido em sua casa por criticar publicamente o governo e depois torturado para confessar sua suposta ligação com a oposição política.

Apesar da assombrosa evidência de violações de direitos humanos, a Human Rights Watch e o Foro Penal não encontraram evidências de que funcionários públicos de alto nível – incluindo aqueles que sabiam ou deveriam saber sobre os abusos – tenham tomado medidas para prevenir e punir as violações. Ao contrário, muitas vezes eles minimizaram os abusos ou os negaram de maneira implausível.

Em abril, dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas na Venezuela em resposta a uma manobra do Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela – que está inteiramente subordinado ao Executivo – para usurpar os poderes do poder legislativo do país depois que a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional nas eleições. As manifestações rapidamente se espalharam por todo o país e continuaram por meses, alimentadas por um descontentamento mais amplo com as práticas autoritárias do presidente Nicolás Maduro e com a crise humanitária que devastou o país sob seu governo.

Os abusos nas ruas diminuíram desde julho. Isso porque há menos protestos, mas o governo não deu nenhum sinal de que pretende dar um fim a sua brutal repressão a opositores e, muito menos, de que responsabilizará seus servidores pelas generalizadas violações que ocorreram.

O governo venezuelano tem caracterizado os protestos em todo o país como violentos. Documentamos casos em que alguns manifestantes fizeram uso de violência, por exemplo, lançando pedras e coquetéis Molotov contra as forças de segurança. No entanto, os brutais abusos por parte dos agentes das forças de segurança que documentamos não faziam parte de um esforço para reprimir manifestações violentas. Na verdade, as atrocidades foram infligidas a pessoas que já se encontravam sob custódia ou sob o controle das forças de segurança, ou consistiram em atos de violência desproporcional e abuso deliberado contra pessoas nos protestos, nas ruas e até mesmo em suas próprias casas.

Membros das forças de segurança e grupos armados pró-governo, chamados de “colectivos” na Venezuela, causaram dezenas de mortes e deixaram centenas de feridos. Em muitos casos, eles dispararam jatos de água, gás lacrimogêneo e projéteis à curta distância, aparentemente com o propósito de causar lesões dolorosas.

“As autoridades detiveram pelo menos 5.400 pessoas desde abril”, disse Alfredo Romero, diretor do Foro Penal. “Alguns detidos foram libertados sem serem apresentados a um juiz, mas outros foram submetidos a processos criminais arbitrários sem as garantias mais básicas do devido processo legal”.

Pelo menos 757 civis foram julgados em tribunais militares por crimes como traição à pátria e rebelião militar, em circunstâncias que violam o direito internacional.

Governos em toda a região – e de outros continentes – condenaram a repressão do governo venezuelano a manifestações e protestos pacíficos. É urgente redobrar a pressão multilateral sobre o governo venezuelano para que solte pessoas detidas arbitrariamente, retire denúncias apresentadas em processos motivados politicamente, e responsabilize os autores das graves violações de direitos humanos.

Antes do lançamento do relatório, a Human Rights Watch e o Foro Penal compartilharam suas conclusões com a Procuradora Geral do Tribunal Penal Internacional e com o Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, que tem acompanhado de perto a situação dos direitos humanos no país.

Autoridades venezuelanas de alto escalão são responsáveis pelos graves e generalizados abusos que estão sendo cometidos por seus subordinados”, afirmou José Miguel Vivanco. “Líderes internacionais comprometidos em solucionar a crise venezuelana devem mandar uma mensagem clara: se o governo venezuelano não demonstra ter capacidade ou vontade para responsabilizar criminalmente os membros das forças de segurança pelos abusos cometidos, a comunidade internacional pressionará para que a justiça seja feita no plano internacional”.

 

Veja abaixo uma seleção dos casos documentados.

Alguns dos casos documentados de violações cometidas pelas forças de segurança

Ernesto Martin (pseudônimo) (34 anos), Caracas. Em abril, agentes de inteligência prenderam Martin depois de ele ter criticado publicamente o governo. Ele disse que os agentes algemaram suas mãos e tornozelos, o penduraram ao teto e lhe deram choques elétricos enquanto perguntavam sobre sua relação com a oposição. Ele disse ter sido espancado e ameaçado de morte. Durante semanas, Martin não pôde ver sua família, seu advogado ou um juiz. Ele foi solto depois de ter sido informado que não poderia discutir política em suas redes sociais. Martin fugiu do país.

Alejandro Pérez Castilla (pseudônimo) (32 anos), estado de Carabobo. Em 26 de julho, agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) detiveram Pérez durante uma manifestação. Ele disse ter sido jogado dentro de um veículo blindado, onde foi espancado por horas, pisotearam seus dedos, pressionaram seu rosto contra o órgão genital de um dos guardas e ameaçaram estuprar sua filha. Ele disse que enquanto estava detido, os agentes esfregaram pó lacrimogêneo em seu rosto, em seus olhos, no nariz e nas feridas dos projéteis disparados pelas forças de segurança durante a manifestação. Ele disse que os guardas o espancavam enquanto ele estava pendurado por seus pulsos algemados a uma carcaça de um ar-condicionado, onde mal podia tocar o chão. Ele disse que mais tarde foi forçado a se sentar algemado em um banco de metal, onde usaram uma arma de choque em sua panturrilha. Ele disse que agentes também detonaram uma bomba de gás lacrimogêneo dentro de sua cela minúscula e fecharam a porta.

Orlando Moreno (26 anos), estado de Monagas. Em 27 de junho, a polícia estadual de Monagas deteve Moreno enquanto ele saía de uma manifestação contra o governo. Ele disse que, enquanto estava detido, os agentes da GNB o penduraram de mãos algemadas a um tanque de água elevado, onde seus pés mal podiam tocar o chão, e o espancaram repetidamente para tentar forçá-lo a filmar um vídeo acusando líderes da oposição – incluindo María Corina Machado, chefe do partido que ele representava em Monagas – de financiar os protestos.

Armando López Carrera (pseudônimo) (17 anos), estado de Carabobo. López disse que, no dia 20 de julho, membros da GNB o prenderam durante um confronto entre manifestantes e forças de segurança. Ele disse que, enquanto preso, os agentes o forçaram a caminhar agachado, espancando-o com paus; cortaram seu cabelo, bateram nele, o forçaram a fazer exercícios de treinamento militar e a se curvar e suportar seu peso com os pés e a cabeça – sem usar as mãos – por cerca de cinco minutos. Ele disse que foi mantido em uma cela superlotada por vários dias.

Reny Elías (35 anos), estado de Zulia. Em 20 de julho, os agentes da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) prenderam Elías em sua casa, sem um mandado judicial, espancando-o com escudos e capacetes, disse ele, enquanto o arrastavam pelos cabelos para fora de sua casa. Enquanto preso, disse que os agentes o espancaram com as pontas de suas armas e capacetes, o forçaram a se deitar no chão enquanto caminhavam sobre suas costas e derramaram água e pó de gás lacrimogêneo em seu rosto. Ele disse que testemunhou o estupro de outro homem detido com uma vassoura e viu mulheres detidas sendo assediadas sexualmente.

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