(Nova Iorque, 7 de abril de 2020) - Os governos devem respeitar os direitos das pessoas idosas em sua resposta à epidemia de COVID-19, afirmou hoje a Human Rights Watch.
Evidências disponíveis têm demonstrado que as pessoas idosas têm maior probabilidade de sofrer complicações graves e risco de vida devido à infecção por COVID-19. As pessoas idosas também enfrentam um maior risco de infecção se morarem em instituições de longa permanência e podem enfrentar isolamento social grave em casa. Em situações de detenção, pessoas idosas enfrentam outros riscos à saúde e aos seus direitos, dependendo de ajuda humanitária.
"As pessoas idosas são desproporcionalmente afetadas pela COVID-19 e muitos governos estão correndo para responder a isso", disse Bethany Brown, pesquisadora sobre os direitos das pessoas mais velhas na Human Rights Watch. "Mas pessoas idosas também enfrentam riscos aos seus direitos se os governos não levarem em conta suas experiências específicas e não combaterem ativamente a discriminação pela idade."
Mais de 95 por cento das pessoas que morreram pela COVID-19 na Europa tinham mais de 60 anos. Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças nos EUA relataram que, de 12 de fevereiro a 16 de março de 2020, a fatalidade nos Estados Unidos pela COVID-19 foi maior em pessoas acima de 85 anos, seguido por pessoas de 65 a 84 anos.
Além do maior risco de doenças graves e morte pelo vírus, atitudes e ações discriminatórias ameaçam os direitos das pessoas idosas. Um artigo de opinião de um jornal do Reino Unido sobre o impacto econômico do coronavírus disse que a morte de pessoas idosas poderia ser benéfica ao “abater idosos dependentes”. Em uma entrevista em 22 de março, o ex-ministro da Saúde da Ucrânia disse que pessoas com mais de 65 anos já são "cadáveres" e que o governo deve concentrar seus esforços em relação à COVID-19 em pessoas "que ainda estão vivas".
O vice-governador do Texas, Dan Patrick, sugeriu que as pessoas mais velhas poderiam querer se sacrificar para beneficiar a economia: "Minha mensagem é vamos voltar ao trabalho", disse Patrick, 69 anos, em um programa de televisão nacional em 23 de março. “Vamos voltar a viver. Sejamos espertos sobre tudo isso e aqueles de nós, com mais de 70 anos, cuidaremos de nós mesmos, mas não sacrificaremos o país".
Alguns governos têm implementado restrições severas à liberdade de circulação com base na idade, forçando pessoas idosas a permanecerem confinadas em suas casas ou a sofrerem multas ou outras penalidades.
Como exemplo, na Bósnia e Herzegovina, por várias semanas, pessoas com mais de 65 anos foram proibidas de sairem de casa, sem exceções para compras em supermercados, farmácias ou mesmo para retirarem o lixo. Mais de 200 idosos foram multados. Em 3 de abril, o governo revisou a regra para permitir que os idosos saíssem entre 7h e meio-dia, de segunda a sexta-feira.
Pessoas idosas que se encontram inesperadamente sozinhas, sem controle sobre suas circunstâncias, correm um risco particular por uma variedade de condições de saúde física e mental graves e até fatais, incluindo declínio cognitivo. As restrições à liberdade de circulação devem ser proporcionais e não baseadas exclusivamente na idade.
Os governos devem enfrentar os riscos de isolamento social e, ao mesmo tempo, garantir as necessidades de saúde durante o "distanciamento social", afirmou a Human Rights Watch.
A COVID-19, assim como outras doenças infecciosas, apresenta um risco maior para pessoas que vivem próximas umas das outras. Esse risco é particularmente grave em instituições de longa permanência ou ouras instituições de assistência a idosos, nas quais o vírus pode se espalhar rapidamente, já tendo resultado em muitas mortes. Cerca de 1,5 milhão de pessoas idosas vivem em instituições de longa permanência nos EUA, excluindo outras instituições de assistência e outros ambientes de grande proximidade.
Vinte e três pessoas morreram em um surto em uma instituição no estado de Washington em fevereiro e março, e os Centros de Controle de Doenças dos EUA registraram mais 400 casos em instituições até 1º de abril. Em 31 de março, as autoridades de saúde na região de Grand Est da França relataram 570 mortes de idosos em instituições de longa permanência.
Pessoas idosas frequentemente acabam em lares de idosos devido à falha dos governos em fornecer serviços sociais suficientes para que vivam de forma independente em comunidade, política que coloca milhões em risco ainda maior de contrair o vírus por causa de sua institucionalização. Os governos devem garantir a continuidade dos serviços comunitários, para que as pessoas não acabem nessas instituições devido à falta de outras opções.
O governo do Reino Unido, em vez de melhorar as provisões de assistência social para pessoas idosas, especialmente na Inglaterra, neste momento, suspendeu exigências para avaliação de assistência social e outros serviços. Algumas regras emergenciais, como restrições a reuniões públicas e transporte coletivo, podem ser justificadas em meio à disseminação contínua da doença. Mas regras que flexibilizam avaliações e outros aspectos da assistência social criam o potencial de violações dos direitos humanos fundamentais.
O governo dos EUA, para tentar combater os riscos da COVID-19 que os idosos enfrentam nas instituições de longa permanência, anunciou uma política de “sem visitas”. Algumas instituições australianas estão seguindo esse exemplo, apesr das diretrizes de saúde pública do governo australiano, que limitam os visitantes a um máximo de duas pessoas por visita, exigem que as visitas sejam de curta duração e sigam diretrizes sobre higiene e distanciamento físico.
As políticas para instituições de longa permanência para idosos devem equilibrar a proteção dos residentes, e aquele em maior risco, com suas necessidades de manter laços familiares e outras conexões, assim como com a importante supervisão que os visitantes fornecem. Uma abordagem mais equilibrada para manter os residentes e os funcionários das instituições seguros pode restringir a visita de pessoas doentes, como muitas instituições já fazem; supervisionar rigorosamente a lavagem das mãos e o uso de máscaras pelos visitantes e o distanciamento social; e ter uma sala dedicada para visitas.
Muitos sistemas de saúde em vários países já estão sobrecarregados com o número de pacientes com complicações graves da COVID-19. A idade não deve ser um critério prinicpal para negar tratamento. Os governos devem emitir políticas claras para orientar as equipes médicas nas decisões sobre a alocação de recursos e monitorar a discriminação no acesso aos serviços médicos para todos os grupos de alto risco, incluindo idosos. Os governos também devem reconhecer e responder aos tipos cruzados de discriminação. Por exemplo, a população LGBT idosa apresenta taxas mais altas de HIV e câncer, o que pode levar ao comprometimento do sistema imunológico, aumentando a vulnerabilidade a complicações graves com a infecção por COVID-19.
Milhares de pessoas idosas vivem em campos de refugiados e deslocados, onde enfrentam riscos à saúde devido a condições de aglomeração e acesso limitado a suprimentos de saúde e higiene. Os governos devem garantir que refugiados mais velhos e idosos deslocados recebam assistência médica, incluindo acesso ao sistemas de saúde e hospitais, independentemente do status legal. Nos acampamentos, os idosos também devem ter acesso às instalações de abrigo, água e saneamento necessárias para manter sua saúde, com atenção específica ao apoio acessível à lavagem das mãos.
Pessoas idosas devem receber atenção especial nas políticas de redução da superlotação carcerária e centros de detenção. Nos EUA, por exemplo, homens e mulheres mais velhos são o grupo que mais cresce nas prisões do país devido a sentenças longas, e os funcionários das prisões já têm dificuldade em fornecer-lhes cuidados médicos adequados.
"Os governos não devem responder a ameaças à saúde das pessoas idosas com ameaças aos seus direitos", disse Brown. "Estamos todos em risco se as respostas dos governos a esta epidemia reforçarem atitudes discriminatórias e ignorarem os direitos iguais das pessoas idosas".