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Israel e Palestina

Eventos de 2023

Here:  Uma moradora caminha entre os escombros de edifícios residenciais após ataques aéreos israelenses no bairro de al-Zahra, na Faixa de Gaza, em 19 de outubro de 2023.

© 2023 Mustafa Hassona/Anadolu via Getty Images

Em 2023, civis foram perseguidos, atacados e assassinados em uma escala sem precedentes na história recente de Israel e da Palestina.

Em 7 de outubro, homens armados da Faixa de Gaza, liderados pelo Hamas, lançaram um ataque no sul de Israel, matando de forma deliberada civis, disparando contra multidões, executando pessoas dentro de suas casas e levando reféns de volta para Gaza, incluindo idosos e crianças, atos que configuram crimes de guerra. Segundo as autoridades israelenses, mais de 1.200 pessoas, a maioria civis, foram mortas desde 7 de outubro e 133 permaneciam reféns até 15 de dezembro.

Pouco tempo depois, as autoridades israelenses cortaram o fornecimento de serviços essenciais da população de Gaza, incluindo água e eletricidade, e bloquearam a entrada de quase tudo, com exceção de uma pequena quantidade de combustível e de ajuda humanitária essencial. Esses atos de punição coletiva equivalem a crimes de guerra e estavam em curso no momento em que este relatório foi escrito. Ataques aéreos israelenses incessantemente bombardearam Gaza, atingindo escolas e hospitais e reduzindo grandes partes dos bairros a escombros, incluindo em ataques que foram aparentemente ilegais. As forças israelenses também utilizaram fósforo branco ilegalmente em áreas densamente povoadas. Ordenaram a evacuação de todas as pessoas do norte de Gaza e deslocaram cerca de 85% da população de Gaza – 1,9 milhões de pessoas – até 11 de dezembro. Mais de 18.700 palestinos, a maioria civis, incluindo mais de 7.800 crianças, foram mortos entre 7 de outubro e 12 de dezembro, segundo as autoridades de Gaza.

O bloqueio exacerbou a situação humanitária, decorrente das severas restrições impostas, ao longo de 16 anos, por Israel à entrada e saída de pessoas e bens de Gaza. O bloqueio prolongado, assim como as restrições do Egito em sua fronteira com Gaza, privaram os 2,2 milhões de palestinos em Gaza, com raras exceções, de seu direito à liberdade de movimento e oportunidades para melhorar suas vidas; limitou severamente o acesso deles à eletricidade, cuidados de saúde e água; e devastou a economia.

Na Cisjordânia, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês), entre o início de 2023 e 12 de dezembro, as forças israelenses mataram 464 palestinos, incluindo 109 crianças, mais do que o dobro do número de mortos de qualquer outro ano desde 2005, quando a ONU começou a registrar sistematicamente as fatalidades. Os registros incluem assassinatos resultantes do uso frequente de força letal excessiva por Israel e alguns casos de execuções extrajudiciais.

Segundo dados do Serviço Prisional Israelense, as autoridades do país mantinham, até 1º de dezembro, 2.873 palestinos em detenção administrativa, sem acusação ou julgamento, com base em informações secretas. Este número marca um recorde de três décadas, de acordo com o grupo de direitos humanos israelense HaMoked.

Durante o primeiro semestre de 2023, o governo israelense aprovou a construção de 12.855 novas unidades habitacionais em assentamentos na Cisjordânia ocupada. Este é o número mais alto já registado pelo grupo israelense Peace Now, que sistematicamente monitora os planos desde 2012. A transferência de civis para um território ocupado constitui crime de guerra.

Durante os primeiros oito meses de 2023, incidentes de violência de colonos contra palestinos e suas propriedades atingiram a média diária mais elevada desde que a ONU começou a registar estes dados em 2006: uma média de três incidentes por dia, em comparação com dois por dia em 2022 e um por dia em 2021. Isso incluiu ataques de multidões de colonos em Huwara e Turmus Ayya. Tal taxa aumentou para mais de cinco incidentes por dia depois de 7 de outubro.

Importantes organizações da sociedade civil palestina continuam sendo proibidas, por serem taxadas como organizações “terroristas” e “ilegais”. As forças israelenses invadiram seus escritórios em agosto de 2022.

A repressão das autoridades israelenses aos palestinos, empreendida como parte de uma política para manter a dominação dos israelenses judeus sobre os palestinos, equivale aos crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição.

Faixa de Gaza

Em meio a intensas operações militares israelenses, empreendidas desde 7 de outubro, mais de 46.000 unidades habitacionais foram destruídas e outras 234.000 foram danificadas, representando 60% do total de moradias em Gaza,  de acordo com dados de organizações de ajuda humanitária coletados até 24 de novembro. Pelo menos 342 escolas foram danificadas, segundo o OCHA, e 187 “ataques aos serviços de saúde” foram realizados, danificando 24 hospitais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Os ataques aéreos israelenses e o bloqueio fizeram com que a maioria dos hospitais deixasse de funcionar. A falta de eletricidade e combustível forçou o fechamento de instalações de tratamento de água, de estações de dessalinização e de padarias e contribuiu para apagões nas telecomunicações. A falta de água criou uma crise de saúde pública. Embora alguns caminhões de ajuda humanitária tenham começado a entrar em Gaza em 21 de outubro, e outros durante um cessar-fogo de vários dias que teve início em 24 de novembro, a ajuda não foi suficiente para atender às necessidades da população de Gaza.


A ordem israelense de evacuação do norte de Gaza não levou em conta as necessidades de pessoas idosas, pessoas com deficiência e pessoas em hospitais, muitas das quais não conseguem sair. A medida, corre o risco de ser um deslocamento forçado, um crime de guerra.

Em maio, uma rodada de hostilidades com ataques israelenses em Gaza e ataques com foguetes contra Israel por grupos armados palestinos em Gaza, causou pelo menos 33 mortes de palestinos em Gaza, incluindo pelo menos 12 civis, e 2 civis mortos em Israel, de acordo com a OCHA.

Política israelense de fechamento

Desde 2007, as autoridades israelenses têm impedido a maior parte da população de Gaza de viajar através da Passagem de Erez, a única travessia de pessoas de Gaza para Israel, através da qual os palestinos podem viajar para a Cisjordânia e para o exterior. As autoridades israelenses frequentemente justificam o bloqueio, que ocorreu após o Hamas tomar o controle político de Gaza da Autoridade Palestina (AP), liderada pelo Fatah, em junho de 2007, com base em motivos de segurança. No entanto, a política de fechamento não é baseada em uma avaliação individualizada do risco de segurança; uma proibição geral de viagem que se aplica a todos, exceto aqueles que as autoridades israelenses considerarem apresentar ~circunstâncias humanitárias excepcionais, principalmente pessoas que precisam de tratamento médico vital e seus acompanhantes, bem como empresários proeminentes.

Mesmo aqueles que procuram cuidados médicos urgentes fora de Gaza às vezes enfrentam recusas ou atrasos nas aprovações. A OMS relatou que 839 palestinos em Gaza morreram enquanto aguardavam uma resposta aos seus pedidos de permissão entre 2008 e 2021.

Durante os primeiros oito meses de 2023, uma média de 1.653 palestinos em Gaza saíram diariamente via Erez, de acordo com o grupo de direitos humanos israelense Gisha. Este número representou um aumento em relação aos anos anteriores, em grande parte impulsionado por autorizações de trabalho, mas ainda é menos de 7% da média diária de mais de 24.000 antes do início da Segunda Intifada, ou do levante palestino, em setembro de 2000.

As exportações de Gaza durante os primeiros oito meses de 2023, principalmente de produtos destinados à Cisjordânia e Israel, tiveram uma média de 607 cargas de caminhão por mês, menos do que a média mensal de 1.064 caminhões de antes do reforço do bloqueio, em junho de 2007, de acordo com Gisha. As autoridades restringiram severamente a entrada de materiais de construção e outros itens que consideraram materiais de “dupla utilização” que também poderiam ser utilizados para fins militares. A lista de tais itens também inclui equipamentos de raios X e de comunicação, peças sobressalentes, baterias para dispositivos de assistência para pessoas com deficiência e outros itens civis vitais.

Desde 7 de outubro até o momento em que este capítulo foi escrito, as autoridades israelenses fecharam suas passagens à Gaza, impedindo pessoas e bens de saírem de Gaza via Erez, incluindo residentes que necessitam de cuidados médicos urgentes.. As autoridades israelenses têm recorrido regularmente a essas medidas, que atingem civis e constituem punição coletiva ilegal.

O fechamento limita o acesso a serviços básicos. Entre janeiro e setembro de 2023, as famílias em Gaza ficaram sem eletricidade fornecida de forma centralizada durante, em média, 13 horas por dia, de acordo com o OCHA. Os cortes de energia crônicos e prolongados prejudicam muitos aspectos da vida cotidiana, incluindo aquecimento, refrigeração, tratamento de esgotos, cuidados de saúde e comércio. Os cortes de energia impuseram dificuldades específicas às pessoas com deficiência, que dependem da luz para se comunicar através de linguagem de sinais ou de equipamentos alimentados por eletricidade para se deslocarem, como elevadores ou cadeiras de rodas elétricas. Mais de 96% das águas subterrâneas em Gaza, a sua única fonte de água natural remanescente, são “impróprias para consumo humano”, de acordo com a Autoridade Palestina da Água e o OCHA. Isto deixa a maioria dos residentes de Gaza dependentes da dessalinização e do fornecimento da água proveniente de Israel, que foi interrompido em meio aos conflitos. Antes de 7 de outubro, cerca de 80% dos residentes de Gaza dependiam de ajuda humanitária, de acordo com a Agência das Nações Unidas de Socorro e Obras Públicas aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA, na sigla em inglês).

O Egito também restringe a circulação de pessoas e bens através da sua passagem de Rafah com Gaza, por vezes fechando totalmente a passagem. Nos primeiros oito meses de 2023, uma média de 27.975 palestinos cruzaram mensalmente, em ambas as direções, menos do que a média mensal de mais de 40.000 registrada antes do golpe militar de 2013 no Egito, segundo Gisha.

Abusos Cometidos pelo Hamas e por Grupos Armados Palestinos

O Hamas e outros grupos armados palestinos assassinaram deliberadamente civis no dia 7 de outubro e cometeram uma série de outros abusos, incluindo o sequestro de civis como reféns, e lançaram milhares de foguetes de forma indiscriminada contra comunidades israelenses, sendo todos estes fatos crimes de guerra. Durante os ataques de 7 de outubro, combatentes liderados pelo Hamas atacaram o festival de música ao ar livre “Supernova Sukkot Gathering” (Universo Paralelo), matando pelo menos 260 pessoas, segundo o serviço de resgate israelense, além de terem invadido casas. Grupos armados ameaçaram executar reféns. Alguns dos reféns foram liberados no final de novembro, em troca da libertação de prisioneiros palestinos em Israel, como parte de um acordo de cessar-fogo de curto prazo.

A Human Rights Watch investigou uma explosão no Hospital al-Ahli, em 17 de outubro, na cidade de Gaza, que causou dezenas de vítimas, e descobriu que a explosão resultou de um aparente projétil propelido por foguete, como os comumente usados por grupos armados palestinos.

Em junho de 2022 e janeiro de 2023, as autoridades do Hamas publicaram imagens que pareciam mostrar Avera Mangistu e Hisham al-Sayed, civis israelenses com deficiências psicossociais que aparentemente estão detidos há mais de oito anos após os dois homens terem entrado em Gaza. Sua detenção incomunicável é ilegal.

Os tribunais em Gaza condenaram 203 pessoas à morte, desde junho de 2007, quando as autoridades do Hamas assumiram o controle de Gaza, incluindo 14 pessoas entre janeiro e setembro de 2023, segundo as organizações Centro Palestino para os Direitos Humanos (PCHR, na sigla em inglês) e al-Mezan, sediadas em Gaza. Desde junho de 2007, as autoridades do Hamas realizaram 33 execuções por crimes comuns e “colaboração” com Israel; nenhum ocorreu durante os primeiros nove meses de 2023.

As autoridades do Hamas dispersaram à força manifestantes, durante os protestos de verão “Nós Queremos Viver” contra as difíceis condições de vida, agredindo e detendo alguns manifestantes e jornalistas, segundo o PCHR e al-Mezan. O órgão de monitoramento estatutário palestino, denominado Comissão Independente para os Direitos Humanos (ICHR, na sigla em inglês), recebeu 56 queixas de detenções arbitrárias e 81 queixas de tortura e maus-tratos contra as autoridades do Hamas entre janeiro e agosto de 2023.

As autoridades do Hamas impediram algumas mulheres de viajar, com base em regulamentos emitidos em fevereiro de 2021 que permitem que tutores do sexo masculino recorram aos tribunais para impedir que mulheres solteiras deixem Gaza quando essas viagens causarão “dano absoluto”, um termo amplo que permite aos homens restringirem as viagens de mulheres à vontade. Em janeiro, as autoridades do Hamas localizaram e retornaram à força duas mulheres, Wisam e Fatma al-Tawil, ao seu pai, de quem haviam fugido anteriormente após denunciarem violência doméstica grave, incluindo ameaças de morte.

Cisjordânia

A repressão de Israel aos palestinos na Cisjordânia intensificou-se durante 2023, especialmente depois de 7 de outubro.

Uso da Força por Israel

As forças israelenses realizaram vários ataques em grande escala em 2023, visando principalmente à cidade de Nablus e ao campo de refugiados de Jenin. Este último, de 3 a 4 de julho, foi palco da maior e mais mortal operação na Cisjordânia desde 2005, resultando na morte de 12 palestinos, incluindo 4 crianças, no deslocamento temporário de 3.500 pessoas, e em danos a 460 unidades habitacionais, segundo o OCHA.

Os mais de 460 mortos em 2023 – número mais alto em pelo menos 18 anos – incluíam palestinos que atacaram israelenses ou lançaram coquetéis molotov ou pedras contra as forças israelenses, transeuntes, aqueles que ajudavam os feridos e outros não envolvidos nos combates. O OCHA informou que mais de metade das mortes provocadas desde 7 de outubro ocorreram durante operações israelenses que não envolveram confrontos armados.

Até 7 de dezembro, colonos israelenses mataram 15 palestinos, segundo o OCHA. Entre 7 de outubro e 28 de novembro, colonos atacaram 93 comunidades palestinas, como descoberto pelo grupo israelense de direitos humanos Yesh Din.

As autoridades israelenses raramente responsabilizam as forças de segurança que usaram força excessiva ou colonos que atacaram palestinos. Menos de 1% das queixas de abusos por parte das forças israelenses, apresentadas por palestinos, na Cisjordânia, entre 2017 e 2021, e 7% das queixas de violência dos colonos entre 2005 e 2022 chegaram a acusações formais, segundo Yesh Din. Mesmo no caso do ataque dos colonos em Huwara, as autoridades israelenses libertaram a maioria dos 17 homens detidos por suspeita de envolvimento, poucos dias após a detenção. Em julho, o Tribunal Distrital de Jerusalém absolveu o oficial que matou Eyad al-Hallaq, em Jerusalém, em 2020, um palestino desarmado de 32 anos com autismo que não havia ameaçado ninguém. O tribunal classificou o tiro fatal como um “ledo engano”.

A violência e a intimidação desenfreadas dos colonos continuam. De acordo com o OCHA, 1.105 palestinos, incluindo 4 comunidades inteiras, deslocados desde o início de 2022 citam a violência dos colonos e o impedimento de acesso a terras de pastagem por parte dos colonos como as principais razões pelas quais foram forçados a abandonar suas casas. Entre 7 de outubro e 13 de dezembro, 1.257 pessoas foram deslocadas.

Ataques Palestinos

Até 30 de novembro, palestinos mataram 24 civis israelenses durante ataques fatais na Cisjordânia, o maior número em mais de 15 anos, segundo o OCHA. Isto incluiu um incidente em janeiro, quando um palestino matou sete civis, incluindo uma criança, no assentamento israelense de Neve Yaakov, na Jerusalém Oriental ocupada. O Hamas elogiou muitos dos ataques.

Detenção, Tortura e Maus-Tratos de Palestinos por Israel

As autoridades israelenses aplicam a lei civil israelense aos colonos, mas governam os palestinos da Cisjordânia sob uma dura lei militar. Ao fazê-lo, negam-lhes o devido processo legal e os julgam em tribunais militares com uma taxa de condenação de quase 100% contra os palestinos.

Até 1 de dezembro, Israel mantinha 7.677 palestinos sob custódia por crimes de “segurança”, segundo dados dos Serviços Prisionais Israelenses. Isto inclui 200 crianças palestinas, até 6 de novembro, de acordo com o grupo de direitos dos prisioneiros palestinos Addameer. Israel encarcera muitos palestinos do Território Palestino Ocupado (TPO) dentro de Israel, dificultando visitas de familiares e violando a proibição do direito humanitário internacional contra sua transferência para fora do território ocupado.

Em maio, Khader Adnan, 45 anos, morreu na sua cela de prisão no 86º dia da sua greve de fome contra as práticas de detenção israelenses. Adnan passou cerca de oito anos detido, grande parte dos quais em detenção administrativa, e realizou greves de fome anteriores de vários meses para desafiar a repressão israelense.

Mais de 1.400 queixas de tortura, incluindo algemas dolorosas, privação de sono e exposição a temperaturas extremas, cometidas pelo Shabak (a Agência de Segurança de Israel) em Israel e nos TPO, foram apresentadas ao Ministério da Justiça de Israel desde 2001, resultando em três investigações criminais e nenhuma acusação, segundo o grupo de direitos humanos israelense, Comitê Público Contra a Tortura em Israel. O grupo Military Court Watch relatou que em 26 casos de detenção de crianças palestinas que documentaram em 2023, 69% disseram que foram fisicamente abusadas na detenção pelas forças israelenses e 73% foram revistadas sem roupa.

Grupos de defesa dos direitos palestinos também relataram uma deterioração nas condições dos prisioneiros palestinos, incluindo operações violentas, transferências retaliatórias e isolamento de prisioneiros, menos acesso a água corrente e pão, e menos visitas familiares. As condições pioraram depois de 7 de outubro.

Assentamentos e Demolições de Casas

As autoridades israelenses fornecem segurança, infraestruturas e serviços a mais de 710 mil colonos na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.

De acordo com o OCHA, as autoridades israelenses demoliram 1.004 casas e outras estruturas palestinas na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, em 2023, até 11 de dezembro, deslocando 1.870 pessoas, ultrapassando os números de 2022. A maioria dos edifícios foram demolidos por falta de licenças de construção, o que as autoridades tornam quase impossível para os palestinos obterem nestas áreas.

A dificuldade em obter licenças de construção israelenses em Jerusalém Oriental e nos 60% da Cisjordânia sob controle exclusivo de Israel (Área C) levou os palestinos a construírem estruturas que estão em constante risco de demolição ou confisco por não terem autorização, incluindo dezenas de escolas. Comunidades palestinas inteiras em áreas como South Hebron Hills correm alto risco de deslocamento. O direito internacional proíbe uma potência ocupante de destruir propriedades, a menos que seja “absolutamente necessário” para “operações militares”.

As autoridades também interditaram as casas de famílias de palestinos suspeitos de atacar israelenses, atos de punição coletiva ilegal.

Em julho, a polícia israelense despejou à força dois palestinos idoso, Nora Ghaith, 68, e Mustafa Sub-Laban, 72, da casa de sua família de longa data na Cidade Velha de Jerusalém Oriental ocupada para dar lugar aos colonos israelenses, após a Suprema Corte de Israel negar em março seu último recurso após uma batalha legal de décadas. Fizeram-no com base em uma lei discriminatória que permite que organizações de colonos busquem reivindicações de terras que afirmam que os judeus possuíam em Jerusalém Oriental antes de 1948, uma estratégia que eles usaram particularmente em Sheikh Jarrah e Silwan. Enquanto isso, os palestinos são impedidos pela lei israelense de recuperar propriedades que possuíam no que se tornou Israel e de onde fugiram ou foram expulsos em 1948.

Liberdade de Movimento

As autoridades israelenses continuaram a exigir que titulares de identidade palestina, com raras exceções, possuíssem autorizações de difícil obtenção e com prazo limitado para entrar em Israel e em grandes partes da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. B'Tselem descreve isto como “um sistema burocrático arbitrário e totalmente não transparente”, em que “muitos pedidos são negados sem explicação, sem qualquer possibilidade real de recurso”.

Até o início deste ano, as autoridades israelenses mantinham 645 postos de controle e outros obstáculos permanentes na Cisjordânia, segundo o OCHA, além de postos de controle “móveis” ad hoc. As forças israelenses rotineiramente impedem ou atrasam e humilham os palestinos nos postos de controle sem explicação, enquanto permitem movimento praticamente irrestrito aos colonos israelenses.

Israel continuou a construção do muro de separação. As autoridades começaram a construir o muro há mais de duas décadas, aparentemente por razões de segurança, mas 85%  do muro, situa-se na Cisjordânia e não ao longo da Linha Verde que separa o território israelense do território palestino, segundo o OCHA. O muro isola milhares de palestinos das suas terras agrícolas, isola 11.000 palestinos que vivem no lado ocidental da barreira, mas não têm permissão para viajar para Israel e cuja capacidade de atravessar a barreira para acessar sua propriedade e serviços básicos são altamente restritos. Quando estiver concluído, 9% da Cisjordânia ficará isolada para além do muro de separação.

Abusos da Autoridade Palestina

O Estado da Palestina publicou a Convenção contra a Tortura e seu Protocolo Facultativo no Diário Oficial Palestino em setembro, efetivamente tornando-o lei palestina. Também em setembro, o Subcomitê da ONU para a Prevenção da Tortura visitou locais de detenção na Cisjordânia. No entanto, a Autoridade Palestina (AP) manteve sua prática sistemática de deter arbitrariamente opositores e críticos, incluindo estudantes. O Lawyers for Justice, um grupo que representa palestinos detidos pela AP, documentou 726 palestinos que afirmaram terem sido detidos arbitrariamente entre janeiro e 17 de agosto, geralmente por períodos de dias ou algumas semanas. Entre janeiro e agosto de 2023, a ICHR, agência de monitoramento estatutário na Palestina, recebeu 162 queixas de detenções arbitrárias, 86 queixas de tortura e maus-tratos e 13 queixas de detenção sem julgamento ou acusação contra a AP, em conformidade com ordens de um governador regional.

Em agosto, a AP registrou o Lawyers for Justice após bloquear seu registro durante meses.

As leis de estatuto pessoal tanto para muçulmanos como para cristãos discriminam as mulheres, inclusive em relação ao casamento, divórcio, custódia dos filhos e herança. A Palestina não possui uma lei abrangente sobre violência doméstica. A Autoridade Palestina há muito considera um projeto de lei de proteção da família, mas grupos de direitos das mulheres manifestaram preocupações de que ele não vai longe o suficiente para prevenir o abuso e proteger sobreviventes.

Israel

Durante grande parte do ano, israelenses saíram às ruas em protestos semanais sem precedentes em todo o país para se oporem ao plano do governo de enfraquecer a independência do judiciário. Em julho, o governo implementou parte do seu plano quando o Knesset, equivalente ao congresso de Israel, aprovou uma lei que proíbe a Supremo Corte de avaliar a “razoabilidade” das decisões do governo. A Suprema Corte está revisando a lei em resposta a petições que a contestam.

O Knesset renovou em março uma ordem temporária que proíbe, com poucas exceções, a concessão de estatuto legal de longo prazo dentro de Israel a palestinos da Cisjordânia e de Gaza que se casem com cidadãos ou residentes israelenses. Tal restrição, em vigor desde 2003, não existe para indivíduos de praticamente qualquer outra nacionalidade que se casem com cidadãos ou residentes israelenses.

Em fevereiro, o Knesset aprovou uma lei, atualmente em vigor, que autoriza a revogação da cidadania ou da residência permanente dos palestinos que cometam um “ato terrorista” e recebem uma compensação da AP por esse ato e a sua consequente deportação para a Cisjordânia.

Em setembro, o primeiro-ministro Netanyahu pediu a deportação de solicitantes de refúgio africanos envolvidos em confrontos violentos em Tel Aviv. As autoridades israelenses continuaram a sistematicamente negar pedidos de refúgio de solicitantes africanos – em grande parte eritreus, etíopes e sudaneses –, estimados em 34.500, pela organização Hotline for Refugees and Migrants, ao mesmo tempo que permitiam a entrada de dezenas de milhares de refugiados ucranianos. Ao longo dos anos, o governo impôs restrições à circulação dos solicitantes de refúgio africanos, às autorizações de trabalho e ao acesso aos cuidados de saúde e à educação para pressionar os solicitantes de refúgio a partirem.

Principais Atores Internacionais

Muitos estados condenaram os ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas. Um número muito menor, porém, condenou os graves abusos cometidos pelo governo israelense. Os Estados Unidos e outros países ocidentais forneceram armas ou apoio militar a Israel, enquanto outros países forneceram ajuda militar a grupos armados palestinos, que, face aos graves abusos em curso, correm o risco de os tornar cúmplices de crimes de guerra.

O presidente Joe Biden e outras autoridades dos EUA viajaram várias vezes a Israel para pedir a proteção de civis e pressionar autoridades israelenses a permitirem a entrada de ajuda em Gaza, embora, até o momento da redação deste relatório, os Estados Unidos não tenham condicionado seu apoio militar a Israel ao cumprimento desses pedidos. Após 7 de outubro, a administração Biden solicitou US$ 14,3 bilhões para mais armas para Israel, além dos US$ 3,8 bilhões em ajuda militar dos EUA que Israel recebe anualmente. Os EUA também transferiram ou anunciaram que planejam transferir Bombas de Pequeno Diâmetro, kits de orientação Joint Direct Attack Munition (JDAM), projéteis de artilharia de 155 mm e 1 milhão de munições, entre outras armas. No entanto, os EUA suspenderam os embarques de armas pequenas por receio de que possam ser transferidas para colonos.

Em setembro, os EUA admitiram Israel no seu programa de isenção de vistos, permitindo a entrada sem visto de cidadãos israelenses, apesar de Israel não eliminar totalmente a discriminação contra cidadãos norte-americanos de origem palestina, árabe ou muçulmana quando viajam para Israel e para os TPO.

Em dezembro, os EUA e o Reino Unido emitiram proibições de viagem contra colonos violentos na Cisjordânia.

Em meados de outubro, os EUA vetaram uma resolução pedindo pausas humanitárias em Gaza, mas se abstiveram em uma resolução semelhante em novembro. Como a resolução vetada pelos EUA, a adotada pelo Conselho de Segurança da ONU pediu a Israel e a grupos armados palestinos que protegessem civis e respeitassem o direito humanitário internacional. Foi a primeira resolução adotada pelo conselho sobre Israel e Palestina desde 2016. Mas novamente em dezembro, os EUA vetaram uma resolução do Conselho de Segurança pedindo um cessar-fogo entre as forças israelenses e grupos armados palestinos. A Assembleia Geral aprovou duas resoluções pedindo um cessar-fogo, uma em outubro e outra em dezembro.

Divisões entre os Estados membros da União Europeia impediram o bloco de adotar posições fortes e medidas concretas em resposta aos abusos israelenses. Isso foi particularmente visível após 7 de outubro, incluindo através dos votos divergentes dos Estados membros da UE na ONU. Enquanto condenavam o Hamas, os Estados da UE não conseguiram concordar unanimemente em denunciar os crimes de guerra de Israel. O alto representante da UE, Josep Borrell, propôs um pacote de sanções direcionadas para os abusos dos colonos na Cisjordânia, mas as perspectivas de sua adoção permaneceram tênues à luz do requisito de unanimidade.

Em junho, o alto comissário da ONU para os direitos humanos atualizou a base de dados de empresas que operam em assentamentos. Em julho, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução para garantir financiamento para a atualização contínua da base de dados.

A investigação do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre a Palestina continuou em andamento. O procurador falou da passagem de Rafah e visitou Israel e a Palestina em meio às hostilidades. Ele sinalizou às partes o mandato contínuo do TPI e deixou claro que quaisquer graves crimes cometidos nas atuais hostilidades se enquadram no mandato do tribunal.

Em julho, 54 Estados e 3 organizações intergovernamentais apresentaram observações à Corte Internacional de Justiça (CIJ) sobre o parecer consultivo que a Assembleia Geral da ONU solicitou em dezembro de 2022 sobre o estatuto jurídico da ocupação prolongada de Israel e as consequências jurídicas dos seus abusos contra os palestinos. Audiências públicas sobre o pedido de parecer consultivo estão previstas para serem abertas na CIJ em 19 de fevereiro de 2024.