Os assassinatos pelas forças da Arábia Saudita, de centenas de migrantes e solicitantes de refúgio etíopes, na fronteira entre a Arábia Saudita e o Iêmen podem constituir crimes contra a humanidade.
O governo saudita realizou prisões de dissidentes pacíficos, acadêmicos e ativistas de direitos humanos, e sentenciou pessoas a décadas de prisão ou a penas de morte por publicações em redes sociais.
Abusivas práticas em centros de detenção, incluindo tortura e maus-tratos, detenção arbitrária prolongada e confisco de bens sem um processo legal justo, continuam sendo comuns. Não houve responsabilização pelo papel da Arábia Saudita em aparentes crimes de guerra no Iêmen.
As reformas legais anunciadas são severamente prejudicadas pela generalizada repressão pelo governante de facto, príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, conhecido como MBS.
O governo tentou limpar sua reputação, manchada por um deplorável histórico de direitos humanos, por meio do financiamento de luxuosas instituições, figuras e eventos esportivos e de entretenimento .
O Fundo de Investimento Público (PIF na sigla em inglês) da Arábia Saudita e a Associação de Golfistas Profissionais (PGA na sigla em inglês) efetivamente permitiram os esforços do governo saudita para “lavar através do esporte” (sportswash), seu terrível histórico de direitos humanos, por meio de um acordo anunciado em 6 de junho, que colocou o governo saudita em uma posição sem precedentes de influência e controle de um esporte inteiro, o golfe profissional.
Liberdade de Expressão, Associação e Crença
Dezenas de defensores e ativistas de direitos humanos sauditas continuam cumprindo longas penas de prisão por criticarem autoridades ou por defenderem reformas políticas e de direitos.
Autoridades sauditas, têm exponencialmente marcado como alvos, usuários de redes sociais, sauditas e não sauditas, por suas manifestações pacíficas online e os punem com penas de décadas de duração e até mesmo penas de morte.
Em 10 de julho de 2023, o Tribunal Penal Especializado, tribunal antiterrorista da Arábia Saudita, condenou Muhammad al-Ghamdi, 54 anos, um professor aposentado saudita , por vários crimes relacionados exclusivamente à sua manifestações pacífica online. O tribunal o condenou à morte, usando seus tweets, retuítes e atividades no YouTube como evidência contra ele.
Defensores dos direitos das mulheres, incluindo Loujain al-Hathloul, Nassimah al-Sadah e Samar Badawi, permanecem proibidas de viajar e sob suspensas penas de prisão, que permitem que as autoridades as retornem à prisão por qualquer suposta atividade criminosa.
O ativista de direitos humanos Mohammed al-Rabea, o trabalhador humanitário Abdulrahman al-Sadhan e o advogado de direitos humanos Waleed Abu al-Khair permanecem na prisão por acusações relacionadas à manifestação pacífica ou ativismo.
Solicitantes de Refúgio, Migrantes e Trabalhadores Migrantes
Guardas de fronteira sauditas mataram pelo menos centenas de migrantes e solicitantes de refúgio etíopes que tentaram cruzar a fronteira entre o Iêmen e a Arábia Saudita entre março de 2022 e junho de 2023.
A Human Rights Watch descobriu que guardas de fronteira sauditas usaram armas explosivas para matar migrantes e também dispararam contra migrantes à queima-roupa, incluindo muitas mulheres e crianças, num padrão generalizado e sistemático de ataques.
Em alguns casos, guardas de fronteira sauditas perguntaram aos migrantes em qual membro de seus corpos atirar e, em seguida, dispararam contra eles à queima-roupa. Se cometidos como parte de uma política do governo saudita para assassinar migrantes, estes assassinatos, que aparentemente continuam, poderiam ser um crime contra a humanidade.
A economia da Arábia Saudita depende fortemente de trabalhadores migrantes. Mais de 6,3 milhões de migrantes ocupam sobretudo empregos manuais, administrativos e de serviços na Arábia Saudita, constituindo mais de 80% da força de trabalho do setor privado. As autoridades continuam a impor um dos sistemas kafala (patrocínio de vistos) mais restritivos e abusivos da região, que, apesar das recentes reformas, permanece praticamente inalterado.
Esse sistema dá aos empregadores um excessivo poder sobre a mobilidade e a condição de legalidade dos trabalhadores migrantes no país e condiciona a vulnerabilidade dos trabalhadores a uma vasta gama de abusos – desde o confisco de passaportes até atrasos salariais – que podem constituir trabalho forçado. Trabalhadores domésticos migrantes também enfrentam abusos verbais, físicos e sexuais.
A Arábia Saudita realiza regularmente prisões e deportações de trabalhadores migrantes indocumentados, incluindo grandes campanhas de detenções em novembro de 2013 e agosto de 2017. Muitos trabalhadores ficaram indocumentados, não por culpa própria, mas porque os empregadores podem denunciar trabalhadores migrantes, por vezes falsamente, por “fuga”, mesmo quando fogem de abusos. Aos migrantes é negado o direito de contestar suas detenções e deportações.
Ataques Aéreos e Conflito no Iêmen
A coalizão liderada pela Arábia Saudita e pelos Emirados Árabes Unidos continua sua campanha militar contra o grupo armado Houthi no Iêmen, que incluiu ataques aéreos ilegais que mataram e feriram milhares de civis.
Em janeiro, o Tribunal Superior de Justiça do Reino Unido ouviu uma contestação à renovação das vendas de armas do governo do Reino Unido à Arábia Saudita.
O Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas estimou que o prolongado conflito no Iêmen matou mais de 377 mil pessoas, diretamente ou indiretamente, desde 2015. As principais causas de morte incluem inadequados cuidados de saúde, má alimentação, e infraestrutura precária . As partes em conflito atacaram infraestrutura civil, incluindo casas, hospitais, escolas e pontes, deslocando internamente mais de 4 milhões de pessoas.
Justiça Criminal
A Arábia Saudita não possui leis codificadas sobre orientação sexual ou identidade de gênero, mas o judiciário utiliza princípios da lei islâmica, não codificada, para sancionar pessoas suspeitas de praticarem relações sexuais fora do casamento, incluindo adultério e relações entre pessoas do mesmo sexo. Se indivíduos estiverem envolvidos em tais relacionamentos online, juízes e promotores se valem de disposições vagas da lei anticrime cibernético do país, que criminaliza atividades online que desviam da “ordem pública, valores religiosos, moral pública e privacidade”.
Um médico egípcio está cumprindo uma pena de prisão de 10 anos na Arábia Saudita por ligações com a banida Irmandade Muçulmana, após um aparente julgamento injusto julgamento. O tribunal aprisionou Sabri Shalabi, 66 anos, apesar das alegações de que os promotores sauditas basearam as acusações, em grande parte, em confissões forçadas e, aparentemente, em retaliação por uma disputa relacionada a questões trabalhistas. Um tribunal originalmente impôs uma pena de prisão de 20 anos em agosto de 2022, mas ela foi reduzida para 10 anos em dezembro de 2022 após recurso.
Em janeiro, as autoridades marroquinas extraditaram um cidadão saudita de volta para a Arábia Saudita, onde ele corre sérios riscos de detenção arbitrária, tortura e de um julgamento injusto. O mandado de prisão dos promotores sauditas acusava Hassan Al Rabea de trabalhar com “terroristas” que o ajudaram a deixar a Arábia Saudita “irregularmente”.
Autoridades sauditas já haviam tido anteriormente outros membros da família de Al Rabea como alvos, incluindo dois primos que foram executados em 2019 por supostos crimes relacionados a protestos e terrorismo e um irmão que enfrenta uma pena de morte por suposto terrorismo.
As autoridades sauditas executaram Hussein Abu al-Khair, um cidadão jordaniano, em 12 de março de 2023, após sua condenação por um crime não violento relacionado a drogas. O juiz ignorou suas alegações de que só teria confessado após dias de tortura e maus-tratos. De acordo com o direito internacional, a pena de morte só deveria ser imposta para os “crimes mais graves” e em circunstâncias excepcionais, e o direito internacional exclui explicitamente os crimes relacionados a drogas desta punição.
Em junho, dois homens xiitas do Bahrein foram executados na Arábia Saudita após o que a Anistia Internacional descreveu como um “julgamento grosseiramente injusto” por acusações relacionadas à terrorismo.
Apesar das declarações da Comissão de Direitos Humanos da Arábia Saudita alegando que ninguém na Arábia Saudita será executado por um crime cometido quando criança, a disposição não se aplica a qisas, crimes de justiça retributiva geralmente por assassinato, ou hudud, crimes graves definidos sob a interpretação do país da lei islâmica que carregam penalidades específicas.
Direitos das Mulheres
A primeira lei codificada de estado pessoal da Arábia Saudita foi emitida em 8 de março de 2022, no Dia Internacional da Mulher, e entrou em vigor em junho de 2022. Embora o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman e outras autoridades do governo saudita tenham considerado a lei “abrangente” e “progressista”, essa lei formalmente consagra a tutela masculina sobre as mulheres e inclui disposições que facilitam a violência doméstica e o abuso sexual no casamento.
Ativistas sauditas dos direitos das mulheres fizeram campanha por muito tempo por uma Lei de Estado Pessoal codificada que acabasse com a discriminação contra as mulheres. No entanto, as autoridades não lhes deram oportunidade de contribuir com esta lei, uma vez que o projeto de lei não foi público antes de ser adotado. Nos últimos anos, ativistas dos direitos das mulheres sauditas enfrentaram prisões e detenções arbitrárias, tortura e proibições de viagens.
A Lei de Estado Pessoal exige que as mulheres obtenham a permissão de um tutor masculino para se casarem, codificando a prática de longa data do país. As mulheres casadas são obrigadas a obedecer aos seus maridos de “maneira razoável”. A lei estabelece ainda que nenhum dos cônjuges pode abster-se de relações sexuais ou de coabitação sem o consentimento do outro cônjuge, implicando um direito conjugal à relação sexual.
Embora um marido possa divorciar-se unilateralmente da sua esposa, uma mulher só pode requerer a um tribunal a dissolução do seu contrato de casamento por motivos limitados e precisa “estabelecer [o] dano” que torna a continuação do casamento “impossível” dentro desses motivos. A lei não especifica o que constitui “dano” ou que provas podem ser apresentadas para apoiar um caso, deixando aos juízes um amplo poder discricionário na interpretação e aplicação da lei para manter o status quo.
Os pais continuam a ser os responsáveis legais pelas crianças, limitando a capacidade das mães de participar plenamente nas decisões relacionadas ao bem-estar social e financeiro de seus filhos. Uma mãe não pode agir como guardiã de seu filho, a menos que seja nomeada por um tribunal; caso contrário terá autoridade limitada para tomar decisões relativas ao bem-estar da criança, mesmo nos casos em que os pais não vivam juntos e as autoridades judiciais decidam que a criança deve morar com a mãe.
Direitos e Justiça Econômica
O príncipe herdeiro consolidou seu poder econômico na Arábia Saudita, sobretudo através do fundo soberano do país, o Fundo de Investimento Público, com aproximadamente 700 bilhões de dólares em ativos sob gestão.
O fundo esteve diretamente envolvido em violações dos direitos humanos ligadas ao príncipe herdeiro. Essas violações incluem a repressão “anticorrupção” de 2017, que envolveu detenções arbitrárias, tratamento abusivo e extorsão de propriedades de antigos e atuais funcionários do governo, de proeminentes empresários e de rivais dentro da família real, bem como o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi em 2018.
Alguns fundos soberanos são estruturalmente separados e distintos do chefe executivo do governo. Mas o príncipe herdeiro exerce um controle significativo sobre o PIF, um dos maiores fundos deste tipo no mundo, e exerce decisões unilaterais com pouca transparência ou responsabilização pelas decisões sobre o fundo. Embora as finanças estatais da Arábia Saudita tenham sido, durante muito tempo, caracterizadas por uma falta de transparência e supervisão, a reestruturação e a expansão dramática do fundo consolidaram – em um grau sem precedentes – um vasto poder econômico na Arábia Sauditas sob o comando exclusivo do Príncipe Herdeiro .
Tecnologia e Direitos
Em fevereiro de 2023, a Microsoft anunciou sua intenção de investir em um centro de dados em nuvem na Arábia Saudita, para oferecer serviços empresariais em nuvem, apesar do bem estabelecido histórico do governo de infiltrar plataformas de tecnologia e da continua repressão doméstica.
O notório histórico das autoridades da Arábia Saudita em matéria de direitos humanos, incluindo sua infiltração no X, rede social anteriormente conhecida como Twitter, para espionar dissidentes e atacar ativistas de direitos humanos e dissidentes políticos com sofisticadas tecnologias de vigilância digital, apresenta problemas para empresas que se comprometem a proteger os direitos de privacidade dos usuários.
A nova lei de proteção de dados e os atos normativos da Arábia Saudita concedem amplos poderes às agências governamentais para acessarem dados pessoais e constituem uma grave ameaça ao direito à privacidade. As entidades que controlam os dados têm permissão para divulgar dados a agências estatais por “razões de segurança” vagas e demasiadamente amplas, que não estão definidas em lei.
Políticas sobre Mudanças Climáticas e seus Impactos
Em suas próprias palavras, a Arábia Saudita é “particularmente vulnerável” às mudanças climáticas como um “país árido com um clima severo e ecossistema sensível”. A escassez de água é comum na Arábia Saudita, a maior parte da terra não é produtiva e a média de chuvas é baixa. No entanto, a Arábia Saudita continua sendo um dos principais produtores mundiais de combustíveis fósseis.
Principais atores internacionais
Os Estados Unidos fornecem apoio logístico e de inteligência às forças da coalizão liderada pela Arábia Saudita no Iêmen, bem como armas no valor de bilhões de dólares. A Human Rights Watch documentou anteriormente o uso, pela coalizão, de armas fabricadas nos EUA em pelo menos 22 ataques aparentemente ilegais sob as leis da guerra.
O Governo Biden emitiu uma posicionamento no qual “reconhece e permite a imunidade do primeiro-ministro Mohammed bin Salman como chefe de governo em exercício de um estado estrangeiro” e, portanto, ele não pode ser processado. Nenhuma outra publicamente conhecida medida de responsabilização foi tomada pelo papel de MBS no brutal assassinato do jornalista americano Jamal Khashoggi em 2018.
As negociações para um acordo comercial entre o Reino Unido e o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC na sigla em inglês), um órgão de coordenação política e econômica composto por Bahrein, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) , continuaram ao longo de 2023. O Reino Unido divulgou pouquíssimas informações sobre o cronograma e o conteúdo das conversas e não prometeu publicamente incluir proteções especificas de direitos humanos para países como a Arábia Saudita e os EAU, que têm registros lamentáveis de direitos, incluindo em relação a trabalhadores migrantes.