Em 2024, militares israelenses continuaram a matar, ferir, infligir fome e deslocar à força milhares de civis palestinos em Gaza, além de destruir suas casas, escolas, hospitais e infraestrutura em uma escala sem precedentes na história recente. No final de novembro, o Ministério da Saúde de Gaza informou que mais de 44.000 pessoas haviam sido mortas e 104.000 feridas desde a escalada das hostilidades em 7 de outubro de 2023. Quase todos os palestinos em Gaza foram deslocados à força, e todos enfrentaram grave insegurança alimentar ou fome.
Em novembro, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, por crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos em Gaza de 7 de outubro de 2023 a 20 de maio de 2024, quando o promotor do TPI solicitou os mandados. O TPI também emitiu mandado de prisão contra o líder da ala militar do Hamas, Mohammed Deif, pelos ataques em Israel em 7 de outubro de 2023, que incluíram crimes de guerra e crimes contra a humanidade. O pedido do promotor também indicou os líderes do Hamas Ismail Haniyeh e Yahya Sinwar, que foi posteriormente morto por Israel.
Na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, a ONU informou que palestinos mataram seis colonos israelenses e 16 soldados, enquanto israelenses mataram 719 palestinos, de 7 de outubro de 2023 a 7 de outubro de 2024 — muito mais do que em qualquer outro ano desde 2005, quando a ONU começou a registrar sistematicamente as mortes. O número de palestinos mortos decorre do uso contínuo e excessivo de força letal por parte de Israel, incluindo ataques aéreos e mísseis lançados por drones.
Em setembro, Israel intensificou ataques aéreos no Líbano, após ataques com pagers e walkie talkies armadilhados, distribuídos entre os membros do Hezbollah, que mataram pelo menos 32 pessoas e feriram mais de 3.250. Em 1º de outubro, orças terrestres israelenses invadiram o Líbano. De 7 de outubro de 2023 a meados de novembro de 2024, houve 3.445 mortes relacionadas a conflitos e 14.600 feridos no Líbano, a maioria após meados de setembro. Mais de 400.000 pessoas fugiram para a Síria.
Grupos armados na Faixa de Gaza mataram seis reféns de Israel e mantiveram aproximadamente 100, incluindo mais de 30 pessoas que acredita-se terem morrido durante as hostilidades. Desde 7 de outubro de 2023, o Hezbollah, o Irã, os Houthis no Iêmen e os grupos armados palestinos em Gaza lançaram 28.000 ataques com foguetes, mísseis e drones, a maioria interceptados, que mataram pelo menos 29 civis em Israel e no território ocupado por Israel em meados de outubro. Doze crianças foram mortas por um foguete nas Colinas de Golã, ocupadas por Israel; o Hezbollah negou a responsabilidade. Os ataques deslocaram dezenas de milhares de pessoas da Faixa de Gaza e do norte de Israel.
Autoridades israelenses continuaram a cometer os crimes contra a humanidade de apartheid e perseguição por meio da repressão a palestinos. Em julho, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu um parecer consultivo concluindo que a presença de Israel no território palestino ocupado é ilegal, que Israel está violando a proibição de discriminação racial e apartheid, que deveria evacuar e desmantelar todos os assentamentos e reparar os palestinos, incluindo indenizações e permitindo que os palestinos deslocados após 1967 retornem para suas casas, e que outros governos devem cessar qualquer reconhecimento, comércio ou investimento em assentamentos e trabalhar para acabar com a situação ilegal no território ocupado.
A UE, o Reino Unido e outros países retomaram o financiamento da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), a principal agência humanitária para os palestinos. Os EUA continuaram a reter o financiamento da UNRWA, ao mesmo tempo em que aprovaram mais de 100 operações de vendas de armas e forneceram à Israel um valor sem precedentes de US$ 17,9 bilhões em assistência de segurança. Países como Holanda, Canadá e Reino Unido suspenderam algumas transferências de armas ou licenças para Israel devido ao evidente risco do uso das armas em graves violações do direito internacional.
Faixa de Gaza
As 44.000 mortes em Gaza devido ao conflito registradas pelo Ministério da Saúde de Gaza não incluem muitas pessoas que morreram de doenças, enfermidades ou que foram enterradas sob os escombros. Dados sobre mortes e ferimentos não incluem o status civil, mas 70% das 8.200 mortes que o Escritório de Direitos Humanos da ONU (OHCHR, na sigla em inglês) verificou até setembro eram de mulheres e crianças.
Forças israelenses deslocaram à força quase toda a população de Gaza, frequentemente várias vezes. Em outubro de 2023, Israel ordenou que mais de 1 milhão de pessoas no norte de Gaza fossem evacuadas em 24 horas. Em maio de 2024, mais da metade da população de Gaza estava abarrotada na cidade de Rafah, ao sul, que foi atacada por militares israelenses, forçando mais de 1,4 milhão de pessoas a fugir novamente. A partir de outubro de 2024, Israel cortou toda a ajuda ao norte de Gaza e novamente deslocou pessoas à força. A maior parte do território de Gaza estava sob ordens de evacuação militar, parte de um sistema de transferência forçada de civis palestinos que equivale a um crime contra a humanidade. Al-Mawasi, a “zona humanitária” declarada por Israel, não tinha abrigo adequado, água, saneamento ou outra infraestrutura, e, em agosto, tinha uma densidade populacional de 88.000 pessoas por milha quadrada. Ataques israelenses e demolições feitas por engenheiros de combate e escavadeiras militares destruíram ou danificaram 63% de todos os edifícios de Gaza, tornando grande parte da Faixa inabitável, constituindo claramente uma limpeza étnica em algumas áreas e violando o direito de retorno de palestinos.
Mais de 87% de todas as escolas e universidades de Gaza foram danificadas ou destruídas, inclusive em ataques aparentemente ilegais. Desde 7 de outubro, mais de 10.000 estudantes e 441 funcionários do setor educacional foram mortos em Gaza.
Quase 84% das instalações de saúde foram destruídas ou danificadas, inclusive em ataques aparentemente ilegais. O colapso do sistema de saúde privou as cerca de 50.000 mulheres e meninas grávidas de Gaza do acesso ao atendimento adequado e aumentou o risco de graves complicações de saúde durante a gravidez, o parto e o pós-parto. Especialistas da ONU alertaram sobre um aumento de 300% nos abortos espontâneos em Gaza.
Em janeiro, março e maio, a Corte Internacional de Justiça emitiu medidas provisórias como parte de um processo movido pela África do Sul, segundo o qual Israel violou suas obrigações em relação à Convenção de 1948 para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio em Gaza. Israel desrespeitou ordens do tribunal para abrir passagens de fronteira e permitir a entrada de ajuda humanitária em grande escala em Gaza.
Autoridades israelenses privaram as pessoas em Gaza da água adequada necessária para a sobrevivência durante meses, restringindo a água encanada e forçando as bombas de água, dessalinização, águas residuais e instalações de esgoto a ficarem desligadas, cortando a eletricidade, destruindo painéis solares em várias instalações e bloqueando o combustível necessário para o funcionamento de geradores de eletricidade. Forças israelenses atacaram trabalhadores e armazéns de água e saneamento, impedindo reparos, e bloquearam a entrada de equipamentos e peças. Em média, de outubro de 2023 a julho de 2024, as pessoas tiveram acesso a menos de cinco litros de água por dia, um terço do padrão mínimo da OMS para sobrevivência, e a falta de água e saneamento contribuiu para um desastre de saúde pública, apesar de uma campanha de vacinação infantil após a detecção do primeiro caso de poliomielite em 25 anos em agosto. Casos de diarreia entre crianças com menos de cinco anos aumentaram de 2.000 por mês antes de 7 de outubro de 2023 para 71.000 em janeiro. A negação de água por parte de Israel à população palestina de Gaza equivale ao crime contra a humanidade de extermínio e ao ato genocida de infligir condições de vida calculadas para provocar a destruição do grupo no todo ou em parte.
Em setembro, o bloqueio de Israel negou a entrada de 83% da ajuda alimentar em Gaza e, em média, as pessoas estavam fazendo uma refeição a cada dois dias, enquanto, em agosto, mais de um milhão de pessoas no sul e no centro de Gaza não receberam nenhuma ração alimentar. Em outubro, Israel ordenou que a população do norte de Gaza fosse evacuada e bloqueou toda a ajuda para a área, enquanto o total de ajuda que Israel permitiu que entrasse em Gaza caiu para o nível mais baixo desde o início da escalada, levando a avaliações de que a fome era “iminente” no norte.
Forças israelenses atacaram repetidamente conhecidos locais de trabalhadores de serviços humanitários depois que eles compartilharam com antecedência suas coordenadas precisas com os militares israelenses. Em setembro, o Comitê Permanente Interagências declarou que “o número de trabalhadores humanitários mortos em Gaza no ano passado é o maior de todos os tempos em uma única crise”. De outubro de 2023 a outubro de 2024, pelo menos 318 trabalhadores humanitários foram mortos em Gaza.
Os deslocamentos forçados de militares israelenses, a falta de avisos prévios eficazes sobre os ataques e o cerco à Gaza criaram riscos e sofrimentos extremos para crianças e adultos com deficiência, que muitas vezes não podiam fugir por segurança ou para ter acesso a alimentos, medicamentos e dispositivos de assistência necessários para sua sobrevivência. O uso extensivo de armas explosivas, inclusive em áreas densamente povoadas e ataques a prédios residenciais sem nenhum alvo militar aparente, causou ferimentos que resultaram em deficiências permanentes e cicatrizes por toda a vida para as crianças de Gaza. Todas as crianças com deficiência enfrentaram danos psicológicos únicos devido à violência e à privação que sofreram ou testemunharam.
Autoridades israelenses não permitiram que nenhum palestino saísse de Gaza pela Passagem de Erez, a única passagem de Gaza para Israel pela qual palestinos podem viajar para a Cisjordânia e para o exterior. Cerca de 110.000 pessoas puderam sair de Gaza para o Egito de outubro de 2023 até que Israel assumiu o controle da passagem de Rafah e a fechou em 6 de maio. De maio a novembro, Israel permitiu que apenas cerca de 320 pacientes em estado crítico deixassem Gaza para receber cuidados médicos. Em setembro, cerca de 12.000 pessoas que precisavam de evacuação médica estavam em listas de espera para ir ao Egito. Egito, Turquia, Catar, Jordânia, Itália e vários outros países aceitaram ou se ofereceram para aceitar palestinos que precisavam de cuidados médicos; outros países ocidentais, como o Reino Unido, não haviam aceitado nenhum palestino até o início de novembro.
Hamas e grupos armados palestinos em Gaza
Além de manter civis como reféns, grupos armados palestinos mataram a tiros seis reféns um ou dois dias antes de seus corpos serem encontrados pelas forças israelenses em um túnel sob Rafah, em 31 de agosto. As Brigadas Al-Qassam declararam que combatentes que mantinham reféns haviam recebido “novas instruções” e que a pressão militar israelense faria com que reféns fossem devolvidos “em mortalhas”.
Em março, a representante especial da ONU sobre violência sexual em conflitos relatou que sua missão havia encontrado “informações claras e convincentes” de que alguns reféns mantidos em Gaza haviam sido submetidos à violência sexual, inclusive estupro.
Cisjordânia
Em 2024, a repressão de Israel a palestinos na Cisjordânia se intensificou. Autoridades israelenses raramente processam os responsáveis pela violência contra palestinos.
Forças israelenses realizaram várias incursões em grande escala, visando principalmente os campos de refugiados, onde 130 palestinos foram mortos, segundo relatórios da OCHA.
Autoridades israelenses aplicam a lei civil israelense aos colonos, mas governam os palestinos da Cisjordânia sob a lei militar, negam-lhes o fundamental devido processo legal e os julgam em tribunais militares.
A dificuldade em obter licenças de construção israelenses em Jerusalém Oriental e nos 60% da Cisjordânia sob controle exclusivo de Israel (Área C) levou os palestinos a construírem estruturas que correm o risco de serem demolidas por não serem autorizadas.
Desde 7 de outubro, cerca de 6.200 palestinos, incluindo mais de 2.700 crianças, foram deslocados de suas casas na Cisjordânia por demolições militares israelenses ou ataques que destruíram casas, bem como pela violência de colonos apoiada pelo Estado. Até 2 de outubro de 2024, a ONU tinha registrado mais de 1.400 ataques de colonos.
Em setembro, a Suprema Corte de Israel decidiu a favor de uma organização de colonos para expulsar uma família palestina de suas casas em Jerusalém Oriental, de acordo com uma lei discriminatória que permite que colonos reivindiquem terras que judeus possuíam em Jerusalém Oriental antes de 1948. Segundo a lei israelense, palestinos são impedidos de fazer reivindicações de terras análogas em Israel.
Autoridades israelenses fornecem segurança, infraestrutura e serviços a mais de 700.000 colonos na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental.
Desde 2023, o governo israelense aprovou a construção de mais de 20.000 novas unidades habitacionais em assentamentos ilegais na Cisjordânia ocupada. Até outubro, foram estabelecidos 28 “postos avançados” de assentamentos, os quais, apesar de não serem autorizados, recebem apoio governamental e militar para tomar terras palestinas.
Austrália, Canadá, UE, EUA e Reino Unido impuseram sanções a violentos colonos e a entidades de assentamento na Cisjordânia, mas não a autoridades israelenses.
Importantes organizações da sociedade civil palestina na Cisjordânia continuam proibidas por serem taxadas como organizações “terroristas”.
Liberdade de movimento
Autoridades israelenses continuaram a exigir que portadores de identidade palestina possuíssem autorizações difíceis de obter e com prazo limitado para entrar em Israel e em grande parte da Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
Forças israelenses restringiram severamente as viagens de palestinos dentro da Cisjordânia e, em 2023 e novamente em 2024, proibiram amplamente a colheita de azeitonas por palestinos, causando perdas econômicas.
Israel continuou a construção da barreira de separação, 85% da qual fica na Cisjordânia e que isolará 9% da Cisjordânia quando estiver concluída.
Abusos da Autoridade Palestina
A Autoridade Palestina (AP) deteve arbitrariamente opositores e críticos, inclusive estudantes e jornalistas. Entre janeiro e novembro de 2024, o órgão de monitoramento estatutário palestino, a Comissão Independente para os Direitos Humanos, recebeu 231 denúncias contra a AP por detenções arbitrárias, inclusive detenções sem julgamento ou acusação, e 117 denúncias de tortura e maus-tratos durante a detenção.
Não houve nenhuma mudança nas leis de status pessoal para muçulmanos e cristãos que discriminam as mulheres.
Israel
Em outubro, o Knesset israelense aprovou uma legislação para impedir que a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA) opere em áreas sob controle israelense e proíba a comunicação com sua equipe. A agência empregava 14.000 funcionários na Faixa de Gaza, onde era uma provedora essencial de ajuda humanitária, educação e assistência médica.
De sete de outubro de 2023 a novembro de 2024, pelo menos seis jornalistas e profissionais da imprensa libaneses e 137 palestinos foram mortos e 69 foram detidos. Em setembro, Israel fechou à força o escritório da Al Jazeera em Ramallah e revogou as credenciais de imprensa de jornalistas da Al Jazeera.
Autoridades israelenses negaram sistematicamente as reivindicações da maioria de solicitantes de asilo, incluindo cerca de 30.000 da Eritreia, Etiópia e Sudão, mas começaram a oferecer residência a homens que se alistaram nas forças armadas.
Detenção, tortura e maus-tratos de palestinos
Autoridades israelenses detiveram arbitrariamente, torturaram, infligiram violência sexual e negaram alimentação adequada e atendimento médico a homens, mulheres e crianças palestinos detidos. O Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, promoveu políticas punitivas, inclusive para limitar a alimentação de detentos. O Ministério da Saúde restringiu o acesso de detentos de Gaza aos hospitais nas instalações de Sde Teiman, em Israel, a menos que enfrentassem risco de morte imediata ou grave incapacidade, “como amputação de um membro ou perda de um olho”. Pelo menos 53 palestinos morreram em detenção até julho, e Israel frequentemente retém seus corpos.
Depois de 7 de outubro, autoridades israelenses detiveram sem comunicação e maltrataram milhares de trabalhadores palestinos que estavam legalmente em Israel. Em 2024, autoridades israelenses continuaram a deportar palestinos presos em Gaza para instalações dentro de Israel, inclusive trabalhadores da área da saúde, que relataram ter sido torturados e não terem recebido alimentos, água e cuidados médicos. A imprensa israelense relatou amputações de detentos devido ao uso abusivo de restrições, cirurgias sem anestesia e violência sexual e de gênero. Na base militar de Sde Teiman, nove soldados foram detidos, mas depois liberados por estuprarem um detento, que precisou ser hospitalizado.
Até junho, autoridades israelenses mantinham 3.377 palestinos em detenção administrativa sem acusação, julgamento ou possibilidade de contestar provas de irregularidades, e detiveram 1.415 palestinos de Gaza pela lei de “Combatentes Ilegais”, uma forma de detenção administrativa. Desde 7 de outubro de 2023, Israel negou acesso independente às instalações de detenção, inclusive ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).