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Cláudio José da Silva, coordenador dos “Guardiões da Floresta” da Terra Indígena Caru, estado do Maranhão, na margem do rio Pindaré em junho de 2018. Os guardiões são indígenas Tenetehara que patrulham a terra para detectar extração ilegal de madeira e denunciá-la a as autoridades. © 2018 Brent Stirton/Getty Images para Human Rights Watch

Os esforços para salvar as florestas ao redor do mundo podem em breve receber um impulso devido a projetos de leis na União Europeia, no Reino Unido e nos Estados Unidos para restringir a importação de commodities agrícolas ligadas ao desmatamento. O consumo desses produtos nos três mercados é um dos vetores de um quarto de todo o desmatamento vinculado ao comércio internacional.

Proteger reservatórios de carbono – ecossistemas como florestas, que absorvem e armazenam gases que aquecem o planeta – é crucial para enfrentar a crise climática, então esta é uma boa notícia. Mas essas leis propostas seriam mais eficazes se também protegessem os direitos dos povos indígenas, os quais provaram estar entre os mais confiáveis defensores da floresta.

A proposta do Reino Unido barraria apenas produtos vinculados ao desmatamento que é ilegal no país onde ocorre. Para as autoridades do Reino Unido, pode ser um desafio fazer a distinção dos produtos de áreas onde a frágil aplicação da lei permite que empresas deem aparência de legalidade ao desmatamento ilegal. Essa abordagem também pode criar um incentivo perverso para legalização do desmatamento ilegal.

Autoridades da Comissão Europeia prometeram que baniriam produtos ligados a qualquer desmatamento. Elas planejam monitorar o desmatamento remotamente por meio de imagens de satélite. Contudo, mesmo essa abordagem tem seus limites. O programa de excelência de monitoramento via satélite do Brasil, por exemplo, precisa lidar com a cobertura de nuvens que prejudicam a visibilidade. Além disso, as táticas de madeireiros – como cortar apenas a madeira mais valiosa, deixando outras vegetações – podem “enganar” o satélite.

Existe uma solução evidente: apoiar as comunidades locais que já estão protegendo as florestas. As táticas dos madeireiros para evitar a detecção são ineficazes contra os guardiões da floresta que patrulham suas terras a pé.

De fato, as autoridades brasileiras responsáveis ​​pela fiscalização disseram à Human Rights Watch que dependiam dos moradores locais para denunciar crimes ambientais.

Existem muitos exemplos similares entre a Aliança Global de Comunidades Territoriais, uma coalizão de lideranças indígenas cujos territórios somam 840 milhões de hectares de áreas florestais, na África, Indonésia e América Latina, e armazenam 246 gigatoneladas de carbono.

Em um caso, uma comunidade no Peru implantou um sistema de alerta rápido para monitorar e reduzir com sucesso o desmatamento em seu território. Em outro caso, grupos indígenas da Colômbia e do Brasil acionaram a justiça para proteger as florestas, entrando com uma ação contra uma empresa francesa por sua suposta ligação com invasões e desmatamento em seus territórios.

Isso não quer dizer que os Estados deveriam transferir sua responsabilidade de fiscalizar as leis ambientais aos povos indígenas, mas sim que deveriam reconhecê-los como aliados essenciais, defender seus direitos à terra e apoiar suas iniciativas bem-sucedidas para monitorar e reduzir o desmatamento.

Em um aceno encorajador, legisladores dos EUA se comprometeram com um projeto de lei, embora ainda não tenham o apresentado. Os redatores deveriam levar em consideração as evidências de que os povos indígenas estão entre os melhores protetores da floresta.

As evidências são sólidas. Na Bolívia, a taxa de desmatamento em terras seguramente mantidas por povos indígenas é cerca de 35% daquela em outras áreas comparáveis. No Brasil é de 40% e, na Colômbia, a metade. Estudos na Ásia e na África sugerem que fortalecer a proteção aos direitos das comunidades ao território também leva à regeneração de florestas degradadas.

A coleta de produtos florestais é parte essencial da subsistência de muitos povos indígenas e serve como um incentivo contínuo para proteger as florestas, juntamente a fatores culturais e espirituais. Além disso, seu conhecimento tradicional sobre o manejo florestal torna os povos indígenas gestores eficazes dos ecossistemas locais.

No entanto, para desempenhar esse papel, essas comunidades precisam de proteção contra a violência, a intimidação e os esforços para expulsá-las ou para negar-lhes acesso ou controle sobre seus territórios tradicionais.

A solução é adotar leis que protegem as florestas e também as pessoas. No mínimo, as leis que regulam as importações de commodities agrícolas deveriam exigir que as empresas garantam que seus produtos não sejam associados a atos de violência e intimidação contra povos indígenas, aos abusos de seus direitos sobre o território ou ao fracasso em obter seu consentimento livre, prévio e informado para projetos que podem prejudicar seus direitos. Essas leis deveriam impedir a entrada nos mercados de commodities agrícolas com indícios credíveis de ligação a abusos desses direitos.

Isso exigiria às empresas identificar a origem das commodities agrícolas usadas em seus produtos, avaliar o risco que suas operações representam para o exercício dos direitos dos povos indígenas e mitigar esses riscos. Elas deveriam garantir que o consentimento das comunidades seja obtido de boa-fé quando afetadas pelas atividades das empresas, e conduzir auditorias locais para determinar se suas medidas de mitigação são eficazes, incluindo por meio de consulta aos guardiões da floresta.

A possibilidade desses produtos estarem vinculados a abusos de direitos é motivo suficiente para proteger os povos indígenas em leis que regulamentam importações. Além disso, lidar com as violações de direitos é fundamental para garantir o sucesso dos esforços para reduzir o desmatamento.

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Tuntiak Katan, do povo Shuar, é coordenador geral da Aliança Global de Comunidades Territoriais (AGCT) e vice coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA). Luciana Téllez Chávez é pesquisadora do programa de Meio Ambiente e Direitos Humanos da Human Rights Watch.

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