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Parentes se tocam por meio de uma tela de filme plástico e um vidro para evitar contrair a Covid-19 no centro de San Raffaele em Roma, Itália, em 22 de dezembro de 2020. © 2020 Cecilia Fabiano/LaPresse via AP

(Genebra, 3 de março de 2021) - O primeiro ano de pandemia de Covid-19 precipitou crises dos direitos humanos em todo o mundo, disse a Human Rights Watch em relatório divulgado hoje. Como marco de um ano da declaração da Covid-19 como pandemia pela Organização Mundial da Saúde, muitos países deveriam mudar urgentemente suas atitudes a fim de garantir uma saída desta crise de saúde pública respeitando os direitos. Os governos deveriam trabalhar em conjunto para escalar a produção e distribuição de vacinas e alcançar o acesso universal e equitativo.  

O relatório de 54 páginas, “Escolhas Futuras: traçando uma saída equitativa da pandemia de Covid-19”, documenta como a pandemia revelou fragilidades sistêmicas na proteção dos direitos básicos e gerou uma cascata de abusos dos direitos humanos. A Human Rights Watch recomenda mudanças na maneira de abordar a situação e assim prevenir a repetição de abusos dos direitos humanos com base em sua pesquisa ao longo de 2020 e início de 2021. O relatório é acompanhado por uma série de ensaios sobre a China e a diplomacia da vacina, o impacto da pandemia sobre os direitos das mulheres, pobreza e desigualdade, direitos dos trabalhadores da saúde, direitos dos idosos, acesso equitativo às vacinas e os problemas criados para os direitos pelo uso da tecnologia para combater a pandemia.  

“Governos e empresas têm as ferramentas, incluindo vacinas, para gerenciar e acabar com a pandemia, então é uma questão de saber se eles têm coragem moral e vontade política para fazer isso acontecer”, disse Tirana Hassan, vice-diretora executiva e diretora de programas da Human Rights Watch. “Para traçar uma saída equitativa da pandemia de Covid-19, os governos devem garantir o acesso universal à vacina, ou correm o risco de aprofundar as desigualdades e erodir os direitos humanos nos próximos anos”.  

A pandemia de Covid-19 tirou a vida de mais de 2,5 milhões de pessoas e infectou cerca de 110 milhões, deixando muitos com sequelas graves. Conforme documentado pela Human Rights Watch e várias organizações da sociedade civil, observatórios de direitos humanos, jornalistas e outros observadores, as consequências sociais e econômicas da pandemia foram generalizadas e devastadoras.  

Embora a escala e a gravidade da ameaça à saúde pública na pandemia justifiquem algumas restrições aos direitos, muitos governos ignoraram as orientações de saúde pública e até usaram a pandemia como pretexto para aumentar seu poder e reduzir  direitos, concluiu a Human Rights Watch.  

Alguns governos introduziram restrições à circulação que eram desproporcionais ou inadequadas para a ameaça à saúde. Governos instituíram políticas discriminatórias e as autoridades aplicaram medidas de forma discriminatória e com violência excessiva – e às vezes fatal.  

A pandemia evidenciou as fragilidades estruturais dos sistemas públicos de saúde, contribuindo para a enorme desigualdade no acesso a cuidados que salvam vidas. Os governos reduziram especialmente os cuidados de saúde sexual e reprodutiva. Os trabalhadores da saúde se submeteram a sérios riscos à sua saúde e segurança. E a Covid-19 teve um impacto devastador e desproporcional sobre os idosos e pessoas com deficiência, especialmente em instituições ou outros ambientes comunitários onde o vírus pode se espalhar rapidamente.  

Pessoas encarceradas são frequentemente mantidas em condições de superlotação, com condições de saneamento e higiene precárias e sem acesso a cuidados médicos adequados, aumentando gravemente o risco de milhões de encarcerados contraírem Covid-19. Embora muitos governos tenham liberado algumas pessoas visando impedir a propagação do vírus, foram poucas as liberações e essas muitas vezes excluíam ativistas e críticos, incluindo aqueles presos por questionarem a resposta dos governos à pandemia.  

Os registros de violência de gênero, particularmente a violência doméstica contra mulheres e meninas, aumentaram em todo o mundo em meio à pandemia. Em um esforço para desacelerar a disseminação do coronavírus, governos em todo o mundo fecharam escolas em abril, afetando cerca de 1,4 bilhão de alunos em escolas pré-primárias, primárias e secundárias em 192 países. Há sérias preocupações de que as crianças que perderam o acesso à educação durante a pandemia correm o risco de ficar para trás em relação aos seus pares, ou serem pressionadas ao casamento infantil ou à entrar no mercado de trabalho, tornando menos provável que voltem à escola.  

Muitos governos impuseram distanciamento social, quarentenas e fechamento de empresas, com um enorme impacto econômico. Trabalhadores de baixa renda – muitos em áreas como varejo, restaurantes e o setor informal – que não podem trabalhar remotamente, foram afetados de forma desproporcional.  

A pandemia evidenciou ainda mais a importância de proteger os direitos dos trabalhadores, especialmente a necessidade de garantir licenças remuneradas por doença e questões familiares. O suporte financeiro durante a pandemia contribuiu muito para conter o aumento da pobreza, mas deixou de fora muitos que precisam urgentemente de apoio. A dependência do governo de algoritmos e tecnologias mal desenhadas para distribuir benefícios também atrasou e coibiu o acesso a esse apoio tão necessário, ao mesmo tempo em que causava problemas de privacidade.  

Nos próximos meses, as medidas de emergência deverão expirar em muitos países, colocando os grupos de baixa renda em maior risco. Sem a adoção de medidas para proteger os direitos sociais e econômicos, um maiorapoio econômico e meios de distribuição equitativos, a pobreza e a desigualdade aumentarão ainda mais.  

Muitos governos também iniciaram e expandiram a vigilância digital para conter o vírus, utilizando desde aplicativos de rastreamento de contatos a câmeras de reconhecimento facial que aplicam medidas de quarentena e avaliações de risco algorítmicas. Praticamente todas essas tecnologias representam sérios riscos à privacidade e aos direitos humanos.  

Os governos também usaram a pandemia para reprimir a liberdade de expressão e de reunião pacífica. Forças militares ou policiais agrediram fisicamente jornalistas, blogueiros e manifestantes, incluindo alguns que criticaram as respostas do governo à Covid-19. Em alguns países, as restrições à liberdade de expressão e reunião ainda persistem.  

No início de 2021, várias vacinas provaram ser seguras e eficazes e os governos em todo o mundo começaram a vacinar determinados grupos. No entanto, o desenvolvimento de vacinas refletiu amplamente as desigualdades que marcaram o resto da pandemia: governos ricos fizeram acordos pouco transparentes e pré-reservaram a vasta maioria dos suprimentos de vacinas em vez de cooperar para garantir que os países mais pobres tivessem acesso às vacinas a preços acessíveis. Essas falhas garantem que a pandemia – bem como a desigualdade e os abusos de direitos que floresceram até o momento – continuará em muitos países por muitos anos.  

O direito internacional dos direitos humanos garante a todos o direito à vida, à saúde e a um padrão de vida decente, e obriga os governos a tomar medidas para prevenir ameaças à saúde pública e tornar a assistência médica acessível, inclusive financeiramente. No contexto de graves ameaças à saúde pública e emergências públicas, as restrições a alguns direitos podem ser justificadas, mas devem ter uma base legal, ser estritamente necessárias e proporcionais ao objetivo que buscam alcançar e não ser arbitrárias nem discriminatórias.  

“Durante a pandemia, os governos usaram a emergência de saúde pública para aumentar seu poder, abusar dos direitos e sistematicamente negligenciar algumas populações minoritárias”, disse Hassan. “Os governos precisam reverter suas políticas abusivas e fornecer acesso equitativo às vacinas a fim de acabar com a pandemia e melhorar a capacidade de todas as pessoas desfrutarem de seus direitos humanos.”  

 

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