(Washington, DC) – A decisão do Supremo Tribunal Federal em 12 de abril de 2012 aumentando o número de exceções às penas criminais em casos de aborto é um passo positivo e contribui para a proteção dos direitos humanos das mulheres, a Human Rights Watch disse hoje.
O aborto é crime noBrasil, exceto para salvar a vida da mãe ou quando a gestação é resultado de estupro. A decisão do Supremo Tribunal Federal significa que em casos de anencefalia, quando não acontece a formação do cérebro no feto, o aborto não é crime, e garante que mulheres possam interromper a gestação de fetos anencefálicos sem a necessidade de autorização judicial.
“A anencefalia se torna ainda mais trágica quando uma mulher não pode decidir se quer levar a termo uma gestação de um feto incompatível com a vida extrauterina,” disse Amanda M. Klasing, pesquisadora dos direitos das mulheres na Human Rights Watch. “Uma mulher que toma a difícil decisão de interromper a gravidez de um feto anencefálico não deve ser considerada uma criminosa, como reconheceu a decisão do Supremo Tribunal Federal.”
A anencefalia, geralmente diagnosticada enquanto o feto está in útero, é uma anomalia congênita que faz com que uma parte do cérebro, crânio e couro cabeludo do feto não se desenvolve. Um recém-nascido anencefálico normalmente é cego, surdo e inconsciente. Se não for natimorto, o bebê normalmente morre dentro de horas ou dias. Em raros casos, recém-nascidos anencefálicos podem vir a sobreviver mais tempo, como no caso conhecido de Marcela Ferreira, que viveu por 20 meses. Entretanto, recém-nascidos anencefálicos não chegam a ter consciência e não sobrevivem até a infância.
Além disso, os efeitos físicos e psicológicos de levar a termo uma gestação de um feto anencefálico podem ser muito negativos para a mulher. Ser obrigada a continuar tal gestação pode contribuir para a depressão, ansiedade e outros distúrbios de saúde mental, e traz riscos de distúrbios de hipertensão, ruptura prematura da membrana e embolias amnióticas.
O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas concluiu que restrições de acesso ao aborto seguro e legal podem criar situações de tratamento cruel, desumano e degradante, inclusive quando a mulher é forçada a levar a termo uma gestação inviável. Em 2005, o Comitê de Direitos Humanos concluiu que o Peru violou suas obrigações conforme o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos quando negou um aborto terapêutico a uma garota de 17 anos grávida de um feto anencefálico, forçando-a a levar a gestação a termo. O seu recém-nascido sobreviveu por quatro dias.
Em uma decisão por ampla maioria, 8 ministros do Supremo Tribunal Federal votaram a favor e dois contra a permissão de interrupção da gravidez em casos de anencefalia. A maioria ponderou que a criminalização do aborto de fetos anencefálicos é contrária aos direitos constitucionais das mulheres no Brasil. O relator do caso, Ministro Marco Aurélio Mello, afirmou que é inadmissível que o direito à vida de um feto que não têm chances de sobreviver prevaleça em detrimento das garantias à dignidade da pessoa humana, à liberdade no campo sexual, à autonomia, à privacidade, à saúde e à integridade física, psicológica e moral da mãe, todas previstas na Constituição.
O processo decidido pelo Supremo Tribunal Federal teve uma trajetória de oito anos. Foi iniciado em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) com apoio técnico e institucional da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Em 1o de julho de 2004, o Ministro Marco Aurélio Mello concedeu uma liminar dispensando a autorização judicial. Pouco depois, em 20 de outubro, o Pleno do Supremo Tribunal Federal cassou a liminar.
Desde então, algumas mulheres conseguiram autorizações judiciais para interromper gestações de fetos anencefálicos, mas a batalha para a obtenção dessa autorização tem sido longa e incerta.
“Depois de oito anos de deliberações, o Supremo Tribunal Federal finalmente votou a favor da proteção dos direitos humanos das mulheres,” disse Klasing. “O próximo passo será garantir que a decisão seja cumprida de forma que as mulheres possam receber os serviços médicos aos quais têm direito.”