À medida que as forças russas que invadem a Ucrânia, enfrentam uma resistência mais forte e eficaz do que o Kremlin provavelmente antecipou, a grande questão é: o que vem a seguir. Os militares russos têm um histórico de enfrentar essa resistência com graves violações das leis de guerra, incluindo deliberadamente mirar civis e submetê-los a ataques indiscriminados e desproporcionais.
Entre 2015 e 2016, bombardeios russos e sírios devastaram em grande parte áreas controladas pela oposição no leste de Aleppo, a cidade mais populosa da Síria. Com os moradores sofrendo sob um cerco punitivo, bem como ataques indiscriminados com munições de fragmentação e bombas de barril, armas incendiárias e bombas altamente explosivas, as forças da oposição acabaram se rendendo.
As forças russas repetiram as mesmas táticas mais tarde, em Ghouta Oriental e Idlib, com resultados igualmente devastadores. Eles bombardearam deliberadamente hospitais, mercados, escolas e prédios residenciais, em alguns casos repetidamente. O objetivo era tornar a vida tão difícil para os civis forçando-os a irem embora, isolando as forças da oposição e facilitando a entrada de tropas terrestres sírias.
No entanto, em Aleppo e Idlib, as forças russas operaram principalmente a partir do céu. Com as forças terrestres russas engajadas na Ucrânia, talvez a analogia mais próxima com a situação atual tenha sido a segunda guerra na Chechênia entre 1999 e 2000, quando as forças russas devastaram a capital, Grozny, com uma demonstração esmagadora de poder de fogo indiscriminado. Em 2003, a ONU teria chamado Grozny de “a cidade mais destruída da Terra”. As forças russas também perpetraram vários massacres, torturaram e provocaram o desaparecimento forçado de milhares e se envolveram em outros graves abusos em operações de “limpeza”.
Já há sinais de que as forças russas na Ucrânia estão se movendo em uma direção igualmente indiscriminada, mas ainda são os primeiros dias. As forças russas no leste da Ucrânia usaram bombas de fragmentação, que põem em perigo os civis não apenas no ataque inicial, mas também por meio de submunições não detonadas que deixam para trás. Embora nem a Rússia nem a Ucrânia tenham aderido ao tratado que proíbe as munições cluster, esses ataques violam a proibição do direito internacional humanitário de promover guerra indiscriminada, uma parte antiga do direito internacional consuetudinário codificado nas convenções de Genebra e seus protocolos, que ambos os governos ratificaram.
Além disso, disparando mísseis balísticos e artilharia de foguetes, as forças russas estão usando armas explosivas de amplo impacto que são totalmente inadequadas em áreas povoadas. E eles podem estar se movendo para sitiar e impor um cerco à capital, Kiev, e à segunda maior cidade, Kharkiv. Embora impor um cerco seja uma tática legal, essa ação pode preparar o terreno para outros graves abusos contra civis na área sitiada.
Então, o que poderia ser feito para parar uma espiral cada vez pior de guerra indiscriminada que coloca em perigo inúmeros civis ucranianos? Muito tem sido dito sobre como as muitas postagens dos ataques nas mídias sociais podem servir como um desincentivo ao documentar e divulgar quaisquer crimes de guerra. Mas os ataques na Síria também foram devidamente documentados em vídeo e divulgados nas redes sociais sem efeito suficiente.
No caso de Idlib, a pressão internacional funcionou para impedir o bombardeio direcionado a estruturas civis. A pressão militar dos ataques com drones turcos contra as forças sírias, a pressão diplomática do presidente francês, Emmanuel Macron, e da então chanceler alemã, Angela Merkel, e repetidas denúncias de membros do conselho de segurança da ONU conseguiram deter os ataques russos em março de 2020. Eles não foram retomados, em grande parte.
Mas os riscos políticos são maiores na Ucrânia, onde o legado de Putin está agora em risco. E uma pressão muito mais intensa já foi colocada no Kremlin.
A perspectiva de um julgamento internacional por crimes de guerra continua sendo um fator moderador potencial. Como a Síria nunca ingressou no Tribunal Penal Internacional (TPI), o tribunal não tem jurisdição sobre crimes graves cometidos lá. A Assembleia Geral da ONU criou um órgão sediado em Genebra para coletar e preservar evidências de crimes graves. Este órgão tem contribuído com processos criminais, em jurisdições nacionais, contra oficiais sírios, particularmente na Alemanha, sob o conceito de jurisdição universal. Mas mesmo que a Human Rights Watch tenha de fato rastreado a responsabilidade de comando pelos crimes de guerra em Idlib até Putin, nenhum oficial russo foi condenado. Não é tarde demais para começar.
Mais precisamente, o TPI tem jurisdição sobre crimes graves cometidos na Ucrânia conforme declarações apresentadas pelo próprio governo ucraniano ao tribunal. O promotor do TPI já anunciou uma investigação e 39 membros do tribunal o apoiam nesta iniciativa. A comunidade internacional deve agora garantir que esta investigação e o trabalho mais amplo do tribunal tenham recursos suficientes para tanto.
Em última instância, o mais poderoso desincentivo às atrocidades cometidas pelos militares russos pode ser o povo russo. Dezenas de milhares de russos têm saído às ruas em protesto, apesar da grande probabilidade de serem presos. Mais de um milhão de pessoas assinaram uma petição contra a guerra, e várias figuras proeminentes – artistas, músicos, acadêmicos, escritores – assinaram cartas abertas contra a guerra.
As discussões de emergência sobre a Ucrânia na Assembleia Geral da ONU e no Conselho de Direitos Humanos da ONU estão gerando um processo de condenação global e a criação de um mecanismo especial para monitorar, relatar e coletar evidências de crimes de guerra na Ucrânia. Esses órgãos da ONU devem estabelecer um mecanismo semelhante em relação à repressão que ocorre também na Rússia. Da mesma forma, à medida que os governos do mundo impõem sanções direcionadas a pessoas envolvidas na guerra e na repressão, eles devem evitar o máximo possível prejudicar os cidadãos russos comuns. Estar ao lado do povo russo enquanto eles tentam conter as táticas brutais de Putin pode ser a melhor ferramenta que temos para impedir que Kiev e Kharkiv se tornem os próximos Aleppo e Grozny.