Cidade do México – Crianças que fogem de sérias ameaças em países da América Central enfrentam enormes obstáculos ao solicitarem refúgio no México, declarou a Human Rights Watch em um relatório publicado hoje.
O relatório “Portas Fechadas: o Fracasso do México em Proteger Crianças Refugiadas e Imigrantes da América Central”, de 151 páginas, documenta as grandes discrepâncias entre as leis e as práticas mexicanas. Por lei, o México oferece proteção àqueles que correm risco de vida ou de segurança caso retornem a seus países de origem. No entanto, menos de um por cento das crianças detidas pelas autoridades de imigração mexicanas chegam a ser reconhecidas como refugiadas, de acordo com dados do governo do México.
“No papel, a legislação mexicana parece oferecer toda a proteção às crianças que fugiram de seus países por temerem por suas vidas”, disse Michael Bochenek, conselheiro sênior para os direitos das crianças na Human Rights Watch. “No entanto, apenas uma parte delas de fato recebe a proteção que instituto do refúgio oferece, demonstrando que apesar dos graves riscos a que estão sujeitos adultos e crianças da América Central, o governo mexicano não dá a devida consideração a suas solicitações de refúgio”.
A Human Rights Watch entrevistou 61 crianças e mais de 100 adultos que viajaram de El Salvador, Guatemala, e Honduras ao México. A Human Rights Watch também entrevistou autoridades do governo mexicano; representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), a agência da ONU para refugiados; representantes de organizações não-governamentais; e analisou arquivos e dados coletados pelas agências mexicanas de imigração e proteção a refugiados.
Essas constatações vêm à tona em um momento em que o número de crianças sem documentos detidas pelas autoridades mexicanas vem aumentando acentuadamente. As autoridades de imigração do México detiveram mais de 35.000 crianças em 2015, isto é, quase 55 por cento mais que em 2014 e 270 por cento a mais que em 2013.
Este aumento é, em parte, reflexo do apoio financeiro do governo dos Estados Unidos à ações da imigração mexicana desde a metade de 2014, quando um número recorde de pessoas oriundas da América Central, incluindo crianças desacompanhadas e famílias com filhos, começaram a chegar aos EUA.
A violência de facções criminosas já assola os países do “Triângulo Norte” da América Central – El Salvador, Guatemala, e Honduras – há mais de uma década, e tais grupos frequentemente têm crianças como alvo.
Muitas das crianças entrevistadas pela Human Rights Watch disseram que foram pressionadas a se juntar a facções, muitas vezes sob ameaças de morte ou violência contra elas ou seus familiares. Meninas estão particularmente sujeitas a agressões e violência sexual por parte de membros dessas facções. Outras crianças relataram terem sido vítimas de extorsão ou mantidas reféns para obtenção de resgates.
Gabriel R., um jovem de 15 anos do estado hondurenho de Cortés, relatou à Human Rights Watch: “Eu estava na escola, na nona série. Um dia, a facção me abordou perto da escola onde eu estudava. Eles disseram que eu precisava me juntar a eles. Deram-me três dias: se eu não aceitasse, me matariam”. Gabriel fugiu sozinho para o México em maio de 2015, antes do fim do prazo de três dias.
No entanto, quando as crianças chegam ao México, os agentes de imigração muitas vezes não as informam de seu direito de solicitar refúgio, nem os avaliam para determinar a viabilidade da solicitação, revelou a Human Rights Watch.
Não é garantida assistência jurídica e outras formas de auxílio às crianças que solicitam refúgio - a menos que elas tenham a sorte de serem representadas por alguma das poucas organizações não governamentais que oferecem orientação legal. Os procedimentos de solicitação de asilo não foram desenhados levando em conta a situação dessas crianças, sendo muitas vezes confusos para elas.
Crianças que desejam solicitar asilo também estão sujeitas a detenções prolongadas. Várias delas disseram à Human Rights Watch que agentes de imigração as alertaram de que o mero fato de solicitar asilo resultaria em uma detenção demorada. A Human Rights Watch também conversou com várias crianças e pais que, para não permanecerem presos, decidiram não solicitar refúgio ou retiraram suas solicitações, aceitando serem devolvidos a seus países de origem, apesar dos riscos.
A legislação mexicana estabelece que crianças desacompanhadas devem ser colocadas sob custódia do sistema de proteção à criança do México e detidas apenas em circunstâncias excepcionais. Apesar disso, a detenção das crianças migrantes é a regra.
Mesmo crianças com sorte o bastante para serem acolhidas por um dos abrigos mantidos pela agência de proteção à criança do país estão sujeitas a uma espécie de prisão. Elas não vão às escolas locais e possuem pouco contato com a comunidade. A menos que necessitem de cuidados médicos especializados, permanecem dentro das paredes do abrigo durante sua estadia.
De acordo com os padrões internacionais, a detenção de crianças não deve ser usada como política de controle de imigração; em vez disso, os países devem “cessar rápida e completamente a detenção de crianças com base na sua situação de imigração”, como declarou o Comitê das Nações Unidas para os Direitos da Criança. O México tem a obrigação de oferecer cuidados e proteção apropriados a essas crianças em instalações adequadas.
O México tem o direito de controlar suas fronteiras, mas crianças migrantes não devem ser mantidas em detenção. O país pode oferecer cuidados e proteção apropriados às crianças desacompanhadas ou separadas de suas famílias de várias formas, abrigando-as em casas de família ou em instalações públicas ou privadas. Embora possa ser necessário abrigar algumas em instalações fechadas, trancafiar crianças em instalações similares a prisões não atende aos padrões internacionais, declarou a Human Rights Watch.
O México deve garantir que crianças tenham acesso aos procedimentos de reconhecimento de sua situação de refugiado, incluindo a orientação jurídica e assistência apropriada. O governo também deve expandir a capacidade de sua agência de refugiados, inclusive estabelecendo presença ao longo da fronteira sul do México.
O governo dos EUA, que tem pressionado o México a barrar indivíduos da América Central, deveria oferecer financiamento e apoio adicional para aperfeiçoar e expandir a capacidade do México de processar solicitações de refúgio e oferecer assistência social aos refugiados e solicitantes de refúgio. O governo dos EUA deveria condicionar o financiamento de entidades mexicanas envolvidas com a imigração e o controle de fronteiras à uma atuação que esteja em conformidade com os padrões nacionais e internacionais de direitos humanos.
O governo dos EUA também deveria expandir o Programa para Menores de Idade da América Central para possibilitar que crianças o acessem a desde o México ou de outros países onde elas buscam proteção, além de permitir solicitações baseadas em reunião familiar com familiares que estejam nos EUA, não apenas seus pais.
“Colocar crianças em uma situação na qual elas tenham de escolher entre meses de detenção ou retornar aos perigos dos quais fugiram em seus países de origem viola não só o mínimo de decênciamas também a legislação mexicana e internacional”, disse Michael. “Tanto o México quanto os EUA devem trabalhar para oferecer cuidados adequados às crianças que fogem da violência na América Central, assim como oportunidades razoáveis para que elas solicitem proteção”.